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Fotografia: Rui Ferreira
Publicado a: 30/10/2025

Música exploratória e improvisada de terra em terra.

Está a chegar o Space Festival’25, o evento itinerante que leva “grandes artistas a pequenos-grandes territórios”

Fotografia: Rui Ferreira
Publicado a: 30/10/2025

O Space Festival rumo aos territórios de baixa densidade, para dar a conhecer música inesperada em lugares fora do mapa habitual do público da arte dos sons. Em dupla missão, com a programação de estéticas musicais desafiantes às normas estabelecidas e com a descentralização dessa música dos grandes centros urbanos, procurando outros espaços no território. Fora-da-caixa na forma e no modo. Há uma vontade do novo a cada edição, numa mostra cultural que tem no regime de itinerância uma razão acrescida em existir. 

O festival começou em 1999, e após uma pausa prolongada voltou em 2021 para a divulgação da música experimental e improvisada em territórios de baixa densidade em Portugal. Contando com a partilha das ideias de Nuno Alves e Sofia Pancada, como direcção artística e comunicação do festival, numa organização conjunta da Associação Cultural Rock’n’Cave e do Space Ensemble, é possível ficar a saber mais sobre os motivos e o programa. 

Na edição deste ano o percurso vai ligar 6 territórios em 10 dias ininterruptos num total de 18 propostas, com concertos, antestreia de um documentário, performance audiovisual, visitas e passeios. De 7 a 16 de Novembro, o Space Festival marca presença em Montemor-o-Velho (7 e 8), Valença (9 e 10), Vila Nova de Cerveira (11), Paredes de Coura (12 e 13), Caminha (14) e Arcos de Valdevez (15 e 16). O programa detalhado com o que se pode ver e ouvir em cada sítio e lugar está disponível na página do festival, destacando que o acesso a cada actividade é gratuito com a possibilidade de um donativo voluntário.



Estão nos últimos preparativos para mais uma edição do Space Festival, a quarta em regime de itinerância. Já se pode afirmar que esta é, sem dúvida, a identidade maior do festival? Até talvez mais preponderante do que a própria programação trazida?

Acreditamos que é, sem dúvida, um traço identitário do festival e queremos que assim continue. Porque acreditamos que é neste formato que ele faz mais falta e, talvez por isso, que é muito bem recebido pelas diferentes localidades e parceiros — porque também reconhecem que é algo novo, que lhes possibilita ter contacto com propostas diferentes das habituais e que isso faz falta em qualquer território. Quanto a ser mais preponderante que a programação, não vemos dessa forma. Tal como a itinerância, achamos que os artistas programados têm muito mérito. Além disso, temos tentado trazer alguns nomes internacionais que enriquecem igualmente o programa. Portanto, diríamos que são essas as identidades maiores do festival: grandes artistas em pequenos-grandes territórios.

A logística seria mais cómoda e era seguramente mais fácil montar um festival de música de 10 dias consecutivos no mesmo sítio ou localidade. Qual é a vossa maior motivação para a escolha da itinerância, sem que repitam qualquer proposta musical?

As motivações são várias. Por um lado, possibilitar que estes artistas e as propostas que desenvolvem anualmente possam circular mais. Por outro, aproveitar este movimento para utilizar salas ótimas no nosso país, algumas sem programação regular ou sem programação ligada à música experimental e improvisada. Sobre o espetáculo não ser o mesmo, há um grande cuidado na adequação dos artistas aos espaços e territórios onde vão atuar. Claro que queremos que estas propostas sejam de todos e para todos, mas sabemos que a criação e fidelização de públicos para este género de música é algo que leva o seu tempo. Aquilo que apresentamos numa igreja não é o mesmo que apresentamos num centro cultural ou num espaço não-convencional. Vamos tentando, testando… Achamos que podemos afirmar que, em geral, têm sido muito boas apostas e todos ficam contentes com o resultado: artistas, público, parceiros. 

Imaginem que vos proporcionavam mais financiamento para programar o mesmo elenco de artistas do festival mas numa sala de um grande centro urbano. Isso era algo irrecusável para a vossa estrutura?

Nada é irrecusável, mas acreditamos que não é esse o nosso lugar nem a nossa missão. Tendemos a achar que as melhores propostas e a inovação artística são mais propícias nas grandes cidades, mas depois a maior parte dos artistas adora fazer residências e criar a partir de localidades mais pequenas. Em Portugal há muitos bons exemplos de projetos inovadores, em todas as áreas artísticas, fora dos grandes centros urbanos — e são esses que mais nos inspiram, sem dúvida. Portanto, porque não fazemos a pergunta ao contrário? O que precisamos é de mais financiamento para alargar aquilo que já fazemos em alguns territórios a outros, preferencialmente de pequena e média dimensão, que também nos queiram receber. O Space Festival tem sido uma das únicas datas fora de cidades para muitos destes projetos e acreditamos que tem sido também um festival que permite validar estas propostas noutros territórios, algumas ainda em fase de validação das próprias criações — achamos que os festivais também devem ter este papel de permitirem a experimentação, o erro, o aperfeiçoamento que só acontece nesses processos. Por isso, pensamos que o Space Festival, com estas características, torna-se muito mais relevante no contexto nacional, do que se fosse mais um festival que decorria numa única cidade capital de distrito.

