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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/08/2023

Saudações a uma nova editora.

Edições da Ruína: “A forma de contornar as dificuldades será continuar a fazer”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/08/2023

O aparecimento de uma nova editora é momento para se saudar. Sem necessidade de ser um profundo conhecedor do meio, mas para tal socorrendo-nos de observações fugazes, facilmente se constata a crónica dificuldade para quem decide construir uma editora de raiz. As económicas, geralmente na primeira linha, mas também de divulgação do respectivo trabalho e disponibilidade de tempo, num contexto de maiores solicitações e necessidade de compatibilização entre diferentes trabalhos.

Aquando do lançamento das duas primeiras cassetes [Galeria Monumental, 29 de Julho] das Edições da Ruína, decidimos convidar a Catarina Real e o Gonçalo Duarte para uma pequena conversa. Saber mais sobre a relação entre a edição de livros e as edições fonográficas, as dificuldades internas e externas por que passam estes colectivos, a estrutura de organização reticular da mesma e perspectivar o que poderão ser os novos trabalhos. Mas também, e muito, aprofundar o nosso conhecimento sobre as suas motivações, inquietações e a força que inevitavelmente une todos os elementos do universo da Ruína, entre outros assuntos.



[‘PARÍCUTIN’ – EDIÇÕES DA RUÍNA]

“Fazer parte de um colectivo tem sempre as suas dificuldades, mas o ganho de pertencer a um, e de agir colectivamente é maior do que as dificuldades que vai apresentando… O Parícutin parte de desilusões sucessivas, mas há o outro lado da moeda: a insistência ou entusiasmo em que, de ilusão a ilusão, a desilusão não apareça… Mais do que as dificuldades, o que melhor as previne é a escolha delicada das pessoas com quem passamos a cruzar a vida. Apesar de as Edições da Ruína não serem um colectivo, são a base de uma rede de pessoas amigas, que vai permitindo as condições para que certos trabalhos apareçam, nos melhores moldes que conseguimos. A aparição das Edições da Ruína partiu dessa vontade inicial do Gonçalo Duarte, de aproveitar os meios de que dispunha, no caso, o atelier de serigrafia, para partilhar possibilidades com outros artistas.”

[PROPÓSITOS]

“Não nos definimos… Ou seja, vamos ganhando contornos diferentes à medida que mais pessoas pertencem a este projecto e vão contribuindo quer com os seus trabalhos artísticos, quer com os seus saberes técnicos que permitem que os primeiros aconteçam. Quanto ao posicionamento, e não sei se te respondo, é um posicionamento definido mesmo antes de encarar uma ou outra realidade; queremos trabalhar da forma mais justa e dedicada que conseguimos, e por isso, não temos grande dinheiro, mas estamos a disponibilizar toda a nossa energia e tempo para concretizar da melhor maneira trabalhos de pessoas que admiramos. E, sobretudo, o de fazer da amizade o nosso método de trabalho. As Edições da Ruína começaram com o Gonçalo Duarte, e agora eu – Catarina Real – também lhes pertenço. Nos últimos dois meses a Daniela Gouveia e o Carlos Emanuel estiveram a trabalhar connosco para conseguirmos organizar a Festa da Ruína, que aconteceu no final de Julho, e tornar a nossa organização um pouco mais… organizada. Para além de nós, que somos quem vê o cenário todo e vai juntando uma ponta à outra e fazendo todo o trabalho chato de produção e comunicação, já muitas mãos se juntaram. É também por aqui a afirmação de que não somos um colectivo, mas uma rede, um tecido de amigos e de entusiastas. As nossas funções, Catarina e Gonçalo, vão sendo geridas caso a caso e fazendo usufruto das capacidades ou interesses que já trazemos connosco. Por exemplo, eu respondo a esta entrevista… Mas tudo é decidido e aprovado entre os dois e em diálogo com a parte do tecido que esteja a trabalhar connosco a dado momento.”

