Ele, nascido sob o escaldante abraço do sol africano, onde as marés do Índico, eternas bailarinas, dançavam ao ritmo de uma infância breve e infinita. Paulo Furtado, um nome simples, frágil, destinado a ser eclipsado pela lenda que haveria de encarnar. O menino embalado por ventos que traziam histórias de terras distantes, sussurros de um mundo vasto e desconhecido. Dois anos contados em grãos de areia, e o útero africano despedia-se, transplantando-o para o ventre rugoso da velha Europa, onde as pedras de Viana do Castelo murmuravam segredos antigos, gravados nas suas pequenas pegadas. Coimbra, a cidade dos poetas, seria o próximo porto, onde o rio Mondego fluía como o tempo, serpenteando entre as pedras do saber e do fado, tecendo a trama invisível do seu destino. Lá, nos ecos das serenatas que se entrelaçavam com as sombras das capas negras, o jovem Paulo começaria a tecer a sua história, sem pressentir que um dia o mundo o conheceria por outro nome.
Era uma vez um tigre, uma fera indomável, que nas noites banhadas pela luz pálida da lua cheia, rugia não pela fome, mas pela ânsia de liberdade. The Legendary Tigerman, assim o chamariam, um nome que ressoava com a ferocidade do blues, o estrondo das guitarras, e o lamento solitário da harmónica. Paulo Furtado, esse, desaparecia nas notas graves, nas cordas dedilhadas, nos pedais que o transformavam numa orquestra de um só homem. Pele trocada por couro, olhos acesos pelo fogo do palco, ele deixava de ser homem para se tornar entidade, uma força solitária que ecoava pelos becos sombrios das cidades esquecidas, onde o jazz encontra o desespero e o rock ‘n’ roll dança com a redenção.
Nos anos 90, a vida deu-lhe o primeiro acorde. Tédio Boys, um grito primal, uma faísca que incendiava a juventude insatisfeita, uma banda onde o caos e a rebeldia eram as únicas leis. Coimbra era o terreno fértil, mas o mundo era o horizonte. Com o fim desse capítulo, a música não o abandonou. Como uma fénix renascendo das cinzas, Paulo ergueu-se com uma nova banda, Wraygunn, um novo som, uma nova missão. Mas o espírito indomável do Tigerman já espreitava por detrás das cortinas. Em 2002, o mundo ouviu o seu rugido solitário pela primeira vez. The Legendary Tigerman não era apenas um artista, era um trovador moderno, um contador de histórias que, sozinho em palco, guitarra nas mãos e coração na garganta, narrava contos de amor e perda, vida e morte, com cada nota que tocava.
Mas Paulo não era apenas músico, ele era um cosmos em expansão, onde cada estrela brilhava com mais do que blues e rock; havia a poesia da imagem, a magia do cinema. Nas bandas sonoras que compôs, nas canções que ofereceu ao grande ecrã, existia uma parte de sua alma, um eco das suas memórias, um fragmento de sua identidade. Os prémios Sophia, por duas vezes, repousaram em suas mãos como símbolos de um reconhecimento que transcende o tangível. Não era apenas música, era uma vida narrada em acordes, uma existência gravada em celulóide, um cometa que rasgava o céu noturno da arte.
2021 trouxe uma nova constelação ao seu firmamento criativo. Gus Van Sant, o cineasta que captura a melancolia da juventude perdida, escolheu-o como cúmplice na criação de Andy, um espetáculo que ressoava com a aura enigmática de Andy Warhol. Paulo, agora maestro de sons e silêncios, entrelaçava notas como pinceladas numa tela sonora, acompanhando as palavras e gestos de Van Sant. No Teatro Nacional D. Maria II e no Teatro das Figuras, Lisboa e Faro, respectivamente, testemunharam o encontro de titãs criativos, onde The Legendary Tigerman deixou uma marca que brilha como um diamante no vasto universo da arte.
