pub

Fotografia: DeMarquis McDaniels
Publicado a: 12/07/2023

Agora sem pressão.

Eddie Chacon: “É fácil ser apanhado pela ideia de que o negócio da música apenas serve para as pessoas mais novas”

Fotografia: DeMarquis McDaniels
Publicado a: 12/07/2023

Poucos têm a chance de vingar cedo no mundo da música, desaparecer por completo durante anos e voltar para vingar de novo. Bem, os números de “Would I Lie To You?” (lançado em 1992 enquanto dupla Charles & Eddie) e de “Holy Hell” (single que mais se destaca no alinhamento do seu novo Sundown) deixam bem claro que são tipos de sucesso diferentes, mas Eddie Chacon vive com plena consciência disso e, aliás, nem parece estar assim tão preocupado com qualquer tipo de métrica que meça o sucesso da sua música. Na cabeça do cantautor californiano já não mora essa pressão de criar êxitos, mas sim uma vontade imensa de esculpir temas honestos que reflitam a larga experiência que carrega no corpo.

Em conversa com o Rimas e Batidas, Chacon fala-nos dessa longa viagem que é a sua carreira, com um grande interregno pelo meio, e que acabou por levá-lo ao encontro de um dos produtores mais refinados da música contemporânea. Foi ao lado de John Carroll Kirby que delineou o seu primeiro álbum a solo, Pleasure, Joy and Happiness (2020), e mais recentemente Sundown, trabalho que este ano o levou a integrar a turma da prestigiada Stones Throw Records e foi selado no último dia de Março deste ano.



Muito obrigado por atender esta chamada. Eu tenho tocado a sua música no meu programa de rádio. Eu já era seu fã, mas agora que está a trabalhar com um dos meus heróis, o John Carroll Kirby, estou ainda mais maravilhado. Se é que isso é possível.

Uau. Obrigado.

Você esteve afastado da música durante algum tempo. Diria que isso foi uma decisão consciente ou foi apenas o universo a conspirar para que tivesse uma paragem?

É uma boa pergunta. Honestamente, suponho que deixaram de existir oportunidades para mim. Durante um longo período de tempo, eu pensei que já não existia um lugar na indústria musical para um homem da minha idade. É fácil sermos apanhados pela ideia de que o negócio da música apenas serve para as pessoas mais novas. Demorei muito tempo a perceber que… Pode dizer-se que tive uma epifania, que me apercebi que se fizesse discos que só uma pessoa da minha idade pudesse fazer então talvez até existisse um lugar para mim na indústria musical, porque há muitas pessoas que podem rever-se nessa música — a de um homem de 56 anos, naquela altura, que tinha vivido a sua vida e queira falar sobre essas coisas.

Pelo menos em teoria, você alcançou aquilo que muitas pessoas perseguem durante uma carreira inteira, através do “Would I Lie to You”, enquanto Charles & Eddie. Muitas das pessoas não conseguem ter um êxito tão grande como esse. Seria natural que, depois disso, a sua carreira se solidificasse, mas as coisas não aconteceram bem assim, pois não?

Não. Você tem razão no que diz e eu próprio senti isso. Senti que tinha alcançado mais do que a grande maioria das pessoas. Senti que a indústria estava a ser boa para comigo, senti-me abençoado, senti-me grato por todo esse sucesso que tive. E eu fiz as pazes com isso. Eu só não consegui fazer as pazes com o que veio depois. “O que é que eu faço com estas minhas habilidades? Gastei a vida a trabalhar nelas e agora já não existe um lugar para mim?” Acho que qualquer pessoa de qualquer indústria se consegue relacionar com isto. Parecia que me tinha tornado redundante, ou que tinha deixado de conseguir fazer um trabalho que sempre fiz toda a vida. Isso coloca-nos num lugar em que nos sentimos desconcertados, sentimos que já não encaixamos em lado nenhum. Eram essas as emoções que passavam pela minha cabeça durante o tempo em que estive sem fazer música. De facto, em anos mais recentes, talvez nos últimos cinco, comecei a pensar: “O que será que acontece quando esta mestria fica em repouso durante tantos anos sem ser utilizada? Será que desvanece com o tempo? Será que melhora, como o vinho?” [Risos] Andava a pensar nessas coisas. Então, quando surgiu a oportunidade de trabalhar com o John Carroll Kirby, pensei para mim mesmo que isso não só era uma bela oportunidade — mal conseguia acreditar que um produtor tão jovem e tão bem sucedido como ele, que poderia estar a trabalhar com quem ele bem desejasse, quisesse trabalhar comigo —, como também seria uma experiência controlada, que me permitira perceber o que é que tinha acontecido às minhas habilidades com o passar dos anos, dado que me tornei mais velho e mais maduro.

