LP / Digital

Duval Timothy

Meeting with a Judas Tree

Carrying Colour / 2022

Texto de Rui Eduardo Paes

Publicado a: 22/11/2022

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Há dois planos que se cruzam e mesclam neste novo álbum de Duval Timothy, poliartista originário da Serra Leoa que no Sul de Londres vem contribuindo para uma cena em que jazz, electroacústica experimental, ambientalismo e lounge music cada vez mais se interpenetram e confundem. E ambos esses planos são algo mais do que parece, definindo uma presentificação das coisas do mundo por via do som que passa por uma descorporalização das funcionalidades.

Num está o factor piano: são vários os pianos utilizados ao longo das gravações, em diversos estados de conservação, incluindo um de parede que já não tem feltros nos martelos devido à humidade. À tal diversificação de sonoridades são adicionados processamentos, delays, loops, de tal modo que outros pianos se ouvem, subterraneamente, para além daquele que conduz as harmonias e as linhas melódicas, fazendo com que o todo (um todo em que participam uma guitarra eléctrica, um contrabaixo, sintetizadores e manipulações de computador, com contribuições de Yu Su, FAUZIA e Lamin Fofana) como que flutue, cada peça existindo em transitoriedade, com a soma a convidar-nos a um repeat quando o álbum termina, pois não há propriamente início ou fim, apenas um eterno “durante”. O melancólico durante do presente, de um presente que é igualmente passado e futuro. Nada há de urgente aqui; o que há é um estar, um anti-essencialismo do ser. A música de Duval Timothy não é, está, e isso implica toda uma visão pós-humanista que na música vem dando bons frutos nestes últimos anos. 

O segundo factor é introduzido pelos field recordings que Timothy realizou nas suas viagens pelo planeta, em busca de uma ainda intocada natureza. Este é um disco habitado por seres vivos, insectos, pássaros, macacos e, sim, árvores, árvores que são questionadas na sua mudez. Parte de Meeting with a Judas Tree é resultado de uma residência artística, realizada em 2021, em Spoleto, Itália, tematizada em torno da ideia de criação (ou melhor, de escuta aprofundada) de um “Canto da Terra”, com referência em Mahler e, particularmente, no seu Das Lied Von Der Erde. O imenso trabalho de montagem desta obra não nos remete para o estúdio e a tecnologia, mas para a floresta. É um factor processual, mas colocado ao serviço de uma nova interpretação da paisagem natural. A paisagem é interiorizada, deixa de ser um fundo para ser um vago e onírico, mas total, ensimesmamento, como está bem claro na belíssima faixa que é “Mutate”.

Esse ensimesmamento é, só podia ser, contemplativo, mas não como se o mundo e o observador fossem entidades distintas. O mundo está dentro de quem observa, assim como este é o mundo. É uma utopia que se configura neste disco, e que bom é, em tempos tão revoltos e cinzentos, haver espaço ainda para imaginarmos outros possíveis.


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