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Publicado a: 26/11/2018

Earl Sweatshirt Season: apenas “algumas canções de rap” ou vem aí um clássico?

Publicado a: 26/11/2018

[TEXTO] Gonçalo Oliveira [FOTO] PHILIP COSORES / RED BULL CONTENT POOL

Às vezes é no meio do caos que nascem as flores mais bonitas. Earl Sweatshirt habituou-nos a esta premissa desde os tempos dos Odd Future, traduzindo para letras de rap todas as paranóias e pensamentos mais distorcidos que lhe residem na cabeça, entoados sobre batidas que tanto tendem para o digital e electrónico como para o tradicional e com base em samples — mas sempre com uma veia experimental e inovadora bastante vincada, não fosse ele uma espécie de Kanye West do hip hop que ecoa no subsolo, estatuto que gerou uma massa adepta tão grande ao ponto de se estabelecer enquanto figura de culto à escala mundial. Apesar da estética da sua música e da (falta de) felicidade que esta transmite estarem a anos luz daquilo que mais se pratica no mainstream, Earl move um número impressionante de massas e qualquer que seja o seu lançamento — oficial, demo ou leak — é motivo de celebração, tal é a massagem cerebral que a sua arte nos proporciona. E quando se fala em liricismo, não é nada descabido tê-lo em consideração como parte da realeza do pen game — para os mais entusiastas, o acrónimo GOAT não é assim tão descabido…

Se Earl já dava sinais de um certo desequilíbrio mental desde o início de carreira, a confirmação do seu agravamento chegou-nos em 2015, quando confessou ao mundo a dificuldade que tinha em sair de casa e se entregou ao mais escurecido dos registos com que se tinha mostrado até então, algo que se traduziu também em escassas aparições nos canais habitualmente utilizados pelos media. A condição psicológica conheceu novos e piores contornos em Janeiro deste ano, quando Thebe Kgositsile perdeu o pai e viu a depressão e a ansiedade tomarem-lhe conta do estado de espírito — em Junho, o autor de I Don’t Like Shit, I Don’t Go Outside teve mesmo de cancelar uma digressão europeia pela falta de condições anímicas que dispunha para estar em palco a encarar o público. É ao pai, Keorapetse Kgositsile, que Earl dedica o seu próximo álbum, ele que descreveu a relação entre ambos como sendo “non-perfect”, embora a perda tenha servido para dar como encerrada a sua fase de adolescência. “Não poder falar mais com ele deixou-me a ter de lidar sozinho com muitas coisas”. A dedicatória do novo disco ao pai ganha ainda mais importância  se pensarmos que este poderia muito bem ser o familiar que melhor compreenderia aquilo que faz com as palavras, já que Keorapetse Kgositsile era um conceituado poeta e activista sul-africano. A mãe, por outro lado, foi a principal responsável pelo “desaparecimento” de Earl dos radares do hip hop, quando enclausurou o jovem rapper numa escola de reabilitação para jovens problemáticos durante dois anos, na tentativa de cessar para sempre a sua ligação a Tyler, The Creator e companhia na fase mais decisiva da carreira, e que antecedeu a edição de Doris, o álbum de estreia.

