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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 09/04/2025

À conversa com o músico canadiano antes de Delights Of My Life ter palco no Teatro do Bairro Alto.

Eric Chenaux: “Estamos a falar de uma espécie de psicadelismo suave”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 09/04/2025

Estivemos em troca de ideias com Eric Chenaux, cantautor de Toronto que nos volta a visitar neste sábado, dia 12 de Abril, para um concerto no Teatro do Bairro Alto. Fica-se com a perspectiva de alguém delicado e dedicado a fazer da música um propósito vital onde se inclui essa “inocência e ousadia” que a sua música transporta.

Revela-nos o encanto pelo cinema português, fruto de uma relação que explora uma certa lembrança de Toronto nesta Lisboa. Foi através de Norberto Lobo que veio pela primeira vez tocar à cidade do Tejo e desde então que a visita de forma regular.

Nesta nova vinda à capital portuguesa, espera-se um espectáculo muito focado no seu último registo Delights Of My Life. O músico apresenta-se em formato trio, ao lado de Ryan Driver no Wurlitzer e Philippe Melanson na percussão electrónica, explorando as texturas inovadoras que marcam este disco. Um alinhamento em que se antevê um cruzamento com álbuns anteriores, como Say Laura (2022), feito de toadas jazzísticas, por vezes desconstruídas e reformuladas, numa experiência sonora hipnótica e envolvente.



Esta ideia que nos fomos habituando de catalogar a música em estilos torna-se de todo em todo mais fútil, desnecessária. Certamente estarás de acordo. Um dia Duke Ellington profetizava que as fronteiras musicais estariam cada vez mais esbatidas, e a tua música é uma contribuição preciosa nesse sentido. Como vês essa profecia?

É difícil dizer o que é necessário e o que não é. Ou o que é útil e o que não é. Parece que estamos preocupados com a utilidade, não é? Não tenho a certeza de que isso nos tenha conduzido ao caminho dourado. Embora possa não ser útil ou necessário, ou mesmo uma boa ideia, gosto de poder falar sobre música, sobre o que é específico de uma determinada experiência musical. Não necessariamente para categorizar, mas para falar ao lado da música, para falar e discutir e pensar ao lado da música. Tenho muito prazer em pensar sobre coisas de que gosto. Duke Ellington é certamente um homem pensativo e a sua música é maravilhosa. Tão alegre e estranha. A experiência de ouvir música, creio eu, contém elementos de indefinição — talvez sempre tenha contido. A desfocagem ou um encontro desfocado não é um encontro com falta de pormenor. Podemos dizer que é um bordado de pormenores, uma expansão e dilatação de pormenores. Suponho que posso estar a falar de psicadelismo. Parece-me correcto. Faço-o frequentemente.

Escutando o teu último registo sentimos uma abertura a novos desígnios da tua música, desde logo por ser em trio. Como foi isso de passares a ter que fazer música para ser tocada em trio? É um crescimento natural ou sentes que a música já não cabia só em ti, na tua dimensão instrumental individual?

É muito amável da tua parte e agradeço-te muito ouvir isso. Há tantos caminhos diferentes para falar sobre o que motivou a música do trio. Eu queria muito partilhar o tempo e o espaço com o Ryan e o Phil e a música é uma forma maravilhosa de o fazer. A minha música, ou a música que eu faço, tinha o desejo de se reconectar com Toronto e com alguma da música selvagem que é feita lá. Depois de tocar mais ou menos a solo durante tantos anos, penso que estava pronto para convidar as pessoas a participarem, a ouvirem coisas que eu não conheço, que não pretendo. Tentei, ou sempre me preocupei com essas noções, mesmo tocando a solo, e acho que era uma boa altura para expandir essas noções. A minha música tinha chegado a um ponto (bem, talvez não um ponto, talvez uma espécie de território) que era animado pela ideia de acolher a música de outros dentro dela. E bem, mais ainda, se me permitem, a Mariette e eu vivemos num ambiente encantador: uma velha quinta na França rural. É uma maneira de conseguir que alguns amigos venham cá é convidá-los a tocar música. Desejo, de facto, estar aberto a novas ideias, seja sozinho ou com outros.

Uma digressão mais, que te faz regressar a Portugal e prossegue em forma de trio. Como é a partilha com este delirante teclado Wurlitzer de Ryan Driver e o embalo de um final de tarde perfeito que se ouve dessa percurssão de Philippe Melanson?