Nós temos um ditado em Portugal que diz: “É como andar de bicicleta.” Ou seja, é uma coisa que nós nunca esquecemos. E quando aceitou trabalhar com o John, ele certamente reparou que você ainda sabe “andar de bicicleta”.

Sim. E não é só isso. Quando nos tornamos mais velhos, mais dificilmente caímos naquelas armadilhas que nos atrapalham quando somos mais novos. Aquelas coisas de procurar obter a aprovação dos outros, de compararmo-nos aos outros, de querermos ser modernos e contemporâneos, de querermos encaixar na tendência do momento. Ao fazer um disco nesta fase, em que sou mais velho, já não tenho nada disso em consideração. A minha única preocupação foi a de conseguir um retrato honesto daquilo que eu sou nesta altura da minha vida.

Foi o John que o procurou? Como é que isso aconteceu?

Foi, na verdade, através de um amigo em comum. O nome dele é Ethan Silverman e ele é dono de uma pequena e bem sucedida editora independente, chamada Terrible Records, que fica em Brooklyn, Nova Iorque. A dada altura ele lançou discos da Solange e do Blood Orange. Eu encontrei-me com ele na esperança de ajudar um amigo meu que é artista, numa altura em que eu já não estava a fazer música. No final dessa reunião, ele perguntou-me: “E tu, qual é a tua história?” Eu não queria desviar as atenções para mim, queria que o foco fosse esse meu amigo, por isso dei-lhe uma versão abreviada de 60 segundos, de que eu basicamente fui um one hit wonder nos anos 90, que teve a sorte de ter um grande sucesso, mas que só ali estava para ajudar um amigo. A última coisa que ele me disse foi: “Temos de ver se arranjamos maneira de te fazer voltar à indústria musical.” Eu achei aquilo estranho. Despedi-me e a coisa ficou por ali. Uns dois dias depois, ele mandou-me uma mensagem: “Tive uma ideia brilhante. Liga-me.” E eu lá lhe liguei. E ele disse-me: “Há um gajo chamado John Carroll Kirby. Ele produziu a Solange, o Frank Ocean e outros tantos grandes nomes contemporâneos. Eu tenho a estranha sensação de que ele ia gostar de ti e da tua história.” Achei que mais facilmente ficaria eu entusiasmado por conhecê-lo, do que ele a conhecer a história de um gajo de 56 anos que não faz um disco há 30 anos e que foi, basicamente, um one hit wonder [risos]. Fiquei mesmo muito entusiasmado em ter esse encontro com o John, ainda para mais quando percebi que ele também se queria reunir comigo. O que começou por ser uma conversa de café de 20 minutos tornou-se numa reunião de 3 horas, que migrou do café para o carro dele, connosco a ouvir música e a trocar ideias. Lembro-me de até ter cantado para ele. Não é que eu tenha vergonha de cantar. Mas estive ali a cantarolar-lhe umas ideias de letras que achava que ficariam fixes para um disco de um gajo com a minha idade. A coisa descolou a partir daí. Alguns dias depois ele ligou-me para dizer que queria vir ter comigo para fazermos umas jams. Dessas jams nasceu o Pleasure, Joy And Happiness.

Aposto que durante essa sessão de escuta no carro ele lhe mostrou Laraaji. Eu conheço a música dele há muito tempo, devido a ele ter estado associado à editora do Brian Eno. Mas vi-o ao vivo há um par de anos, em Lisboa, e foi incrível. O que é que achou da música dele?

