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Publicado a: 10/07/2016

EIDA: “O rap não é só rimas. É a forma como tu expressas o teu sentimento para com as pessoas.”

Publicado a: 10/07/2016

[FOTO] Direitos Reservados / Helder White [TEXTO] Gonçalo Oliveira

EIDA é um dos membros mais recentes da FamilliBizno, embora o seu mais recente trabalho – Vida e Rap – tenha sido editado pela LS2207. Para alguns, o alter-ego de Edson Trindade pode passar despercebido. A verdade é que o rapper carrega mais de 15 anos de hip hop no seu currículo e cruzou-se em mixtapes com nomes como NGA ou Regula. A propósito do seu último álbum, o Rimas e Batidas esteve à conversa com o MC para desvendar alguns dos pormenores que podemos ouvir neste disco.

 


Surgiste este ano com um projecto ambicioso, mas o nome EIDA já vem de há bastantes anos atrás. Com este álbum, Vida e Rap, vemos que tens uma relação muito próxima com o hip hop e que esse sentimento não vem de agora. Quando é que se deu aquele click para adoptares o nome EIDA e te afirmares enquanto MC?

O EIDA vem desde Rio de Mouro, desde o principio. Basicamente, desde que eu cheguei a Portugal, criámos uma crew no Rio de Mouro: Paz LRM. Foi aí que criei este alter-ego, EIDA. Peguei em cada primeira letra do meu nome e fiz uma brincadeira. Antes, era até chamado de EIDA B. Depois, na altura, o NGA deu a sugestão de tirar o ‘B’ e ficar só EIDA. Eu acabei por tirar o ‘B’ e assim ficou. Isto vem desde Angola. Em quando vim de Angola já gostava de rap e quando cheguei cá comecei a fazer rap através das influências que já tinha na altura. Comecei a executar e vivi numa geração boa do rap. Havia álbuns bons de pessoal como o Boss AC, Black Company, Chullage, Sam The Kid… Nessa altura eu já rimava, mas eles, naquele nível em que se encontravam, acabaram por me influenciar também a mim-Bebi da água deles. Conheço-os quase todos pessoalmente. O EIDA vem daí, é um warrior do hip hop tuga, you know? Fui fazendo sons e participações até chegar a um nível de skill. Senti que era capaz de levar o hip hop para outro patamar. Ganhei aquela confiança, aquela entrega, aquela segurança… Porque o rap não é só rimas. É a forma como tu expressas o teu sentimento para com as pessoas. Para elas ouvirem e se identificarem.

Tu chegas a Portugal com 16 anos, vindo de Angola, como referiste. É logo nessa altura que começas a estabelecer uma posição no hip hop ou já gravavas músicas ainda em Angola?

Em Angola não. Aos 17 anos começámos [com o grupo Paz LRM] a gravar em cassetes. Demos e assim. Gravávamos com microfones para testar a qualidade. Mais ou menos em 2000, por aí, nós comprámos uma mesa de 8 pistas. Investimos algum dinheiro e fizemos o nosso projecto: Monta o Jogo. Na altura tínhamos esse projecto à venda na Kingsize, nós somos desse tempo. Isso tudo fez de mim aquilo que eu hoje sou. Não só como MC mas como homem, também.

Agora, com cerca de 15 anos de escola, como surge o teu mais recente álbum? Porquê Vida e Rap?

Esse nome é por causa do meu filho. Quando eu tive um filho eu disse para mim mesmo “nah, eu tenho de fazer uma cena a sério, eu preciso de cuidar do meu filho.” Família em primeiro lugar, e eu gosto de rap, claro. ‘Vida’ é isso: a família. E depois vem o ‘Rap’, que é aquilo que mantém a minha dignidade. Faz-me sentir livre. Eu, por várias razões, senti que era complicado fazer isto. Eu sou exigente comigo mesmo. Ou faço uma boa coisa ou não faço, e assim será sempre. Tens de investir numa coisa e eu precisava de investir noutras coisas da minha vida. Ainda assim, eu tinha dicas a sair que me deixavam tipo “what the fuck man?”, o mundo tem de ouvir isso! É ai que se enquadra o Vida e Rap: é a família e o rap. Eu preciso dessas duas coisas. Estão muito ligadas uma à outra naquilo que eu rimo. Falo muito sobre a vida, coisas importantes. Eu tenho temas fortes…

Temas fortes e, de certa forma, para todos os gostos. No teu álbum tanto podemos encontrar um som de festa como de amor, introspecção, intervenção… Tens um bocado de tudo. Era uma ideia tua planear o álbum para ser assim tão versátil ou foi algo que te surgiu enquanto estavas em estúdio?

