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Fotografia: Renato Pinto
Publicado a: 07/05/2025

O poder feminino no jazz, entre ontem e agora.

Elas e o Jazz com a Big Band da Nazaré no Jazz Valado’25: (en)cantam as Andrews Sisters

Fotografia: Renato Pinto
Publicado a: 07/05/2025

A ideia do jazz no feminino não é de hoje, nem dum agora é preciso, ainda assim continua a ter um lugar de palco e afirmação (bem) aquém do necessário. Ainda há tanto que desempoeirar em feudos que julgam ter a guarda desta música… Torna-se medida mais justa, no equilíbrio das forças, estabelecer padrões de representatividade, de uma paridade, que se espera um dia ser absolutamente natural. Haverá sempre a razão do mérito, de haver palco pela musicalidade, pela justeza do saber tocar e cantar. Mas não terá sido sempre assim? E veja-se no que (não) deu. 

O programa desta que é já a 28ª edição do festival mais local-transversal  — o Jazz Valado — é um exemplo no que à paridade entre homens e mulheres diz respeito na programação. Dos nomes trazidos a cartaz, 5 dos 10 concertos têm predominância no feminino. Um programa que preenche os fins de semana entre a localidade de Valado dos Frades e a vila da Nazaré. O mentor e agitador cultural Adelino Mota conta ao ReB isso mesmo, pleno de propósito e afirmação. Afinal isto é muito pensado por si, desde esse longínquo ano de 1986 quando, ainda de forma esporádica, começava a inscrever o Valado na rota de novos palcos do Jazz em Portugal. Mas desde 1998 que, ininterruptamente, acontece este festival, consolidado na crença de que assim se formam novos públicos e músicos. Boa parte daqueles que hoje compõem a Big Band da Nazaré — formação alargada de que Mota é maestro — foram assistindo aos concertos desde os tempos de aprendizagem. Outros ainda transitaram da (escola) Orquestra Juvenil da Junta de Freguesia do Valado, que fez o primeiro palco da presente edição no 1.º de Maio como Dixie Gang. 

Chegado o primeiro concerto da extensão do festival à Nazaré, há lugar de palco numa junção há muito desejada por Mota. Elas e o Jazz, como trio vocal de Marta Hugon, Joana Machado e Mariana Norton a cantar o repertório herdado de outras três vozes de outrora e marcantes de uma época —  as Andrews Sisters. A contralto LaVerne Andrews, a soprano Maxene Anglyn, e a mezzo-soprano Patricia Marie, imprimiram uma época fulgurante na América, entre o swing e o boogie-woogie, irmãs e líderes de um espírito de entretenimento e harmonia vocal. Tornando-se o grupo vocal feminino mais emblemático e conhecido do século passado, entre 1925-67, entre um certo pop-jazz, foram mesmo uma das primeiras girl band da história. 

O concerto retoma esse espírito da afirmação feminina e de entretinimento, assente nas partituras e arranjos trazido directamente das pautas das Andrews Sisters. Assenta-lhes que nem uma luva, incorporam em absoluto o espirito, Elas e o Jazz, onde a Big Band toca à medida. Refere precisamente Joana, na (re)afirmação feminina, concerto adiante, que estão elas e mais mulheres em palco: “Raquel Silva nos saxofones, Margarida Louro e Andreia Marques em trompetes. E o resto, são tudo homens!” É um facto, assim como uma Big Band ser um conjunto referido no feminino — uma banda. Em grande instrumentação, baixo, bateria, guitarra e piano junto aos 3 naipes de metais: 5 saxofones, entre altos, tenores e barítono; 4 trombones; 4 trompetes. 

Tudo começa com um tema de Ray Charles, feito instrumental — “Let The Good Times Roll”. Certeiro no modo e no título. Não tardariam a juntar-se em palco as três vozes e quando anunciam o que se seguiria com “In The Mood”, todas, além delas, na plateia do Cineteatro cantam: “In the mood / That’s it, I got it / In the mood / Your ear will spot it / In the mood / Oh what a hot hit” — flagrante deleite. Este é um clássico intemporal e não importa que tenham passado mais de 70 anos desde a sua criação. Tal como quando fazem alinhar “Shoo Shoo Baby”, tema muito celebrado pelas Andrews Sisters na ida para a 2.ª Guerra das tropas americanas. As Andrews foram muito instrumentalizadas, arribavam a moral das tropas, dos rapazes no exército. Há esse lado que a história não faz esquecer. Depois houve um outro tema, muito celebrizado mais por perto, na voz de Carmen Miranda em versão aportuguesada, ouvido “Tico Tico”.

A viagem que segue neste palco, por agora, é para os lados das Antilhas, para se beber ao som preciso de “Rum and Coca Cola”. Sim, se um bar fosse, haveria de se pedir uma Cuba Libre. Ouviu-se mesmo alguém antes do concerto começar a pedir (em desejo) um copo a uma assistente de sala. Era, afinal, um concerto de jazz, num certo espírito de fruição conjunta: bebida e música — eterna harmonização perfeita. 

Elas e o Jazz sabiam que havia um sopro de palheta tenor que tinha voz canora por vir, e foi o momento de passarem a ser coro e segundas vozes. João Heliodoro, saxofonista, deixou mais empobrecido o naipe da frente dos metais para enriquecer (e bem) cantando tema adiante. Ele que estava na noite em que celebrava 10 anos quando se estreara na tal Orquestra Juvenil do Valado, mostrando que a progressão pode bem ser assim, natural. E esta junção prossegue em funções para uma balada de amor, em que brilham os metais nas vozes depuradas nos trombones. Mas foi com “Boogie Woogie”, tema de consenso quando considerado como a primeira composição de rhythm and blues, que se elevaram os presentes. 

Ainda voltaram depois desse muito celebrado final para fechar em definitivo com “Hold Tight, Hold Tight”, que as Sisters celebrizaram junto da banda de Jimmy Dorsey, tema composto por Sidney Bechet em 1938. Volvidos mais de 80 anos, outras e outros devolveram a glorificação da música assim tornada intemporal. Contudo, já a salvo do que esses idos anos continham de justiças sociais por alcançar. Mas ouvindo a “mesma” música nestes tempos onde ainda o jazz no feminino se apresenta como aquém de um conquista definitiva. Parece uma heresia, assim retomando um certo pedaço da história da música como contraponto — aclarem-se.

Este programa do Jazz no Valado prossegue já no dia 10 de Maio, ainda no Cineteatro da Nazaré, com a estreia nacional da muito celebrada trompetista francesa Airelle Besson em quarteto. Outras formações no feminino se juntarão ao programa (entre outras propostas), a ter lugar na Biblioteca de Instrução e Recreio (Valado dos Frades). Para ouvir e dar conta estarão os quintetos da pianista Clara Lacerda (dia 23) e da baterista Maria Carvalho (dia 24), sempre às 22h00. 

Elas (e o Jazz) e eles e elas (Big Band) estão em modo de estreia, muito entrosados para seguir viagem. Elas e o Jazz com a Big Band da Nazaré vão andar por perto: no dia 27 de Junho tomam o Teatro Tivoli BBVA, o que será a extensão deste Jazz no Valado a Lisboa. Seguir-se-ão outras datas em festivais de jazz, como na Guarda e em Tavira.


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