Na verdade, nunca tinha ouvido falar do Laraaji. Mas quando o John me perguntou o que é que eu achava a que o disco de Eddie Chacon deveria soar, eu disse-lhe que queria fazer algo que fosse muito linear, completamente o oposto daquilo que tinha sido a minha carreira na música pop, em que tinha de pensar em grandes acordes e em escrever êxitos. Eu tenho um historial de 18 anos em que andei a compor para as grandes companhias de publishing, que era um trabalho muito focado na escrita de êxitos. Disse-lhe que queria fazer exactamente o oposto disso. Eu queria escrever um disco muito balanceado, em que nada se destacasse em parte alguma, como uma linha recta. Gostava que ele fosse meditativo e que fosse uma alternativa tudo o que por aí anda, possivelmente que fosse capaz de recarregar as baterias das pessoas. Ele disse-me: “Então tens de ouvir isto. Deixa-me mostrar-te o Laraaji. Ele tem um disco chamado Vision Songs, Vol. 1 e eu acho que isso te vai motivar a fazer um disco desse género.” Foi assim que eu descobri o Laraaji.

Você soou como se tivesse a descrever a música ambiental. Quando o Brian Eno apareceu com esse conceito, ele descreveu-o de forma muito parecida ao que você disse agora — essa ideia de uma coisa muito simples, muito linear, que não seja intrusiva. Vejo essa ligação e acho isso espantoso. Mas essa ligação ao John também lhe abriu a porta para o catálogo da Stones Throw, que é uma editora que eu tenho seguido ao longo de muitos anos. Para mim, foi uma surpresa encontrá-lo nesse catálogo. Como é que se está a dar com o Peanut Butter Wolf e toda essa malta?

Eu forcei uma amizade com o Peanut Butter Wolf através de mensagens pelo Instagram. Descobri que temos muito em comum. Temos a mesma idade, somos ambos de Norman, Califórnia, e ambos trabalhámos com alguns daqueles grupos de hip hop que surgiram no início, quando éramos novos. Partilhamos desse amor pelo hip hop, quando ele nasceu. Ele ficou a saber que eu estava a trabalhar com o John e gostou imenso do Pleasure, Joy And Happiness. Quando o Sundown ficou terminado, eu disse-lhe. “Já terminei outro disco com o John. Gostarias de o escutar?” Eu devo ter ficado vários meses se ter qualquer resposta dele — imagino que seja uma pessoa a quem enviam muita música. Há uma manhã em que acordo e tenho uma mensagem que dizia: “Eu adoro tanto isto que tenho de o ter na Stones Throw.” Foi assim que a coisa se deu. Mas a esta altura da minha vida, eu só quero trabalhar com gente que respeito enquanto seres humanos. Ele é uma dessas pessoas e eu fui-me apercebendo disso ao longo dos anos. Ainda antes de entrar para a Stones Throw, eu fui nutrindo um grande apreço por ele enquanto pessoa. Ele é um cavalheiro e um belo ser humano. Dá para ver o porquê da Stones Throw conseguir ressoar em tanta gente. A editora é uma fotografia autêntica daquilo que ele é enquanto pessoa. Não podia ter ficado mais feliz em juntar-me a eles. E acho que nunca me tinha sentido tão feliz numa editora como aqui. Eu estou num ponto da minha vida em que sei que eles me entendem, quer como pessoa, quer com aquilo que eu estou a tentar fazer em relação à minha música neste momento.

Uma das coisas que eu mencionei na rádio quando toquei o Sundown é que o disco se devia chamar Sunrise e não Sundown [risos]. O álbum é muito solarengo e cheio de vida. E li precisamente hoje que você esteve a trabalhar nele em Ibiza. Como é que acabou por vir parar a este lado do oceano para trabalhar neste disco?

