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Fotografia: Lara Maia
Publicado a: 09/09/2022

A apresentação do disco acontece este sábado na SMUP.

[Estreia] Hocus: “Ter começado a usar um no-input mixer abriu-me os horizontes”

Fotografia: Lara Maia
Publicado a: 09/09/2022

Para quem tenha estado a par da incubação de novos talentos dentro da redoma do jazz português nos últimos anos, o nome de João Almeida será, de uma forma ou outra, sonante; o trompetista lisboeta tem somado um currículo que percorre de igual forma as frentes mais convencionais e livres deste género musical — que o prove o marco que já deixou através do seu trabalho com Rodrigo Amado, Fragoso Quinteto, Ricardo Toscano, Garfo, Peachfuzz, Chão Maior, Nazaré da Silva, Ornitorrinco, ou LUMP, entre outros exemplos.

No entanto, a sua presença gradual nos meandros mais vanguardistas do jazz acabou por servir de ponte para a sua entrada na música exploratória, especialmente nas vertentes da improvisação livre e da música electrónica; esta afirmação faz-se sentir a nível discográfico através dos seus primeiros lançamentos em nome próprio em 2020, Solo Sessions *​|​|​|​|, Static I e Static II.

Agora, Almeida volta a reinventar-se na sua mais recente aventura individual, Hocus, e a estreia (no Rimas e Batidas) deste projecto, Narrow, abre-nos as portas a um mundo onde não existe jazz nem trompete, mas sim um no-input mixer e o desbravamento de um noise de texturas e dinâmicas caleidoscópicas. Narrow é também o mais recente registo editado pelo Colectivo Casa Amarela, que se encontra na linha de frente do experimentalismo electrónico em Portugal. Contando apenas com um quarto de século de existência, João Almeida tem dentro de si um universo criativo notavelmente multifacetado — e, como podemos comprovar com Hocus, a sua expansão parece apontar para a direcção que menos podemos esperar.        



Apesar de possuíres uma bagagem bastante ecléctica, grande parte da mesma sempre gravitou em torno do universo jazzístico. Como se foi construindo essa vontade de enveredar por um rumo consideravelmente mais livre e avantgarde, culminando num disco permeado pelo noise, algo que quase parece romper com as tuas origens musicais?

Eu acho que, na verdade, vem tudo desde que eu comecei a ouvir música. Foi o meu pai que me mostrou música, os meus pais e a minha irmã sempre foram muito inspiradores nesse sentido, sempre me mostraram muita música, muitos filmes, muitas coisas diferentes dentro das artes, muitas exposições, e acho que esse lado experimental sempre esteve bastante presente — se bem que, pronto, eu fiz o percurso normal de um músico académico, tendo feito o conservatório, seguindo-se o Hot Clube, e depois o curso superior na ESML. Eu acho que esse lado sempre esteve lá um bocadinho, agora é que consegui ter mais ferramentas para o fazer, acho que foi isso.

Quando comecei a estudar no Hot Clube, conheci alguns músicos um bocadinho mais velhos que eu, tipo, o João Fragoso, o João Pereira, o Gonçalo Marques (que foi meu professor), e mais tarde o Albert Cirera, um saxofonista catalão que vivia em Lisboa; foi através dele que eu comecei a entrar no mundo do free jazz e da música improvisada (por causa do quinteto do João Fragoso, do qual o Cirera faz parte), e foi a partir daí que eu comecei a abrir mais os horizontes em termos de… Ou seja, sempre ouvia um bocado essa música, mas nunca a tinha tocado, e depois nessa altura o Cirera já ‘tava a fazer uma fase de transição da carreira dele, tipo, de ir para a Dinamarca, e eu não pude passar muito tempo com ele a tocar, mas deu-me os contactos que eu tenho agora, do Hernâni Faustino, do Rodrigo Amado, do Ernesto Rodrigues e dessa malta toda. 

Este projecto representa também a tua estreia a assumir um no-input mixer enquanto instrumento predominante de criação. Tendo firmado a tua identidade musical no trompete, sentes que consegues explorar algo de novo nesta nova ferramenta que não te era possível no teu instrumento habitual?

Sim, totalmente. Consigo explorar uma data de sons que, acusticamente, não são propriamente possíveis de fazer – pelo menos no trompete. E ainda que haja muitos exploradores desse instrumento [do trompete], há muitas coisas que não dá para fazer, não dá para replicar, e acho que ter descoberto este novo instrumento foi assim um abrir de horizontes.