[AS RAMIFICAÇÕES DA REDE]

“Já no processo de pertença à nossa família, estão a Sallim, a Margarida Bak Gordon, a Sofia Pires, a Maria Bernardino e o Pedro Rufino. É com eles que editaremos os nossos próximos trabalhos, em que já estamos a trabalhar, embora vários outros já estejam conversados. Há ainda outros projectos e pessoas que temos vindo a observar, e a quem gostaríamos de propor outras edições. Enfim, muito entusiasmo. Por agora, a falta de entendimento que referes, não nos assola. E, aparecendo, estamos prontos para dissolver equívocos e dissidências. Novamente, a atenção a quem decidimos que pertença à nossa vida, ao nosso trabalho, e a quem nos dedicamos, tem sido certeira. Estamos certos que é a partir do cuidado, respeito e amizade, pelas pessoas, projectos e trabalhos, que alguma coisa sólida se está a construir. É bonito – esta palavra que engloba a felicidade, o orgulho e a vontade de continuar – estar presente no crescimento de projectos e acompanhamento de processos. Aprende-se muito. E é também incrível a disponibilidade dos nossos amigos para contribuírem, com as suas capacidades e entusiasmos, para que tudo possa acontecer. A amizade e a participação sem segunda intenções ou presença de egos, constrói raízes.”

[OS LIVROS]

“Os primeiros livros que as Edições da Ruína lançaram, quando a editora era apenas dirigida pelo Gonçalo, foram o OCT do Rudi Brito, um livro de desenhos, o Bola Cheia do Miguel Abras, um livro de poemas, e o Círculo, que é um conto meu. Em todos eles a serigrafia foi utilizada, e continuaremos a realizar serigrafias, como estratégia para conseguirmos fazer mais dinheiro, para a editora e para os artistas. Depois disso, e mais recentemente, editámos duas cassetes, Vice Versa de Pedro Augusto e Shela, e Fonte e Flor da Riva Mut. O entusiasmo é o que move a edição de algum trabalho… Por exemplo, o livro que se segue, Quebranto de Sallim (que está previsto para ser lançado em Dezembro) apareceu de uma sugestão do Miguel Abras, para que espreitássemos o que a Sallim escrevia. Lemos e achámos que podia ser incrível fazer um livro, trabalhar todo o material que tinha escrito e convidá-la a pensá-lo connosco, com outro trabalho de edição, de pensamento do livro enquanto objecto… Estamos nesse processo agora.”

[MÚSICA, ILUSTRAÇÃO, ESCRITA]

“Posso-te responder por dois caminhos; o primeiro será o dizer que procuramos fomentar essas relações, através da edição de objectos que fazem uso desses diferentes universos, e que os consideram com o mesmo cuidado. O segundo, será dizer-te que essa ligação está também presente nas pessoas que têm participado nas Edições da Ruína. Por exemplo, a Filipa Cordeiro escreve e faz música, mas também recortes, imagens. A Sallim está na mesma condição. O Shela acabou por fazer a capa da cassete com o Pedro Augusto, porque tem feito desenhos e pinturas. Eu escrevo, mas também faço imagens. O Gonçalo faz música, desenhos, banda desenhada e é ainda impressor de serigrafia. E por aí fora, com todas as pessoas. Ou seja, os nossos contributos, têm sido variados, de um lugar ou do outro. E mesmo não tomando parte com participações de diferentes âmbitos, as pessoas têm sensibilidades aos diferentes meios, o que contribui para que as edições tenham uma maior coerência entre imagem e conteúdo.”



[EXERCÍCIO CRÍTICO]

“A ruína está por cá, sim, no ramerrame dos dias. Tem um sentido duplo: a ruína está em constante movimento, ao destruir alguma coisa, constrói-se também outras coisas. Há uma potência na ruína. O exercício crítico, e a consideração das possibilidades que as várias ruínas quotidianas nos apresentam, parece-nos o lugar político que a criação artística pode ocupar. Como os acirrar é o desafio, mas consideramos que há várias vias de pôr a mão no amorfismo, desde que não se seja conivente. Da minha perspectiva, é tão importante criar vias de re-sensibilização como criar incómodos, e recuperar palavras de ordem. São formas diferentes de reinvindicação das ruínas para outras possibilidades.”