Nestes anos de actividade deram a conhecer, relembraram ou mesmo que quase revitalizaram salas de espetáculos e teatros nas localidades onde passaram. Muitos desses sítios sem uma programação cultural regular ao longo do ano. Consideram que o modelo cultural itinerante deveria ser mais utilizado, isto noutros campos das expressões artísticas? Existiu o Portugal Jazz – Festival Itinerante de Jazz, por exemplo, mas são escassas outras iniciativas.

Para nós, o modelo itinerante tem muito potencial, por isso é que acreditamos nele. Mas, mais do que modelos itinerantes, diríamos que o que precisamos é de vontade de promover propostas artísticas diferentes a nível local. São precisos municípios e parceiros que saibam valorizar tanto as festas populares como um festival de música experimental. Tudo tem o seu lugar e deve coexistir. Alguns dos nossos parceiros mais entusiasmados são associações culturais e recreativas, escolas e agentes locais semelhantes, por exemplo. O que esperamos é que o festival vá deixando pequenas sementes para que um dia sejam eles próprios a querer promover este género de música, tal como se promovem outros. 

É evidente que a vossa acção andarilha pressupõe fortes parcerias de agentes culturais locais. Tem sido fundamental a existência de outros cúmplices e desde 2022 há territórios que se mantêm, como Montemor-o-Velho, Paredes de Coura ou Caminha. Podem explicar um pouco mais essas parcerias e a sua importância neste contexto?

As parcerias locais são fundamentais. Sem elas, não conseguimos fazer o festival. Em Montemor-o-Velho, não podemos deixar de destacar o parceiro fantástico que temos, que começou nas primeiras edições ainda, que é o CITEC – Centro de Iniciação Teatral Esther de Carvalho, que dinamiza o Festival Citemor e tenta trazer outras programações ao Teatro Esther de Carvalho. Achamos que este é um ótimo exemplo de como estruturas de áreas diferentes, eles mais do teatro e performance e nós mais da música, se podem unir em torno da mesma missão — trazer propostas artísticas diversas e de ótima qualidade a territórios como Montemor-o-Velho. Paredes de Coura é um parceiro de longa data, uma vez que as estruturas que organizam o festival, a Associação Cultural Rock’n’Cave e o Space Ensemble, estão sediadas neste território — portanto, temos todo o interesse em manter a passagem e ligação a Paredes de Coura, até porque é um município que aposta muito na cultura e no ensino da música (formal e não-formal). Caminha está também a tornar-se um parceiro de longa data, desde 2021, que começou com a vontade de usar o magnífico Teatro Valadares, que para nós é capaz de ser um dos teatros mais bonitos de Portugal, e que entretanto se alargou a outros parceiros e espaços do concelho. Enfim, os parceiros vão surgindo de várias formas: ou pela vontade de usar algum espaço em particular, ou pela generosidade e ligações desenvolvidas no decorrer de outras atividades ao longo do ano, porque tanto a Associação Cultural Rock’n’Cave como o Space Ensemble têm planos de atividade robustos que vão além do Space Festival — a Rock’n’Cave mais na área da programação e o Space Ensemble mais na área da criação e educação musical. Portanto, é uma mistura de fatores que nos tem permitido alargar muito a rede de parceiros do festival.

E isso ajuda a explicar este mapeamento que tem existido. Contudo — e em modo de provocação —, poderiam com o envolvimento de outros agentes estar abertos a levar o Space Festival a outros territórios de baixa densidade populacional fora dos trajectos já mapeados, indo mais a sul e a leste do país?

Sem dúvida. Aliás, estamos totalmente abertos a receber propostas de espaços que queiram acolher o Space Festival. Por exemplo, podemos adiantar que, apesar deste ano alguns municípios que já foram parceiros não fazerem parte da itinerância, há perspetivas de voltarem a ser no próximo ano. Achamos que é interessante, para todos — organização, parceiros, artistas e público — introduzirmos diferenças na itinerância de ano para ano e por vezes deixar alguns territórios em pousio. Podemos fazer quase um paralelismo com o período de pousio dos campos de cultivo, que permite que o solo se regenere e recupere os nutrientes, aumentando a fertilidade. 

No campo da música a edição de 2025 tem uma vincada componente de ensembles de cordas experimentais, casos presentes com The Selva, Hedera 4tet ou tellKujira — três concertos muito promissores. Querem destacar outros momentos que se antevêem como relevantes nesta programação?