Para além de Hocus, também lideras actualmente o trio Pocus, com Gonçalo Almeida e João Lobo. Tendo em conta o chavão constituído por estas duas palavras (Hocus Pocus), é impossível não perguntar: existe alguma afinidade especial entre estes dois projectos? Algo de “mágico”?

Eu acho que, inicialmente, não havia essa intenção, fui descobrindo isso à medida que ‘tava a desenvolver os dois projectos. No projecto a solo, eu fui percebendo que tinha vindo a surgir uma temática que tem estado sempre presente na minha vida (não directamente mas indirectamente), que é a questão das doenças mentais, e o estado de espírito, e como é que os moods se estabelecem na música, e a minha relação com as doenças mentais; não que eu tenha tido, mas eu acho que toda a gente acaba por sentir alguma coisa de depressão ao longo da sua vida. Existem momentos altos e momentos baixos, também tenho familiares que já lidaram com essas doenças, e já lidei com isso de perto, então sempre foi assim uma coisa que esteve presente – não que eu pensasse sobre isso muito –, mas acho que isso ‘tá um bocado a surgir na música naturalmente. Acho que, neste projecto a solo, surgiu um bocado inconscientemente, enquanto que no Pocus surgiu bastante conscientemente, eu tive bastante tempo a pensar sobre as composições e como é que poderia evidenciar isso na música. Acho que a questão dos nomes não está ligada e que aconteceu por necessidade de arranjar um nome, não foi por mais nada.

Qual dos dois é que surgiu primeiro?

Creio que foi em simultâneo, na verdade; surgiram os dois e eu decidi separá-los, fazer duas coisas disso.

Já muito se escreveu – nesta publicação, inclusive – acerca do teu potencial artístico. Quem está a par da tua agenda sabe que também tens tido as tuas incursões em outras paragens a nível europeu. Como tem sido a recepção ao teu trabalho no circuito internacional?

A nível de crítica dos discos que eu tenho lançado, tenho sentido que tem sido bastante positivo; em termos de ir ao local e tocar, sinto que ainda não deu aquele salto que eu gostava que desse, que era poder andar em tournée o ano todo, que era o ideal, mas isso ainda não aconteceu e sinto que não ‘tou a ver a acontecer tão cedo, mais pelo estado actual do mundo: a situação da guerra, e o facto de o coronavírus ainda existir (embora pareça que não), e pronto, é mais por isso, e também sinto que as pessoas estão mais preocupadas com outras coisas do que propriamente com música experimental.

Lá fora, o público ‘tá muito mais educado, mas sinto que há tantas pessoas [ligadas a este circuito] que, eu, a vir de Portugal, não sei se tenho o mesmo impacto que outros músicos portugueses têm, como a Susana Santos Silva, ou o Rodrigo Amado, ou o Luís Vicente; tudo bem que, pronto, tenho 25 anos e tenho muito caminho para percorrer, mas mesmo assim, sinto que não vai ser assim um caminho muito óbvio…

Neste momento encontras-te situado em dois circuitos consideravelmente emergentes no meio artístico não apenas lisboeta como nacional: o do jazz contemporâneo e o da música experimental, ambos oferecendo um leque variado de explorações sonoras. Quais são as especificidades e similaridades que vês em cada uma destas correntes?  

Sinto que não ‘tão nada distantes um do outro, na verdade, sinto que… Não sei, eu também tenho um bocado a tendência de ver tudo como uma grande coisa, como música, e não pensar especificamente como “música experimental” (ainda que o seja) ou “jazz”; ou seja, estes rótulos existem e vão existir sempre, mas eu tendo a ver as coisas como um só. Da mesma maneira que faço jazz e música experimental, também já fiz outras coisas antes, já tive bandas de reggae, já estive em bandas de salsa, já estive em coisas assim diferentes. Para mim, dentro desses dois circuitos que falaste, eu sinto que são muito especiais, tem muito a oferecer, têm muitos músicos interessantes que têm projectos com longos caminhos a percorrer mas com muito para dar. E sinto que cada vez mais há uma comunicação entre os circuitos todos no geral, que as pessoas têm vindo a comunicar mais umas com as outras, a colaborar, a pensar em projectos, em eventos, em outras coisas. Também acredito que ‘tá um bocado a abrir no sentido em que não é só música, também ‘tá a acontecer com artes visuais, instalação, até cinema… Sinto que neste momento, em Lisboa, as coisas estão a cruzar-se bastante, e eu acho que isso é de louvar, na verdade.


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