Apesar de ser um dos artistas mais low profile da sua geração, nem o afastamento da câmaras ou das redes sociais faz com que os fãs percam o seu rasto. Na Red Bull Radio é possível escutarmos mensalmente os ambientes sónicos pelos quais a mente do rapper e produtor viaja, bem como um ou outro tema inédito, através da rubrica Earl Sweatshirt Stays Inside, na qual conta pontualmente com a companhia de outros artistas — Solange Knowles marcou presença num episódio especial em Setembro. A conta de important_man464, no SoundCloud, serve de depósito para algumas faixas soltas que se vão acumulando nos arquivos e também para partilhar as vozes e produções emergentes da cena norte-americana que o seduzem — Westside Gunn, MIKE, Standing On The Corner ou Mach-Hommy são alguns dos artistas que levaram o co-sign de Earl, este último que já conta com várias batidas assinadas pelo artista ex-Odd Future no seu portefólio. Os leaks — maioritariamente gravações de pedaços de concertos seus — também estão na ordem do dia e somam números impressionantes se pensarmos na fraca qualidade com que são apresentados. Veja-se o caso de “Hat Trick/Human Error“, que soma milhões de reproduções pelas várias plataformas nas quais se encontra espalhado e foi até “matéria de estudo” dos fãs mais aguerridos no Genius, com o verso do rapper a ser consultado por mais de 20 mil vezes. De forma mais tradicional — embora sem grandes alaridos — Earl lançou “Solace” um par de meses após IDLSIDGO e abordou vários dos problemas que o arrastaram para baixo e que lhe retiraram a vontade de viver. “Balance” saiu em 2016 e tem produção de Knxwledge, um dos singles da série anual curada pela Adult Swim. No capítulo das colaborações, Earl contracenou com Samiyam, Danny Brown, The Alchemist ou Vince Staples — este último foi responsável por fazer chegar recentemente mais um snippet às malhas da Internet graças a “New earlsweatshirt”.

 



Mesmo com os primeiros dois avanços de Some Rap Songs a circular nas plataformas de streaming — “The Mint” e “Nowhere2go” entram nas contas do seu terceiro disco, que sai já na sexta-feira — é ainda complicado perceber o que Earl vai trazer para a mesa no tão aguardado terceiro longa-duração. Mesmo assim, as previsões são boas: The Alchemist — que é apontado como possível colaborador em SRS — já confirmou no Twitter que estamos prestes a poder ouvir uma “obra-prima”. Uma coisa é certa: a música de Thebe Kgositsile sofreu uma nova mutação, muito graças ao círculo fechado de mentes criativas no qual se tem inserido, maioritariamente composto por alguns dos mais irreverentes talentos a surgir no panorama do hip hop norte-americano. No campo das palavras, haverá certamente muita energia nele depositado, já que o disco serve como encerramento para um dos capítulos mais importantes da sua vida e terá Earl a pronunciar-se pela primeira vez acerca da morte do pai ou da situação política e social vivida nos EUA.

Em “Nowhere2go” aponta MIKE e Knxwledge como algumas das companhias mais regulares, bem como Sage (aka Navy Blue) e Sixpress (aka Adé Hakim), dois artistas em destaque nos singles já revelados de Some Rap Songs. No primeiro avanço, Earl abraça de novo a vida e sublinha o amor que tem recebido nestes últimos anos em que esteve mais silencioso. O corte e costura de Adé Hakim esborrata por completo o sample escolhido para a batida e cria uma sublime cama de trap, possibilitando a que a voz do rapper nos ofereça a sua própria versão do tão popular mumble rap, num flow monótono e movido exclusivamente a tercinas. Produzido por Black Noi$e, “The Mint” adopta um registo mais próximo daquele boom bap nefasto e a baixas rotações que IDLSIDGO trouxe e tem o multifacetado skater Navy Blue nas rimas, assinalando a primeira colaboração de sempre entre dois amigos de longa data.

Neste momento, Some Rap Songs encontra-se em pré-venda e há uma página Wiki que avançou o alinhamento completo do álbum e algumas das colaborações. Embora estas informações careçam ainda de uma validação oficial, destacam-se as plausíveis presenças de Adé Hakim, Navy Blue, Darryl Johnson e Gio Demarcus no disco, todos eles peças elementares na nova vaga de produtores de Brooklyn e associados ao super-colectivo Standing On The Corner, que assinou o genial Red Burns no ano transacto. Demarcus, também conhecido como Gio Escobar, é o parceiro de Earl na segunda temporada do seu programa na Red Bull Radio. Se tudo correr conforme esperado, SRS não cairá em saco roto e Thebe Kgositsile desafiará, novamente, os standards da actualidade, disposto a trazer novas fórmulas de como fazer rap para cima da mesa.

 


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