E assim, de cidade em cidade, de palco em palco, The Legendary Tigerman continua a rugir, um som que não pode ser silenciado, uma alma que não pode ser domada. Paulo Furtado, o homem, o mito, o tigre, caminha entre nós carregando o peso da sua história, o fogo do seu génio, e a certeza de que, no fundo, todos somos estrelas solitárias, à deriva no cosmos, à procura de uma melodia que nos defina.
[Estrelas Caídas e Pecados de Seda: O Tango Cósmico em Tons de Vermelho que é “Good Girl”]
[Input #01]
Entre as sombras trémulas do desejo e a luz ambígua da redenção, “Good Girl” desenrola-se como uma tapeçaria de intenções ocultas, um sussurro abafado no corredor escuro da mente. O tigre e a musa dançam um tango sem fronteiras, onde a pureza é questionada e a bondade se veste com o manto da dúvida. Paulo Furtado, o Tigerman, invoca a tempestade silenciosa do coração humano, enquanto Asia Argento, a esfinge moderna convidada para este tema, murmura verdades disfarçadas, envoltas em véus de mentiras suaves.
[Input #02]
O coração de um homem bom bate no ritmo de uma bateria lenta, sincopada, cada batida uma promessa de redenção, uma busca pela absolvição nas ruas poeirentas do blues. “In my heart, I’m a good man,” ele confessa, como quem confessa um pecado já esquecido, uma virtude mal compreendida. As palavras ecoam na escuridão, e ele pede tempo, pede um pouco mais de paciência, como se o amor fosse uma velha locomotiva que precisa de carvão e calor para se mover. “I’ll take you on a private ride,” promete ele, como um guia num parque de diversões que já viu dias melhores, onde o prazer é uma montanha-russa enferrujada, mas ainda assim capaz de oferecer vertigem.
[Input #03]
Argento, a contrapartida, uma voz que desliza como seda, enganosamente suave, oferece uma verdade mais crua: “You think that I’m a bad girl, but I’ll take good care of you.” A dualidade da alma feminina se revela — a pureza dos corações não se mede pela ausência de pecado, mas pela intensidade do desejo. A “good girl” desdobra-se em múltiplas camadas de sedução e promessa, onde o “bite” é tanto uma mordida de paixão quanto uma ferida que nunca cicatriza. É a força de uma mulher que sabe o que quer, e quer tudo, quer o caos e a entrega, quer o controle e a submissão, uma figura que ora se ergue como deusa, ora se ajoelha como amante.
[Input #04]
O vídeo, realizado por Mariana Gaivão, é um poema visual em colagem, onde o real e o surreal se encontram em uma dança psicadélica. Imagens fixas, corpos tatuados como mapas de histórias não contadas, entrelaçam-se num mosaico de cor e caos, uma tempestade de sentidos que reflete a própria música. É como se cada still fosse uma janela para uma dimensão paralela, onde a pele e a tinta se tornam a tela de um universo em constante mutação. Há uma sensação de suspensão no tempo, como se cada frame fosse uma lembrança cristalizada, uma memória de uma paixão vivida em um sonho febril.
[Input #05]
No caos das imagens, há uma ordem implícita, uma narrativa fragmentada que se constrói nas entrelinhas, nos olhares fugazes, nos toques suaves que falam mais que mil palavras. É a representação do desejo como uma força cósmica, incontrolável e inevitável, que puxa os amantes como estrelas caindo em direção a um buraco negro de emoção. A cor, sempre vibrante, nunca estática, sugere uma vida que pulsa com intensidade, onde cada momento é vivido no limite, onde a pureza dos corações não é uma questão de inocência, mas de entrega total ao abismo do amor.
[Final Output]
“Good Girl” não é apenas uma canção; é um conto moderno, um poema em prosa onde a música e a imagem se entrelaçam para criar uma experiência sensorial completa. É um convite para explorar o lado obscuro da alma humana, onde o amor e o desejo se encontram e se fundem, onde a pureza e a corrupção dançam numa espiral interminável, até que, no final, não reste nada além do silêncio e do eco de um grito sufocado.