Pontos-de-Vista

Vítor Rua

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Neste seu trabalho 20.000 Éguas Submarinas, Rui Reininho conseguiu criar uma obra que ficará na história do rock produzido em Portugal.

É o Scott Walker?… Não!… É o David Bowie?… Não!… É o Super-Reininho!

Rui Reininho iniciou — já há uns bons 13 anos — uma carreira a solo singular no panorama musical português, com a edição do CD Companhia das Índias.

Esta pandemia parece ter caído bem a Reininho, especialmente na sua perspicácia a unir-se ao músico e produtor Paulo Borges, revelando-nos um rasgo de originalidade musical rara nos tempos que vivemos.

Outros músicos de qualidade foram convidados a colaborar nesta obra-prima.

Mas… recuemos um pouco na história da vida de um dos mais originais músicos da pop portuguesa.

A maior parte das pessoas — mesmo os que julgam conhecer bem o trabalho de Reininho! –, esquecem-se do seu passado! E esse passado explica o presente actual!

Para quem julga que a cena musical do Reininho tem início nos GNR, está errado.

Rui Reininho é convidado nos anos 70 a integrar o grupo Anar Band de Jorge Lima Barreto.

Com esse grupo dá concertos em importantes festivais nacionais e internacionais, acabando posteriormente em finais de 1970 a gravar um LP que viria a tornar-se num marco da música experimental em Portugal.

Antes de integrar os GNR, e numa altura em que o rock em Portugal era ainda muito naïf, Reininho cria os Atitudes, que era um grupo de art-rock, que estava muito à frente do que se fazia então em Portugal.

Assim, quando o Rui Reininho é convidado a integrar os GNR, já vinha com todo um background que nenhum dos outros GNR teria nessa área, sendo ainda um performer de altíssima qualidade.

No início dos anos 1980 vai estudar cinema para Lisboa, o que acaba por vir a ajudar a subir o nível da qualidade dos vídeos em Portugal, criando um guião para os videoclipes “Hardcore” e “Slow Que Veio Do Frio dos GNR.

Durante mais de quatro décadas de Reininho com os GNR, surge um movimento de fãs que o acarinharam e acarinham nos seus momentos mais pop (por vezes comercial), que conquistou ao longo da vida musical com êxitos como “Pronúncia do Norte“, para dar só um exemplo.



Mas o que aconteceu no passado a Reininho com a sua colaboração com os Anar Band, ou o seu projecto Atitudes, que eram grupos marginais e com um público fiel mas reduzido, parece estar a acontecer de novo, com a edição do seu último CD – que me foi dado a conhecer pelo meu grande amigo e extraordinário músico, Bernardo Devlin, intitulado 20.000 Éguas Submarinas.

Agora que volta a criar uma obra que é, com toda a certeza, uma das dez mais importantes da pop realizada em Portugal, eis que não ouvimos passar este disco nas rádios, não vemos nada na TV, e muito pouco nos jornais ou outros media.

Parece que se levantou uma censura em volta deste seu trabalho!

Ou então temos de ver a situação de outro ponto de vista: Reininho criou uma obra não para os seus fãs, mas para ele próprio, e para a sua carreira musical, e ao fazer isso afasta-se do gosto vulgar mais colado a uma certa pop mais comercial.

É injusto? É! Muito! Quase obsceno! Mas, simultaneamente, esse simples facto faz com que esta tentativa de branqueamento de uma obra-prima acabe por transportar Reininho, para um patamar musical muito mais elevado, de tal forma que os que o seguiam ficaram presos no passado, incapazes de entender o lirismo poético e surreal deste disco, enquanto o próprio viveu este tempo presente para concretizar algo do futuro.

Mas regressemos de novo brevemente ao disco: a poesia de Rui Reininho neste CD volta a encantar-nos — como o fez no tempo de Independança –, valendo por si própria (relembrar que quase todos os poemas do LP Independança fazem parte do livro de poesia de Reininho, intitulado de Sífilis Versus Bílitis, editado pela &etc).

Musicalmente falando, este trabalho de Reininho remete um pouco para o último trabalho de Bowie antes da sua morte, e a Scott Walker, mas reduzir esta obra a influências seria injusto, até porque em todo o CD sente-se a presença do experimentalismo que Reininho já tinha observado em estúdio aquando dos Anar Band, ou seja, uma idiossincrasia que já é só sua, e existe ao longo do disco toda uma paisagem sonora, que estende a carpete vermelha para a sua voz “crua e nua”. 

Esta surge-nos como poesia concreta (como já o tinha feito em “Avarias” dos GNR), e num spreschgesang do melhor que Reininho fez nas últimas décadas.

Uma possível crítica poética a este magnífico CD de Reininho, bem poderia ser algo deste teor:

“A nave 20.000 Éguas Submarinas beijou languidamente a superfície do planeta ‘Reininho’.
O oiro do rio cravejava  em mil estrelas o firmamento da ramagem; raios de vento solar 
agitavam os anéis refulgentes da água, argênteos cometas sopravam nas spoken word do veludo das folhas.
Cada cintilação era relativa a um som específico no radar mental.
Muito longe, a neblina de Betelgeuse, quase uma ópera silenciosa; além, Aldebaran, 
mais próxima e intensa, chispando clusters de saxofones, trompetes e trombones; com um ruído fantástico, a fosforescente Alfa Centauri; 
deleitou-se com a energia sónica radioforme do frutedo de Cassiopeia em taças tibetanas; 
mini-relâmpagos alumiavam o líquido Orion num som estrídulo percussivo e contínuo de sintetizadores analógicos.
Ouvia-se o chocalhar do rio na sua curva de Via Láctea, rasgando a vegetação atonal; a nebulosa magalhânica das copas;  
o estampido duma super nova ofuscante; seguiu-se um vazio silêncio que cegava… depois… misticamente… glissando e, 
súbita agitação das folhas audiovisuais prenhes de seiva.
Ouviu-se uma gama entre sons infra e ultra, raios resplandecentes de Animais Errantes,
Impulsos sonoros analógicos variáveis , cordas eléctricas sibilantes.
Na perspectiva textural, uma corola, Tau Ceti, roçava em elipses as pétalas de Andrómeda; 
pressentiu-se o explodir microacústico dum planetóide alojado numa semente;  
a queda asa delta amarela dum meteoro arpejado vindo do topo da árvore dissonante que ao poisar no solo levantou poeira sideral.
O concreto e o imaginário; mais longe até a vista ficar louca de som imenso: o Sol, que naquela manhã embebedava de radiações audioextravagantes… 
e nos confins da Galáxia, entre os sons da Natureza – uma melodia arcaica de uma voz a esvair-se…
‘Música!’- o Humano não estava só no Universo…”

Para finalizar, há que dar também os parabéns a Paulo Borges, e a todos os músicos que colaboraram neste trabalho, mas especialmente a Rui Reininho, por ter tido a visão de se reconciliar com o seu passado, oferecendo-nos o futuro.


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