[AS DUAS PRIMEIRAS CASSETES]

“Ambos aconteceram pela proximidade, tanto com a Filipa, como com o Pedro Augusto e o Shela. Já tínhamos visto alguns concertos da Filipa que nos entusiasmaram, e como ela ainda não tinha gravado, decidimos avançar. A relação do Pedro Augusto com o Gonçalo já é antiga, tocaram juntos em Live Low. Este projecto com o Shela já estava adiantado e pareceu-nos bem editá-lo quando pedimos ajuda ao Pedro Augusto para masterizar as músicas da Filipa. Tudo aconteceu ao mesmo tempo.”

[ECLETISMO E FORMA]

“Sermos eclécticos nas nossas escolhas poderá estar relacionado com o que referíamos quanto ao espírito crítico e colaborativo, de contribuição para uma paisagem alargada de trabalhos. Não será uma coerência formal que irá moldar as nossas escolhas, mas antes uma postura em relação às coisas, ao mundo.”

[O GRAFISMO E AS EDIÇÕES MUSICAIS]

“Apenas na cassete do Pedro Augusto e do Shela a responsabilidade do grafismo pertenceu aos músicos. O Shela tem andado entusiasmado com as experiências de pintura e de desenho, e aquele detalhe de uma das suas pinturas pareceu apropriado como capa. O arranjo gráfico a partir desse pormenor foi feito pelo Pedro Nora, sempre em diálogo connosco. Na cassete da Filipa Cordeiro, o desenho e a caligrafia foram feitas pelo Bernardo Rodrigues, e depois fizemos o arranjo gráfico em conjunto com a Filipa. A ficha técnica e agradecimentos, que consta no interior, também foi feita pelo Pedro Nora.”

[EDIÇÕES, AS PRÓXIMAS]

“Estamos muito contentes, e ao mesmo tempo já conseguimos ver o que podemos melhorar nas próximas, desde dinâmicas de trabalho a aspectos gráficos. A previsão é que a próxima cassete a ser lançada seja do Pedro Rufino, com o projecto Cachola. O Rufino também está próximo, e gostamos do que tem vindo a fazer. Os próximos livros serão da Sallim, da Teresa Arega e da Sofia Pires. O livro da Sallim é um livro de poemas, e foi uma sugestão do Miguel Abras a que espreitássemos o blogue onde tem vindo a partilhar alguns deles. Gostámos muito e decidimos avançar com o convite. Estamos na fase de revisão e edição de texto, já com uma visão geral de como o livro será enquanto objecto. A Teresa não conhecíamos pessoalmente, será a excepção até aqui. Entrevistei-a há uns tempos, porque gostei muito do trabalho, e gostei muito de conversar com ela. Foi assim uma espécie de amizade à primeira vista. Nessa entrevista a Teresa falou-me de um livro de banda desenhada que andava a fazer há já algum tempo, e falámos também nas dificuldades da auto-edição. Quando partilhei esta conversa com o Gonçalo decidimos convidá-la para editar esse livro connosco. O livro da Sofia Pires será de imagens e palavras, a combinação de ambos é um registo que tem vindo a usar há algum tempo, com recortes, sobretudo. O convite à Sofia também veio dessa mesma proximidade; ela também tem vindo a fazer feiras de edição independente com o seu projecto Sozinha em Casa e pareceu-nos que a provocação de editar connosco poderia levar o trabalho a outros sítios. Estamos confiantes que sim.”

[O PANORAMA EDITORIAL PORTUGUÊS]

“A maior dificuldade, considerando a forma como gostamos de fazer as coisas, com tempo e dedicação, será sempre a económica. Estamos cientes de que nunca pagaremos nem uma pequena parte do trabalho que temos vindo a fazer. De resto, por agora, temos recebido curiosidade de vários sítios, e a festa de lançamento correu muito bem. A forma de contornar as dificuldades será continuar a fazer… Tentar partilhar os trabalhos que editamos com outras pessoas para além do nosso núcleo de amigos e conhecidos, e acreditar que o que fazemos (todos juntos) tem qualidade para se manter vivo.”


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