[TEXTO] Alexandre Ribeiro [FOTOS] Tomba Lobos
Um álbum sem localização certa. Um erro no computador a distorcer a imagem e o som. Lo-fi Moda é, de certa forma, os dois factos anteriores combinados num único trabalho.
Os Ermo são de Braga, mas, se não os ouvíssemos com o sotaque tão carregado, poderíamos julgar que eram dos subúrbios de Lisboa, de uma qualquer cidade do Reino Unido ou de um bairro qualquer de Nova Iorque: é difícil colar-lhes um código postal específico. Depois de tomarem de assalto o panorama nacional com Vem por Aqui, belíssimo disco de estreia que trazia uma modernidade sónica que ainda é rara em Portugal, Bernardo Barbosa e António Costa decidiram renovar a imagem – neste caso, destruir – e levaram a produção e as letras para locais abstractos onde só existe uma certeza: a música é para ser explorada com a ideia que a pátria é só uma, o digital.
Num dia de grande calor, fomos até ao Linha D’Água, café localizado em Lisboa, para conversar com a dupla sobre o processo de reinvenção que os levou até Lo-fi Moda:
No Lo-Fi Moda parece que se perdeu um bocado aquela “Portugalidade” que estava tão ligada a vocês depois de lançarem o Vem por Aqui. Foi propositado?
[António] Foi propositado na medida em que a determinada altura achávamos que já não fazia sentido ser esse o tema que definia a banda. Nós no inicio do projecto decidimos que seria essa a cena que ligaria todos os discos. E é um bocado cruel para ti próprio definires isso aos 17 anos e teres que manter essa coisa. Portanto, foi natural e propositado ao mesmo tempo. Foi uma evolução.
Como é que sair em tour depois do primeiro disco influenciou a vossa música? Essas experiências definiram as linhas para a criação deste álbum?
[António] Sim, definitivamente. Lá fora, principalmente na experiência no Brasil, a cena de nos termos que apresentar ao vivo e criar uma primeira impressão foi, à partida, estranha. Na altura, levámos material novo que mais tarde decidimos não usar. Decidimos que para nos apresentarmos ao vivo teríamos que jogar um bocado com as nossas valências, que seria a identidade digital. Acabou por ser esse o grande tema do nosso disco.
Estava a ler a vossa entrevista com o Bruno Martins para a Antena 3 e vocês falavam numa inversão de papéis para este disco. Podem explicar?
[António] Se calhar seria a parte instrumental que precisaria mais dessa evolução, até porque a voz não há grande coisa a fazer acerca disso, a não ser evoluir nas letras. Sei lá, não vamos estudar poesia para fazer as novas letras. Portanto, passámos mais tempo na parte instrumental e, se calhar, esses papéis inverteram-se. O Bernardo também teve que encontrar mais valências nas letras e eu na produção.
Existe um conceito inerente ao disco e a capa é importante para isso. Quem é que fez o artwork?
[António & Bernardo] Rustan Söderling. É um animador 3D sueco.
Explicaram-lhe o conceito e ele teve liberdade para criar?
[António] Mostrámos-lhe o disco, dissemos o que nós queríamos com cada música e, basicamente, o tema geral do disco. A ideia dele foi deixar aquele moopie de publicidade que se vê por aí, deixá-lo vazio e, não sei se ele pensou nisso, mas a nossa ideia quando vimos a capa foi interpretar aquilo como uma publicidade vazia ou quando há um erro 404 na Internet e não consegues ver o que é que está ali.
É curioso que no YouTube parecem dois olhos…
[Bernardo] O conceito dele girava à volta da realidade virtual. Foi esse o conceito que ele nos apresentou. Curiosamente, essa era a primeira capa dele.
Porque é que não ficou?
[Bernardo] Nós queríamos uma coisa mais centrada. Acho que fomos nós que fizemos o caption da foto e dissemos: “E se fosse assim?”, e o gajo curtiu.
Vocês falaram, também em entrevista com a Antena 3, que ouvem várias coisas. Também é um hábito lerem para escrever as letras?
[António] Já não leio há uns anos.
Existem uma série de referências que me surgem na cabeça quando ouço o novo disco. Arca, Hudson Mohawke, Príncipe… O que é que andavam a ouvir durante a construção do disco?
[António] Por acaso, não consigo isolar uma referência. Isso é uma cena que nos sentimos sempre desconfortáveis em dizer, o “isto veio daqui”. Definitivamente temos bué referências e são cenas que estão presentes quando estamos a pensar. Por exemplo, a cena da Príncipe é quase impossível não estares aware.
[Bernardo] A cena que mais me bateu na altura acho que foi mesmo Oneohtrix [Point Never]. Ouvir a discografia toda, o R Plus Seven, tipo curti bué. Por acaso, Arca é uma cena que, apesar de estar um bocado na minha linha estética, já não chego lá.
As primeiras músicas foram estreadas na NTS Radio. Como é que aconteceu?
[António] Fomos nós que falámos com eles…
E tiveram logo a porta aberta?
