[TEXTO] Alexandre Ribeiro [FOTO] Diogo Penedo
Desde a criação dos Buraka Som Sistema e da “tomada de posse” da Príncipe Discos – imprensa internacional enlouquecida e Aphex Twin e Thom Yorke a escolherem temas de DJ Nigga Fox para as suas playlists – , que a periferia se tem vindo a aproximar do centro, num processo em que o underground deixou de ser underground e Lisboa passou a ser uma cidade orgulhosamente multi-cultural que esgota consecutivamente as noites Príncipe e celebra a banda de Branko, Blaya, Conductor, Riot e Kalaf como um dos pilares da música moderna portuguesa.
No entanto, e compreendendo que a Internet e a vivacidade de uma carrada de géneros que envolvem o afro house, a Batida de Lisboa ou o kuduro acabaram por criar um monstro que extravasa zonas e credos, um dos “filhos” desta explosão sónica é Pedro Mafama. Em 2012, a Enchufada recebeu-o para um estágio de designer gráfico. Nessa altura, a misturada de sonoridades já estava a ser testada. Em 2017, as sementes deram fruto – o EP Má Fama, projecto que podem ouvir em exclusivo no SoundCloud do Rimas e Batidas.
“Eu ’tou-me a rir, mas ’tou a falar a sério”, canta em “Elefantes”, a terceira faixa do trabalho de estreia. O som e as letras são tragicómicas, trazendo a tristeza do fado na boca e a alegria da electrónica made in Enchufada na anca. Um equilíbrio difícil de fazer, mas Pedro Simões mostrou que consegue gerir os diferentes ambientes com algum à-vontade. Podemos descrevê-lo como “promissor” e isso é dizer pouco.
Queria começar por algo que vi no teu perfil de Facebook: qual é (ou foi) a tua ligação com a Enchufada?
Fui estagiário deles há uns anos, quando acabei o liceu! Primeiro como designer gráfico porque tirei um curso de multimédia e depois acabei por ir com eles para os concertos em Portugal. Vendia o merchandise deles nos concertos, desde a altura do Komba, passando pelo concerto da Aula Magna até ao ultimo concerto deles em Belém! E aprendi imenso porque estava sempre próximo deles. Eles foram super acessíveis e criou-se aí uma relação que dura até hoje!
Na altura já fazias música?
Sim, eu faço musica há muito tempo. Para aí desde os 16 [anos]. Na altura aquilo, estava era tudo mal mixado e eu não sabia como fazer aquilo de forma mais profissional, mas já estava lá toda a mistura de ritmos que faço hoje. Fazia rimas muito bem escritas em cima de percussões de kizomba (risos).
O que é que te influenciava nessa altura? Quem eram os artistas que ouvias e te inspiravam?
Sempre foi a cena americana que me atraiu, e nessa altura foi o início do trap mesmo, Gucci Manes e tudo isso. Acho que os instrumentos sintéticos do trap aproximaram o hip hop de outros estilos urbanos como kizomba, kuduros, etc… De repente as melodias do trap e da kizomba estavam bué em sintonia. Era só uma questão dos padrões do beat serem diferentes. Mas na altura ainda tirava muito prazer de escrever letras super densas. Todas as rimas e metáforas eram trabalhadas até à ultima… Hoje em dia estou muito mais interessado em explorar a minha voz, e transmitir emoção pela própria colocação mais do que pelas palavras em si. Daí ter começado a explorar muito a repetição. Tento mesmo até não escrever muito antes de ir para a cabine de som. Deixar espaços em branco na letra dá-me espaço para improvisar e fazer coisas do momento.
Como é que chegamos aqui? Quanto tempo demorou a criar este projecto?
No início do ano passado lancei-me outra vez à musica depois de uma meia-pausa para acabar a faculdade. E primeiro começaram a sair-me aqueles sons mais akudurados, em que eu fazia improvisos de voz e só depois é que fazia o beat a partir disso. Depois comecei a ouvir imenso fado, talvez porque um dos estúdios onde gravei era em Alfama. E comecei a querer ser fadista em cima dos beats. E este EP saiu daí. Músicas que gravei antes do Verão… Gravadas em alturas difíceis, cheias de indecisão, impasse e alguns desgostos pessoais. Sentes essa aura do fado em alguma das músicas? Ou é mais uma coisa que os sons não passam de forma muito óbvia?
Quando ouvi, não associei de todo. Onde é que achas que existe fado na tua música? Nas letras tragicómicas?
Sim, um bocado na tristeza dos sons, na colocação de voz do “Torneira”, nas guitarras do “Chora Agora”… Mas também gosto que seja uma coisa que me alimenta criativamente, e que depois saia cá para fora sem se tornar muito óbvio… Acho que é bom que isso aconteça.
É a tua versão do fado.
Exacto. São novos fados…
Fala-me um bocado sobre as pessoas com quem trabalhas no EP.
A cena é toda produzida por mim, por isso foi um trabalho algo solitário. Tirando a parte do pessoal do estúdio que me grava e do Franklin Beats, que me mixa os sons e dá algumas sugestões nos beats e vozes, e existe também a parte do Pedro, o Mau…
Qual é que foi a contribuição do Pedro, o Mau?
O Pedro, o Mau deu uma força do caraças desde o início desta nova fase de sons. Ele acompanhou tudo mesmo, cada vez que gravava um som trazia-o para casa dele e falávamos sobre isso. Ele quer muito que as minhas coisas saiam cá fora da maneira certa. E acho que ele está muito consciente de que o que eu estou a fazer pode ser mal interpretado se for mostrado da forma errada…
Por causa de uma certa ideia de apropriação?
Não tanto. É mais para ser tomado com a seriedade que o trabalho merece. Quando estás a usar percussões de kizomba e kuduro pode parecer que o estás a fazer por moda ou por gozo, ou pura azeitice. Acho que corri mais esse risco nos primeiros sons, mais dançáveis. Mas a verdade é que isto é uma proposta séria daquilo que eu acho que se pode vir a tornar a música lisboeta e portuguesa. Sou eu a escolher usar referências que nos são próximas culturalmente, mais próximas do que as referências anglo-saxónicas que são usadas mais normalmente. Na verdade, esta mistura musical nem é o futuro, é mesmo o presente… É só vermos o reconhecimento internacional da Enchufada e da Príncipe. E eu uso estes sons não é para me colar a algo que está a bater. É porque acho que traduzem mesmo a atmosfera à minha volta e aquilo que os meus olhos estão habituados a ver e os meus ouvidos habituados a ouvir. Para mim, uma batida de trap diz-me Atlanta e eu quero falar de Lisboa, da minha cidade e do meu país.