Eu tenho maturidade para dizer que não foi ao calhas. Eu tinha planeado aquilo, são tudo partes da minha vida. Eu não acredito que nenhum ser humano não tenha os seus bons momentos. Quando se diz que o Sol brilha para todos eu não acredito que um homem de 33 anos não tenha também os seus momentos felizes. Eu vivo no gueto mas nós temos festas… Por exemplo, na música “Conviver”, que é uma faixa de muito boa vibe, muita gente tem mandado mensagens porque gostam muito da mensagem que transmite e até acham que devia ter um videoclipe. Aquilo é bom feeling. Ao mesmo tempo estou a sair do cativo, consigo transmitir e trazer algo que eu possa dizer que é novo. E tem muitos capítulos da minha vida que eu tentei tipo, cobrir com poesias, porque tem  muito para falar a sério. Essa versatilidade que tu falas eu sempre tive presente nos meus trabalhos. Desde que me conheço que procuro ter o controlo daquilo que eu quero fazer. Tento passar várias perspectivas, mas tudo aquilo que pelo que eu passo, vejo e sinto faz de mim o EIDA.

 



E, para ti, qual é o ponto mais forte deste trabalho? Tens alguma mensagem que gostavas que todos os teus ouvintes decifrassem e absorvessem?

Claro que há músicas que nós fazemos para chamar mais atenção. Eu criei músicas, criei singles, que eu digo “eu faria um vídeo com isso.” Mas, pessoalmente, eu tenho músicas fortes que eu próprio tenho noção e as pessoas falam comigo sobre isso como ‘vosso réu’. Tenho a “112”, “Fel”, “Dá Amor”. São tudo temas que têm tido impacto. Toquei duas vezes ao vivo o “Sai do Chão” e foi espectáculo. Gosto muito dos beats boom bap, aquela New York shit, you know? Mas eu gosto de sair da minha zona de conforto. Eu gosto de trap, que nem é muito a minha praia, eu tenho alguns sons assim. Gosto do desafio. Temos de acompanhar os tempos. Óbvio que tenho de me sentir bem com aquilo que estou a fazer, mas não vais ver muitos traps nos meus álbuns. Embora tenhas lá sempre muitas cenas crazy.

Logo na abertura do álbum, damos de caras com “A Rima”. O que é, para ti, ter a rima?

É ter a alma, man. Ser resistente. Independentemente de teres uma crew, tás ali tu, a solo ou acompanhado. Isso é ter a rima.

Isso é algo que adquiriste com a tua experiência?

Sim, sim. “A Rima” tem muitas punchlines e metáforas. Toda a gente que tem comprado o álbum me vem dizer que gosta porque, basicamente, me estou a cagar para os outros rappers. Não quer dizer que não haja uma ou outra referência para alguém, mas nada que faça disso destaque do disco. O que marca são os capítulos da minha vida. Fiz os temas de forma futurista, intemporal. Falei muito do meu gueto. Aliás, a própria música “Ghetto” é muito forte. Moro na Apelação, no bairro Quinta da Fonte. Há muito convívio diariamente com jovens, a minha comunidade. Preocupei-me em fazer daquilo um alerta e mostrar para toda a gente que aquilo não é só dali. Passa-se em todos os guetos. Para nós, como comunidade, a mudança antes de acontecer por fora tem de começar em nós mesmos. É um dos momentos altos do álbum. Eu até tenho uma linha em que digo “a vida é bela, o Nelson pintou o Mandela.” Isso é para o Nelson Tavares, um amigo meu lá do bairro que por acaso já não mora lá mas vive perto e está sempre por lá. Quando o Nelson Mandela faleceu ele pintou um retrato dele que depois até apareceu na Sic Noticias. E juntou-lhe uma frase que é “se aprendemos a odiar, podemos aprender a amar.” São coisa que, para quem é do bairro, são muito fortes. “O Nelson pintou o Mandela” é daquelas metáforas… São muitas coisas da minha vida presentes no álbum. Independentemente de eu amanhã deixar de viver em Portugal, ou fora da Apelação, foram versos que eu escrevi com muita consciência. A única excepção é o “Fel”, que até é uma das faixas mais fortes, que escrevi quase de freestyle para poder fechar o álbum. O projecto demorou quase 3 anos no total a ser concebido, até chegar às ruas.

