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Publicado a: 23/10/2017

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[TEXTO] Diogo Santos

Estávamos em 2013 e por esta altura já os Ermo contavam com um EP e uma aparição numa compilação de música made in Braga. Vem Por Aqui, o disco de estreia editado e distribuído na/pela plataforma Nos Discos – na altura ainda era Optimus Discos – era uma onda a abanar a nossa jangada de pedra. Não dava para ficar indiferente a Vem Por Aqui. E sabem o que é que é melhor? É que hoje também não dá. Estes rapagões-jovens-adultos-desbocados construíram uma obra intemporal que deveria de ser hino desta geração desatenta. A capa, também intemporal, espelha grandes desbocados de outrora. Os Ermo do Vem Por Aqui foram heróis com um dos discos mais inspirados e inspiradores das últimas quatro décadas da música feita em Portugal. António Costa (não o tal que não sabe nem pedir desculpa aos miseráveis) e Bernardo Barbosa foram à batalha. Cabe, a todos nós, não perder a guerra.

O registo abre com “Eu Vi o Sol”, uma das mais soturnas destes trinta e poucos minutos de discurso. Para depois surgir o single “Correspondência”, uma das mais, vá lá, agridoces, deste grito meio punk na urgência e meio industrial-ambiente na forma. “Porquê”, exactamente a meio, emerge na altura perfeita para relembrar que isto é para causar desconforto, com os Ermo na sua viagem à boleia de José Afonso na carrinha dos porquês:

“Porquê é que queremos ser pequenos?
Porquê é que vemos sempre escuro?
Porquê é que a alma nos devora?
Porquê é que o tempo nos demora?”

Não sei se é, mas “Primavera” parece inspirar-se na electrónica de coração deitado nos sintetizadores, típica de Daily Misconceptions. É, por isto e pela bela interpretação, uma das mais bonitas de Vem Por Aqui. De seguida, as duas mais curtas do álbum, “Fronteira” e “Projéctil”. Exercícios agressivos à Mão Morta, claro, sobretudo a última.

Depois, para a indigestão, os quase cinco minutos de “Pangloss” são a síntese de Vem Por Aqui. Uma mensagem intemporal onde manda a palavra. Há aqui uma vontade intrínseca – diria, até, urgente – de ocupar o espaço meio diluído da música de intervenção. Há uma forma, quer de interpretação, quer da composição, que faz com estas canções ecoem nas caixas de ressonância dos inquietos e dos dormentes. Num álbum muito curto, o que o torna numa fantástica arma de arremesso para enfrentar os protestos que teremos pela frente, “Pangloss” é o último soco no estômago. Não é uma prova de aferição, é um atestado de demência:

“Cala-te e come
Tu não tens fome
És surdo e mudo
Orelhas de burro”

 


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O primeiro conteúdo da Semana dedicada aos Ermo (23 a 27 de Outubro) é a crítica ao seu álbum de estreia, Vem Por Aqui, lançado em 2013. 

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