Que bela pergunta e obrigado por ela. Por onde começarei a partilhar os meus pensamentos sobre a psicadelia suave destes dois seres adoráveis e das suas músicas? Este trio surgiu muito facilmente. Eu toco com o Ryan há mais de 25 anos (ou pelo menos há muito tempo). E o Ryan sempre fez parte da minha música. Ele esteve sempre presente, quer estivesse a tocar ou não. O Ryan é alguém em quem gosto de pensar. Acho que a minha música também pode concordar com isso. Ouvi o Phil pela primeira vez através da banda de Toronto Bernice, que gosto muito de ouvir. Quando o ouvi, lembrei-me num instante que o seu swing gaguejado, espaçoso e elegante seria maravilhoso para tocar. E sim, é mesmo. Gosto muito de passar tempo com o Phil.

Depois das primeiras datas seguirás para muitos palco a solo. Ficas a sentir a falta deles na tua música ou isso é devidamente compensado pela teu eu autoral?

Entre tocar neste trio e tocar a solo há muitas qualidades comuns. Quais são essas qualidades? Não tenho a certeza de saber exatamente, mas disse anteriormente que gosto de pensar sobre a música e as suas especificidades, por isso acho que devo tentar. Quando tocamos com outras pessoas, a música surge do espaço entre as diferentes vozes e, bem, imaginamos que esse espaço está sempre, ou mantém, algum tipo de movimento e fluxo e que permanece aberto a esse espaço. Podemos chamar-lhe improvisação, se quisermos. Eu chamo. Então, o que é que acontece quando se actua sozinho? Continuam a existir espaços intermédios? Onde está o outro? Como é que permanecemos e praticamos estar abertos a eles? Como é que actuar a solo é um acto social? Como é que ouvir música é uma actividade colectiva? Não creio que seja necessário responder a estas questões. As próprias questões parecem demasiado bem-humoradas para permanecerem indecisas. Podemos encontrar estas questões e ver como e o que elas nos fazem pensar e sentir. O que estas questões podem produzir é uma actividade de reflexão contínua.

A tua guitarra levada pela voz é uma melodia delicada e doce, mas em que se intromete em momentos de brincadeira e diversão o Wurlitzer, e puxa-nos para campos de gozo experimental onde permanece uma ideia de inocência e ousadia de mãos dadas. Devem divertir-se imenso a tocar e embalar ao mesmo tempo?

Parece-me adorável. Penso que quando dizemos “inocência e ousadia” estamos a falar de uma espécie de psicadelismo suave (e estamos definitivamente a falar do Wurlitzer do Ryan!). E por suave não quero dizer que é sempre literalmente suave, mas que é poroso, os ossos não endureceram, a pele respira e os ossos e músculos dobram-se. E estamos abertos ao encontro de coisas que não compreendemos, ou que não percebemos na sua totalidade. A nossa solidez e a nossa subjectividade estão num estado sustentado de descontrolo. E a música é um dos sítios maravilhosos onde podemos experimentar isto.

Neste disco podemos ouvir-te mais próximo de um som mais experimental, especialmente nas vozes de órgão. Isso é algo que vês conscientemente nas tuas composições?

Essa é uma pergunta muito boa. Eu penso muito na música. Não muito quando a estou a tocar, mas noutras alturas, quando estou a caminhar ou a cozinhar ou simplesmente a passear. E mesmo aí há um jogo entre algo a que podemos gostar de chamar consciente e algo que pode ter outros nomes ou não ter nome nenhum. Pode, à partida, parecer estranho, mas sempre que estou a pensar ou a falar, seja sobre o tempo, a comida, a arte, o cinema, a amizade, os mundos em que nos encontramos, as artes visuais, as coisas que lemos (livros, suponho), estou também sempre a falar do meu encontro com a minha prática musical. Os pensamentos são coisas selvagens e gostam muito de se modular e deslocar para uma multiplicidade de territórios, para que eles e nós possamos resistir a formas de ossificação compulsiva.

Vais tocar Delights Of My Life em grande parte do alinhamento? É isso que podemos esperar do teu concerto no Teatro do Bairro Alto? Alguma surpresa, mesmo sem puxar a que nos contes tudo, afinal o encanto dos palco vive dum quê de inesperado. 

Acredito que posso ser surpreendido e vamos tocar a maior parte, se não todas, as músicas do Delights Of My Life, bem como, talvez, algumas músicas de discos anteriores. A primeira vez que vim a Lisboa foi a convite do meu amigo e músico Norberto Lobo e, com o tempo, comecei a pensar que me faz lembrar, em muitos aspectos, as coisas que adoro nas várias particularidades artísticas de Toronto. Uma resistência selvagem à especialização que permite polinizações entre diferentes artes: música, literatura, cinema, poesia. Posso estar a falar de Norberto Lobo e dos mundos que ele me apresentou ali. Adoro o cinema português. Um cinema que vagueia psicadelicamente. Estou a pensar em João César Monteiro, Manoel de Oliveira, Maureen Fazendeiro, Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt, João Nicolau e Miguel Gomes (Aquele Querido Mês de Agosto é psicadelicamente feroz).


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