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Publicado a: 18/12/2015

Eazy-E: O dealer das rimas

Publicado a: 18/12/2015

[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTO] Direitos Reservados

 

O filme que retrata a vida a vida dos N.W.A., como não podia deixar de ser para uma biopic produzida em Hollywood, amacia algumas arestas, esquece alguns episódios e transforma outros, a bem de uma narrativa que se quer de entretenimento generalizado, mais do que de rigor factual. E no filme, é Jerry Heller que aborda Eazy-E com uma ideia de parceria. Na verdade, foi exactamente o oposto que aconteceu e o pequeno traficante de Compton não aterrou propriamente por acidente no mundo da música: se algo aconteceu, foi porque Eazy-E o orquestrou com um calculismo decidido, próprio de quem teria um plano e uma visão de futuro. Atento à realidade que o cercava, e depois de ver um familiar próximo ser vítima da mesma actividade ilícita em que se encontrava envolvido, Eazy-E percebeu que a música poderia ser o seu bilhete de ida para fora de Compton. E não hesitou.

As entrevistas da época e os relatos dos seus associados mais próximos, nomeadamente de Jerry Heller, o famoso manager com quem Eazy-E construiu o império Ruthless Records, apontam o MC como um hustler, ou seja como alguém com notáveis capacidades de sobrevivência, com uma inteligência empírica aguçada e com um apurado sentido de negócio. Supostamente, a Ruthless foi começada com um quarto de milhão de dólares acumulado graças ao tráfico de droga. Heller, provavelmente numa tentativa de proteger o seu cliente e amigo de sempre, garantiu que nunca viu Eazy-E envolvido com tráfico de drogas mais pesadas, como cocaína, mas é díficil acreditar que tal quantia se pudesse ter juntado tão rapidamente apenas a vender marijuana – Eazy-E tinha apenas 22 anos em 1985, quando começou a dar os primeiros passos no mundo da música.

 


 


Há um episódio do filme que Jerry Heller confirma ser verdadeiro: a dada altura, Eazy-E quis matar Suge Knight, o notório co-criador da Death Row envolvido em inúmeros casos de polícia e actualmente detido por um atropelamento e fuga no set de filmagens de Straight Outta Compton que resultou numa morte. O manager convenceu o rapper a não levar o seu plano por diante e diz-se hoje arrependido: “O Eazy-E tinha razão e o Suge Knight deveria ter desaparecido”, admite. Tudo isso concorre para a ideia de que o rapper, franzino era, no entanto, um aguerrido lutador, um típico tough guy que forneceu o molde para a figura do gangster que é, ainda hoje, um dos personagens disponíveis no grande livro do hip hop.

Eazy-E não escrevia as suas próprias rimas: Ice Cube, MC Ren ou o amigo de Dr. Dre do Texas, The D.O.C., tratavam dessa parte. Mas à época isso era uma condição assumida sem problemas e nunca ninguém questionou a autenticidade que saía da garganta de Eazy. The D.O.C. disse mesmo acreditar que Eazy foi um dos melhores rappers de sempre. O seu trabalho em momentos formativos como o clássico “Boyz n the Hood”, tema que haveria de inspirar o filme do mesmo nome, ou, mais tarde, no álbum Eazy-Duz-It, lançado em 1988 e hoje visto como clássico absoluto da West Coast, não deixa margem para dúvidas acerca do seu talento: da sua voz peculiar soltava-se a verdade das ruas.

 


https://www.youtube.com/watch?v=RwPMKozHPCM

 


Eric Lynn Wright nasceu a 7 de setembro de 1963, em Compton, e praticamente nunca abandonou a zona de South Central de Los Angeles, onde permanece uma lenda até aos dias de hoje. Faleceu vítima de SIDA, em Março de 1995, facto que alimentou teorias rebuscadas (como a que aponta o dedo a Suge Knight que o poderia ter contaminado com uma seringa infectada), mas que certamente se deve apenas ao facto de Eazy-E ter levado uma vida desregrada e com múltiplas parceiras sexuais. Na Ruthless editou muitos artistas importantes, como os Above The Law, Bone Thugs-N-Harmony ou Kid Frost. Mas a sua principal criação foi mesmo o seu mito.

 

*Texto originalmente publicado na edição 112 da Blitz.

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