Digital

ELIOT & LAWLESS

AVESSO

Edição de autor / 2023

Texto de Gonçalo Oliveira

Publicado a: 11/12/2023

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O que fazemos numa madrugada em Lisboa quando as ruas se encontram vazias e todos os espaços estão fechados é única e exclusivamente da nossa conta. Não importa se temos encontro marcado com a alegria, a euforia, a desilusão ou a depressão; se estamos completamente lúcidos, com “moca” de sono ou com a psique adulterada pelo(s) consumo(s) de alguma(s) substância(s). Ninguém julga porque também não há ninguém a ver. Estamos sós, entregues às nossas acções e pensamentos. E é precisamente nesses momentos que, por vezes, os melhores raciocínios se manifestam pela massa cinzenta, cabendo-nos a nós decidir se queremos guardar aqueles frames como memórias íntimas e pessoais ou eternizá-los em algo mais palpável num qualquer pedaço de arte acessível a mais pessoas.

No seu novo EP, ELIOT parece estar a cambalear no decorrer de uma dessas noites e a melhor solução que encontrou foi virar a cabeça do AVESSO, deixando todas as suas ideias a descoberto para quem passa no exterior. A servir de medium entre a sua cascata de emoções e os nossos ouvidos está LAWLESS, produtor que ainda há um par de meses tinha dedicado um disco à LUA, ela que muitas das vezes é a única a ver “quando andamos no escuro e achamos que ninguém repara.” Uma escolha, por isso, mais do que pertinente para assegurar estas batidas, ainda para mais quando falamos num artesão sónico eclético, que se tem desdobrado por entre o hip hop lo-fi e o techno de cariz jazzístico ao estilo de Detroit. Em AVESSO, assume uma estética que orbita em torno da cena bass e a observa sob diferentes perspectivas, mostrando um alargado leque de cadências que permitem a ELIOT uma agradável variedade aos níveis da abordagem, flow e entrega que pautam cada tema.

Com Atlântico (2020) e Dias Depois (2021) editados na presente década, o rapper mostra agora uma nova face ao envergar por caminhos mais próximos do trap subterrâneo e com acrescidas doses de insanidade, não fosse ele o guardador das chaves que trancam a porta do Clube dos Poetas Loucos. Tudo começa no duplo sentido de “Voltas Ao Mundo”, uma reflexão que tanto encaixa no acto de percorrer o globo como no ausentar-se deste plano por instantes enquanto manobras de fuga à realidade. Segue-se o banger “V”, que faz os neurónios vibrarem ao sabor de um novo e exótico estupefaciente — daqueles que “o teu plug nem te avisa” caso não sejas cliente premium — que bate a meio de uma viagem a alta velocidade pela A5. “Conselhos D’um Louco” fala-nos das experiências agridoces que a noite traz, “Piromania” acende a chama do rap movido a rotinas de kaya com Farrusco como chapa dux, enquanto que “O Outro Lado” mostra-nos ELIOT em modo de redenção com Jeezas a soprar lágrimas adicionais pela via do saxofone.

No total, são 8 generosas faixas que atingem os 26 minutos de duração, timing perfeito para uma sessão de inalação de fumos e com direito a oscilações de humor numa experiência controlada que não conduz ao descarrilamento emocional de quem os escuta. Se há coisa que AVESSO deixa marcada no ouvinte é que ELIOT continua um MC diferenciado e camaleónico, capaz de transformar insónias em experiências musicais que desafiam os standards do hip hop nacional, e que LAWLESS é um beatmaker com capacidades para lançar boas cartadas para cima da mesa do underground, com as paisagens sombrias que assina neste EP a deixarem-nos expectantes para o que nos poderá trazer ao longo do novo ano que se avizinha.


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