Apesar do cartão de cidadão poder indicar o contrário,
Rui Andrade sempre teve alguma dificuldade em enquadrar-se na “cena” portuguesa, o que não admira, visto que na sua discografia tem trabalhos lançados pelas editoras inglesas Warm Winters Ltd. e ACR ou a belga Audio Visuals Atmosphere, por onde editou
Atoll em Outubro.
Com tanto a acontecer, há ainda tempo para uma aventura mais ambiciosa:
Eastern Nurseries é o seu mais recente projecto, uma editora dedicada a “música que sangra” com uma “vertente emocional marcada”. A funcionar há pouco mais de seis meses, a
label já dispõe de seis trabalhos, em formato digital e em cassete, e o fundador admite a intenção de “continuar a curar com critério e regularidade”, tal como tem sido feito até aqui.
A primeira compilação de longa-duração,
In The Eyes Of Lovers A Weapon Is An Instrument Of Grace, já está disponível no Bandcamp — lá podem encontrar faixas de HRNS e FAWARMTH, mas também de FH HF, Anasisana, Perfume, Concrete Fantasies, S.D., False Moniker e Russian Standards.
Para aqueles que ficaram curiosos, fica o aviso: a EN vai ter um
showcase no Desterro, em Lisboa, no próximo sábado, dia 11 de Janeiro.
Fala-nos do princípio da Eastern Nurseries: o que é este projecto e porque é que decidiste iniciar esta caminhada sozinho?
A Eastern Nurseries nasce da intenção de criar uma plataforma, quase que uma comunidade, onde pudesse lançar não só a minha própria música, mas a de amigos, família, pessoas pelas quais tenho uma admiração imensurável. Quis desafiar-me a começar de novo, um projecto que fosse só meu de raiz, podendo ditar o que lanço, como e quando lanço e em função do quero ouvir.
A editora apresenta uma estética muito particular em termos de imagem e bastante identitária no que toca ao som. Tanto no campo visual como no musical, tiveste algumas influências específicas para a criação desta label ou foi tudo muito à base daquilo que gostavas e sentias em relação à música?
Interessa-me pouco limitar a editora a nível estilístico, principalmente no que toca à música que lanço. O sonho é ter um catálogo super diverso e dinâmico. Gosto muito da expressão “música que sangra”, tudo o que sai daqui tem de ter uma vertente emocional marcada, [tem de] ressoar comigo. Sinto que é a técnica ao serviço da emoção na música que faço e isso reflecte-se no que oiço, e por consequência, naquilo que quero editar.
Tens trabalhado com várias editoras lá fora, especialmente com os teus projectos, tanto a solo como com HRNS, as inglesas Warm Winters Ltd. e ACR, a belga Audio Visuals Atmosphere. Pudeste aprender, nessas relações, a tratar desta gestão mais burocrática e de curadoria editorial? Sentes que as várias funções e papéis que desempenhas se influenciam?
Tive a sorte de conhecer pessoas espectaculares em tão pouco tempo, isso é muito inspirador. É muito fácil trabalhar com alguém quando existe esse clique, uma paixão e força motriz comum. Todos ganham, o projecto ganha, a arte ganha. Trabalhar com pessoas como o Adam, o Niels, o Oscar da Vaagner, etc., faz-te sentir que estás a tratar com alguém que respeita tanto a arte que fazes como tu próprio. Se um dia deixar de sentir isso e de o estender aos outros, deixo de fazer e lançar música.
Como é que chegaste aos músicos que fazem parte desta compilação? Porque é que fizeram sentido no contexto de Eastern Nurseries e do In The Eyes Of Lovers A Weapon Is An Instrument Of Grace?
Seguia a música de todos eles há mais ou menos tempo, outros eram ou tornaram-se amigos próximos. Remeto para o senso de comunidade que descrevi acima. Queria que fosse uma compilação em que o todo é maior que a soma das partes, aliás, sinto que esse é o único paradigma para que uma compilação funcione.
Houve alguma razão para ainda teres demorado estes seis meses, aproximadamente, a lançar uma compilação longa com vários artistas diferentes?
O
timing apontava para agora, tanto pelas conexões que se foram criando com os intervenientes como pela disponibilidade a nível de planeamento e calendário. Era um desejo meu desde o início explorar este formato, e vai certamente acontecer mais vezes.
Neste momento pretendes manter o mesmo formato de lançamento? Disponível digitalmente e em cassete?
Sim, são os únicos dois formatos que fazem sentido para a editora neste momento, tanto em conjunto, como exclusivamente um ou o outro.
Além disso, pretendes trabalhar mais com eventos ou com o formato vídeo?
Faço zero intenção de seguir o caminho de uma promotora. Isto não põe de parte ser eu a organizar eventos de forma esporádica – toma o exemplo de uma festa de lançamento de um disco ou um aniversário da própria
label. Há outras vertentes que pretendo explorar a seu tempo, mas não tenho planos para trabalhar vídeo em breve, pelo menos de forma mais estanque, não.
Depois desta boa introdução, o que podemos esperar do showcase no Desterro, no próximo sábado?
Vai ser a primeira apresentação de HRNS desde as datas europeias que tocámos em Setembro, o primeiro que tocamos em Portugal desde Março, salvo erro. O Afonso (FARWARMTH) vai estrear um set praticamente 100% novo. Canadian Rifles fica para último no que toca a concertos. Estou muito contente por ter a Odete e DRVGジラ a fechar a noite com um B2B também.
E sobre 2020, o que nos podes contar?
Neste primeiro semestre há pelo menos mais quatro títulos que irão ser lançados na Eastern Nurseries, a intenção é continuar a curar com critério e regularidade. A título pessoal espero em breve poder anunciar algumas datas europeias, tanto para HRNS como para Canadian Rifles. Há um lançamento de Canadian Rifles agendado para Fevereiro também.