No tema que referiste à bocado, o “Ghetto”, tens um refrão onde dizes que tens a vida no gueto. É esse espirito que se vive no gueto de entre-ajuda, vizinhança, comunidade e, até de festa como falaste, que mais te ajudou a definir enquanto pessoa e MC?

Por acaso não. Eu digo que “tenho a vida no gueto” no sentido de viver lá e ter muita da minha família a viver lá. Embora o que dizes também seja verdade. Nas grandes cidades, se tu reparares, há pessoas que nem se cumprimentam. Nós, na Quinta da Fonte, vivemos um bocado longe de Lisboa, por exemplo. Nem sequer há grandes acessos para lá. É quase uma prisão. Mas isso faz-nos criar ainda mais laços entre nós, cria um maior espirito de comunidade. Posso ir pedir algo a um amigo ou a um vizinho. Somos uma comunidade, tanto de africanos como de portugueses ou ciganos. O gueto tem muito disso. Também refiro nessa faixa que [onde vivo] é “onde o bus para o hospital acaba às nove.” Por acaso trabalhei neste hospital, por isso é que o álbum é Vida e Rap. Sempre trabalhei, fiz as minhas cenas. Não sou desses gajos iludidos. Agora sim, tenho um bom projecto aí nas ruas e espero que consiga chegar mais longe.

Neste momento constas com dois videoclipes. Tens planos para mais algum que promova o Vida e Rap?

Sim mas ainda não escolhi o tema. Mas certamente que haverá pelo menos mais um single com video.

E concertos, já começaste a promover o álbum pelo país? Estás a divulgar o teu álbum na internet e na Fnac. Quais são os teus próximos passos?

Eu estou a trabalhar com a LS2207, estou também com a Famillibizno. Em breve estarei com o SP em palco, nos concertos para tocarmos os dois juntos. Farei, também, algumas apresentações na Fnac. Estou a fazer com que o álbum chegue às pessoas. A dar tempo. As pessoas precisam de ouvir. Por mais que façamos as coisas à nossa vontade nem sempre corre tudo no tempo que queremos. Mas tenho ensaiado com a minha equipa e vamos continuar a promover o trabalho.


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Como surgiu esse convite para fazeres parte de uma das famílias mais importantes do hip hop actual que é a FamilliBizno?

Eu conheço o SP à muito tempo. Ambos morámos em Rio de Mouro. Faltava masterizar o meu álbum e eu já não o via à algum tempo, até porque ele se mudou, e falámos pela net. Aconteceu tudo naturalmente porque já somos família à muitos anos. É simples. Não é roubado, é conquistado. Vêm coisas boas no futuro, mas agora o que interessa é Vida e Rap, o álbum mais consistente de 2016. Vou dar os meus parabéns a quem, até Dezembro, superar o conteúdo e a entrega que tenho neste disco. Não é por ser meu, mas é muito forte. A dicção, a entrega, os beats. Tenho crianças a cantar no “Dá Amor”, acaba por ter também uma parte educativa mostrar aos mais novos como se faz. Ainda não falei no “Parceria”. Esse é um som para as senhoras. Mas não é para as mulheres no geral, é só para as senhoras mesmo. São ideias e ideais que eu tenho para com uma próxima relação. Essa música é para a minha futura esposa! Podes mesmo deixar isso na entrevista! (risos)

Este é um trabalho que, como tu próprio desvendaste, te deu bastante trabalho. É o fruto de 3 anos de investimento. Independentemente disso já tens planos para futuros projectos? Até mesmo pela tua entrada na FamilliBizno. Vão haver por ai colaborações?

Estamos a trabalhar nisso. E até acredito que vamos trabalhar mesmo todos juntos. Estamos todos ligados. É um grupo com grandes ideias. E quero frisar que o SP é o maior artista com quem já trabalhei. Ele elogia-me e é bom trabalhar com gente que tem skills quando tu também os tens. E outros manos também, claro. O DJ Kronic também foi muito importante. Foram as duas pessoas que mais enriqueceram o meu álbum. Mais o Kronic, claro, que foi quem acompanhou todas as gravações e misturou.

E para os teus ouvintes, o que tens para lhes dizer nesta fase de Vida e Rap?

Quero agradecer, desde já, os likes e tudo mais. Quem me tem seguido. Fiz dois concertos com a Famillibizno e os fãs tiveram presentes. Acompanharam e aproximaram-se. Espero que continuem a dar apoio porque vêm ai muitas surpresas, coisas boas. Vamos colocar o Vida e Rap ao vivo. Um dos niggas mais crazies em palco! Vou dar-vos energia.

 


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