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Publicado a: 06/09/2018

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[TEXTO] Moisés Regalado

Se é verdade que a relevância dos rappers se mede pela qualidade do seu último trabalho, a regra parece não se aplicar a todos. A discografia de Eminem está recheada de maus discos — nenhum clássico desde Eminem Show –, péssimas decisões ou experiências que correram mal, e nada disso parece ser suficiente para o afastar do Olimpo (o pódio parece ser demasiado pequeno para aqueles que o consideram um verdadeiro “rap god”). O mito de Eminem como melhor MC de sempre não é uma constatação recente e sustenta-se na opinião de milhares ou milhões de ouvintes, sobretudo jovens nascidos ou crescidos nos anos dourados da década de 90. O fenómeno é compreensível mas Em não é, muito provavelmente, e independentemente dos parâmetros de avaliação utilizados, o verdadeiro e derradeiro G.O.A.T., mesmo que seja impossível encontrar um só nome capaz de ocupar esse posto.

O melhor de sempre nunca dedicaria tanto do seu tempo a tão fracos ataques como os de Kamikaze. O “pick a name” sugerido por Eminem não é uma táctica de guerra que se preze. Nem emular o flow dos supostos adversários. A batalha e o confronto são, como se sabe, saudáveis para que o hip hop se continue a desenvolver, só que as caricaturas de Kamikaze soam como paródias próprias de um jovem à procura da melhor direcção, comercial e artística — tal como aqueles que optou por criticar. O rapper diz e reforça que não odeia trap e essa é uma declaração própria de quem tem algo a esclarecer, contra a corrente ou a favor do estilo, só que Marshall Mathers não tem nada a provar e chega a ser estranho vê-lo nesse papel, principalmente quando dirige grande parte da sua raiva a camaradas que já foram fãs e que sempre o idolatraram sem questionar, contribuindo para o mito de que Eminem é o melhor da história.

Por muito que Slim Shady queira, Drake e Quavo não são iguais a Britney Spears e Jessica Simpson, alvos de outros tempos. Percebe-se que Eminem os considere “farinha do mesmo saco” (quem nunca?) mas a comparação, além de injusta, é desajustada. Os MCs por si citados — ou visados — são verdadeiras estrelas da pop, é certo, só que aquilo que os aproxima do autor de Kamikaze continua a ser infinitamente mais relevante do que qualquer ponto de cisão. Apesar de provocações como “Lil Pump, Lil Xan imitate Lil Wayne” não serem necessariamente mentira, continua a haver algo de cultural na homenagem que, aos olhos do veterano de Detroit, não passa de uma imitação, e convém não esquecer que, antes da fama sorrir a Wayne, houve nomes como Lil Dap (Group Home), Lil Fame (M.O.P.) ou Lil Kim a fazer história.

Se é (mesmo) verdade que a relevância dos rappers se mede pela qualidade do seu último trabalho, Eminem é um paradoxo, provando que a soma de vários valores negativos pode originar um resultado positivo. Os pontos fracos de Kamikaze acabam por ser benéficos para o rapper e por fazer deste o seu melhor álbum desde Encore, isto é: ao parodiar a sonoridade de quem tenta atingir, Eminem viu-se obrigado a fugir da sua entediante zona de conforto e a substituir a sonoridade plástica que sempre preservou teimosamente. As produções de Tay Keith ou Mike Will Made-It têm tanto de irónico como de sério (não devem ter saído baratas…), mas funcionam melhor do que a última década de projectos medíocres ou medianos, com ou sem Dr. Dre. a acompanhá-lo. Participações como a de Joyner Lucas servem para provar que o trap também tem rappers “a sério” e obrigam Eminem a melhorar o seu jogo de cintura.

Temas como “Lucky You” representam aquilo que o rapper e produtor já devia ter feito há mais tempo. Apesar do instrumental corresponder aos paradigmas da produção mainstream, as notas tocadas por Boi-1da transformam toda a atmosfera num momento digno das rimas de Slim Shady, Marshall Mathers ou Eminem. “Normal” e “Stepping Stone” fogem à matriz do projecto e funcionam como autênticos iscos para quem procura repetir experiências passadas — a sonoridade não é a mesma do início do milénio, já a sinceridade do discurso continua intacta. Em “Normal”, num claro sinal de que a evolução é sempre o melhor caminho, Em aproxima-se do registo de Chance The Rapper, chegando a fazer lembrar a sua participação no disco de Action Bronson, apesar de não haver paralelo entre a agressividade dos dois discursos.

Eminem talvez não seja o melhor de sempre. E talvez seja impossível atribuir esse título a quem quer que seja. O autor de Kamikaze é o mais completo MC que já pegou num microfone. Não é o melhor do mundo, da história ou de sempre a desenvolver fast flows, a elaborar histórias complexas ou a escrever punchlines, mas é, seguramente, um dos melhores em cada um desses aspectos — bem como em tantos outros. Em pleno 2018, apesar de não ser o melhor rapper do planeta na hora de assumir a estética do trap, é um dos mais capacitados para desempenhar a tarefa e, agora que reuniu novas ferramentas, provando-se capaz de as utilizar, basta que Eminem lhes volte a dar uso, sem birras, para que o seu nome volte a integrar qualquer discussão, sem direito a mas nem porquês.

 


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