[António] Não, por acaso a ideia era a rapariga do programa ajudar-nos a marcar uma tour no Reino Unido. E precisávamos de uma porta de promoção lá… Portanto, acabou por acontecer dessa maneira.
E foi logo…
[Bernardo] Foi logo. Nos dias a seguir ela queria estrear a cena e aconteceu…
Acham que vai ser mais fácil levar o Lo-fi Moda para fora de Portugal?
[António] Ainda não há nada marcado, mas já temos algumas ligações que fizemos lá fora e que demonstraram interesse em que voltemos lá. Mas acho que o disco por si só já é passível de ser interpretado lá fora. Se calhar quando íamos lá fora caímos mais naquele espectro de nos verem mais como uma banda de world music ou de interpretarem, “ya, é um gajo a cantar português e isto é exótico e eu curto ouvir a cena dele.” Agora é muito mais uma banda que está a apresentar um som novo.
Acham que já não existe essa ligação imediata com Portugal?
[António] Existe. Estamos a cantar em português, somos portugueses. Isso não dá para apagar.
[Bernardo] Mas já não existe o conteúdo regional. Já não é local.
[António] Já não estamos a pegar em: “Bota ter uns lives do Zeca Afonso aqui”, ou uma cena assim. É uma cena que já está patente e não é preciso ser propositadamente inserida.
O álbum saiu com o selo da NorteSul. Estavam à espera do convite?
[António] Não, por acaso…
[Bernardo] Foi estranho.
[António] Foi um bocado inesperado. O disco já estava feito há algum tempo. E a verdade é que andamos à procura de editora e…
Porquê?
[António] Esse é o ponto de partida, não é? Fazes um disco e queres uma editora. Não aconteceu: a ideia seria lançarmos em nome próprio, fazermos da TOSSE uma label, por exemplo. Essa era uma das opções, mas aconteceu desta maneira. Por acaso, a cena que acho mais piada nisto é o facto de sermos uma banda quase afirmadamente underground, mas bué de gente virar-nos as costas…
Viraram-vos as costas?
[António] Não nos viraram as costas, mas viraram-nos as costas.
[Bernardo] Houve algumas negas e foi bué inesperado depois encontrarmos o nosso sítio na NorteSul.
À partida seria um local esquisito para vocês…
[Bernardo] Não diria esquisito, mas acima de tudo, para nós, foi completamente inesperado. Na altura, nem eu nem ele estávamos sequer a colocar a hipótese de surgir essa possibilidade. Mas tem sido excelente.
Porque é que acham que existiram essas negas?
[António] Não sei. Pessoal que já tem as edições fechadas para o ano, pessoal que já tem uma esquisitice com Ermo também. É uma cena que acontece…
[Bernardo] As labels tugas têm uma identidade bué marcada e às vezes têm alguns problemas em sair da zona de conforto. E, apesar de tudo, ainda operam muito a nível regional.
E vocês ainda acham que são difíceis de localizar em termos sónicos? Em Portugal, não estou a ver um grupo a fazer algo semelhante ao que vocês estão a fazer…
[António] É difícil um gajo ser o primeiro a pôr o pé à frente.
[Bernardo] Neste momento, acho que não existe uma ligação óbvia para nós em termos de música alternativa portuguesa.
A vossa apresentação visual mudou. Como é que isso se vai reflectir no live act?
[António] Já não sou o frontman da banda no live set. Já não existe a posição do vocalista. São dois gajos, cada um atrás do seu PC e existe muito mais uma dimensão de espectáculo. Temos um espectáculo de luzes preparados, a cena das máscaras…
Porque é que só decidiram mudar agora?
[Bernardo] Acho que é a cereja no topo do bolo para a cisão que aconteceu com o passado, ’tás a ver? Também o facto de termos apagado aquilo que nós tínhamos nas redes sociais.
[António] Mostramos que é possível fazer isso.
[Bernardo] Existe um bocado essa ideia de renascimento. É quase como se fosse o nosso primeiro disco. Às vezes nós sentimos um bocado isso. Às vezes estamos a falar do que vem aí em conversas de café e dizemos “o segundo disco”. É engraçado, por isso sentimos um bocado isso. Acho que é um novo ponto de partida para nós.
Queria falar de uma citação concreta numa faixa do disco, “ctrl + C ctrl + V” . Como é que chegaram ao Criolo?
[António] Nós nem sequer ouvimos muito Criolo. A música intitula-se “ctrl + C ctrl + V”, e foi isso que nós fizemos: pegámos na cena dele, ficava bem e gamámos-lhe a música, de certa forma.
[Bernardo] Nessa tarde, ouvimos a música uma ou duas vezes e ficou na cabeça. Depois, quando estávamos a escrever a letra, acabou por surgir.
[António] Uma coisa é dizeres que “Não há amor em SP” – isso é uma cena. Outra coisa é dizeres que estás a ouvir a “Não existe amor em SP” ou seja, pegas no significado do conteúdo original e pegas no significado de estar a ouvi-la, a escrever a letra e as coisas misturam-se.