Somos suspeitos, mas não temos favoritos [risos]Os Hedera 4tet, apesar de já terem estado no festival em Montemor-o-Velho, em 2023, este ano apresentam-se em Arcos de Valdevez com uma proposta totalmente diferente, cuja base é um projeto interdisciplinar em que convidados de diferentes áreas artísticas (nomes como Vera Mantero, António Jorge Gonçalves, Gonçalo M. Tavares, entre outros) são desafiados a “compor” obras especificamente para o ensemble, que são cocriadas e interpretadas pelos músicos do quarteto. Nesta apresentação em Arcos de Valdevez, apresentam-se acompanhados pelo ator Miguel Moreira. Este é um bom exemplo de como no Space Festival não temos medo de repetir artistas, pelo contrário, sabendo que as propostas são sempre diferentes e que vão tocar noutras localidades onde ainda não estiveram. Além dos projetos de cordas que mencionas, há também vários projetos em que a percussão tem um papel preponderante — é o caso do Sons de Resistência do Luís Bittencourt (em Vila Nova de Cerveira), Triedro (trio do qual faz parte o percussionista Paulo Costa, que atua em Valença) e o Krake (projeto a solo do Pedro Oliveira), que também já esteve em 2022 e volta ao Space Festival em 2025, desta vez no último dia do festival, num concerto que é antecedido por uma caminhada pela Floresta Encantada da Miranda, em parceria com os FAHR 021.3® e a Associação Cultural, Recreativa e Desportiva de Miranda. Há também projetos em que a voz tem um papel importante, como é o caso de Novelo Vago com a Vera Morais (em Paredes de Coura), o Rquiem com a Mariana Dionísio (em Valença) e ainda o Stones And Seeds com a cantora alemã Almut Kühne e os portugueses João Pedro Brandão e Marcos Cavaleiro. Este último será apresentado na Capela do Espírito Santo em Paredes de Coura, um espaço muito bonito com uma ótima acústica para o projeto — acreditamos que vai ser também um momento muito especial com três grandes nomes do jazz internacional e nacional. Depois em Caminha, há também uma noite com dois concertos seguidos e totalmente diferentes — o quarteto de cordas “imperfeito” tellKujira e uma proposta mais eletrónica e visual dos @C (Pedro Tudela e Miguel Carvalhais) com Visiophone. Poderíamos mencionar tantos outros… Enfim, convidamos toda a gente a ver o programa e dedicar especial atenção a todas as propostas, porque valem a pena.

Cabe ainda sublinhar a presença de formações só de mulheres no cartaz. Isso pode ser assumido no sentido de uma procura de paridade na programação?

Primeiro, é pelo valor das propostas, que valem por si. Mas sim, enquanto organização cabe-nos garantir que há paridade na nossa programação e tentar não perpetuar um meio artístico e musical dominado por homens. Voltando ao valor das propostas, estamos muito contentes por ter ensembles como Lantana (Montemor-o-Velho) e também muitas propostas de jovens artistas como o trio NoveloVago (Vera Morais na voz, Teresa Costa na flauta e Inês Lopes no toy piano, sendo que todas tocam instrumentos de brincar), os duos Urtiqa (Frederica Campos na harpa e Bruna de Moura no violoncelo) e Calcutá & Maria Amaro… E também duos compostos por mulheres e homens, como é o caso do Requiem da Mariana Dionísio (voz) e do João Carreiro (guitarra) ou o projeto Nada Contra da Mrika Sefa (teclados) e do Francisco Cipriano (percussão). Há uma grande variedade de instrumentos, estilos e idades, e isso é muito bom. É uma conclusão interessante haver tanta paridade. O que nos deixa mais satisfeitos é que surgiu espontaneamente da preocupação que tivemos em procurar propostas artísticas de qualidade. 

Um terceiro vector do Space Festival relaciona-se com a fruição dos territórios onde o festival acontece. Que ecos têm havido dessa relação com o espaço de um público visitante? E que ideias existem para promover isso em futuras edições?

Quem tira de facto tempo para vir ao festival com calma fica sempre maravilhado com os territórios. Tratam-se de localidades que oferecem passeios ou até trilhos muito agradáveis, que têm por vezes oferta cultural paralela muito interessante… Nós esforçamo-nos por promover isso e integrar algumas atividades no nosso programa. Exemplo disso é a visita guiada ao Museu Bienal de Cerveira antes do concerto do Luís Bittencourt no dia 11 de novembro (visita às 17h30 e concerto às 18h30, no mesmo espaço) ou a caminhada pela Floresta Encantada da Miranda, que deixa o público no local do concerto de Krake nos Arcos de Valdevez, no último dia do festival (16 de novembro, da parte da manhã). Os horários dos concertos também não são muito intensos e seguidos, queremos que haja tempo para passear, comer bem e desfrutar do que estes territórios têm para oferecer. Para o fazer, o público só tem de ir com tempo. Para quem tem curiosidade em saber como se vive nestes territórios, gosta de música e de conhecer novas tendências na criação musical, porque não tirar umas férias em Novembro? Esta talvez seja a semana mais recomendável para o fazer — fica a sugestão.


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