Foi algo que se proporcionou. Recebi uma mensagem privada no Instagram de um senhor que se apresentou e me disse que o Pleasure, Joy And Happiness foi um curativo ao longo dos dias mais sombrios do COVID-19, tanto para ele como para a sua mulher e filhos. Ele quis agradecer-me. Disse que tinha uma casa de Verão muito bonita em Ibiza e, como presente, gostaria de me oferecer uma estadia por lá. Eu podia levar quem quisesse. Ele disse que não iria lá estar e me concedia a casa ao longo de algumas semanas para eu fazer o que bem me apetecesse. Só me pediu uma coisa. A condição era que eu fizesse algo criativo com o espaço. Então a primeira coisa que fiz foi escrever ao John: “Eu consegui esta casa e acho que seria fabuloso se pudéssemos ir juntos para lá e fizéssemos algo de criativo naquele espaço.” Eu, o John e a minha mulher… A minha mulher é quem dirige os meus videoclipes. Eu e o John montámos uma sala de captação num dos quartos e a minha mulher realizou um videoclipe para uma das músicas que temos no disco, a “Comes and Goes”. O senhor que nos cedeu a casa ficou muito agradado com o facto de termos feito mais de metade do Sundown dentro da casa, bem como rodarmos lá o tal videoclipe. Acabou por ser uma experiência muito boa para todos nós, no geral. O dono dessa casa tornou-se num bom amigo e ainda há pouco tempo estive com ele. Já acabei por lá voltar e ficar mais umas semanas na casa. Ele veio ao meu espectáculo em Manchester, porque é lá que ele se encontra sediado. Correu tudo às mil maravilhas.

Diz-se que o que é bom atrai coisas boas. Certamente saberá disso. Fale-me da experiência ao vivo. Uma coisa é trabalhar o músculo criativo e voltar a escrever canções para as gravar, outra coisa é pisar um palco. Diria que são coisas muito diferentes, mas eu não sou um artista.

Tenho desfrutado bastante. Quando eu era jovem e comecei a tocar em bandas de rock, eu era um artista de palco antes de tudo o resto. Passaram váriosanos até eu ter tido a oportunidade de gravar. As minhas raizes estão no ser um performer ao vivo. Portanto, lançar o Pleasure, Joy And Happiness e ter a oportunidade de o tocar ao vivo foi algo que me deixou muito entusiasmado, até porque eu pensava que nunca mais voltaria a ter essa oportunidade. Eu gosto de tocar ao vivo e acho que isso é um reflexo da pessoa que sou hoje. Eu aprecio esta experiência reciproca com a plateia. Adoro interagir com o público, gosto de contar histórias entre temas. Eu dou muito valor a poder proporcionar uma experiência às pessoas, para que elas possam regressar a casa cansadas, mas com um sorriso no rosto.

Há mais espectáculos seus planeados para a Europa?

Sim, há. Eu acabei de voltar de lá ontem [risos]. Estive um mês na Europa a fazer uma série de espectáculos. Vou para Nova Iorque dentro de uma semana para tocar lá. Depois vou com o John da Califórnia ao Canadá, fazer a Costa Oeste de baixo a cima. Também vamos tocar no Fuji Rock, no Japão. Depois regresso à Europa em Agosto e, novamente, em Outubro e Novembro. E pelo meio disso vou ter de encontrar tempo para fazer mais um disco [risos].

Estou certo de que vai conseguir fazê-lo e espero mesmo conseguir apanhá-lo ao vivo algures muito em breve. Tenho só mais uma pergunta.

Força.

Eu fiquei muito agradado com o facto de ter lido hoje que você é um cliente assíduo de um restaurante português na baixa de Los Angeles chamado Caldo Verde. O caldo verde é um dos meus pratos favoritos, uma sopa muito boa. Como é que você acabou por se apaixonar pela culinária portuguesa?

Essa pergunta é muito boa. Eu e a minha mulher visitámos Lisboa mesmo antes do COVID. Fomos de lá até Espanha, numa viagem ao longo de um mês. Mas adorámos a comida em Lisboa. E quando soubemos que o Proper Hotel iria abrir um novo hotel na baixa de L.A., que é apenas a alguns quarteirões da nossa casa, ficámos muitos contentes. E a razão por termos ficado muito contentes é porque sabíamos que iam abrir lá um Caldo Verde dentro do hotel.

Muito engraçado.

É mesmo engraçado. E é muito bonito. É um restaurante maravilhoso.


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos