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Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 27/04/2022

Quem canta com seus males dança.

Duda Beat no Capitólio: o empoderamento que reside em ser-se completamente transparente

Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 27/04/2022

Há muito que Duda Beat dominou a arte de mostrar que há força em se ser vulnerável e que não deve existir vergonha de se sofrer por amor. Afinal de contas, é uma experiência universal. E para evidenciar que lá no fundo todos estamos a viver a mesma vida, ou, pelo menos, a partilhar algumas nuances da mesma, a artista voltou na passada sexta-feira a Portugal para mostrar que ainda sente muito, com o seu novo álbum Te amo lá fora, a um Capitólio quase lotado e desejoso de bradar aos céus tudo o que nos apoquenta. 

Na presença de saudades de uma sala repleta de gente com caras despidas e sorrisos estampados no rosto, este concerto trouxe uma mudança anunciada, pois coincidiu com o anúncio da não obrigatoriedade de usar máscara em espaços fechados. Assim, ainda antes de qualquer presença, a atmosfera sentida na sala emanava entusiasmo, envolto em calor humano e um sentimento de comunidade quase palpável, com um público claramente devoto — na sua maioria constituído por pessoas brasileiras — que ansiava a chegada da proclamada “rainha da sofrência pop”. E mais que prontos para uma purga de sentimentos misturada com samba no pé.

E quando a própria pisou o palco, estilo guerreira intergaláctica sensual, coberta de cristais que realçavam a sua forma, foi anunciada a abertura do confessionário, ao som dos maiores gritos de elogios e exaltação e algumas lágrimas de felicidade. 

O mote foi dado com o tema “Tu e Eu”, seguido de “Chega”,  que terminou com a artista a elogiar o que mais se sentia: uma “vibe incrível”. E era recíproco, tendo a própria confessado uma das grandes razões para tal: “Da outra vez que vim eu queria cantar aqui e hoje, gente, estou aqui… que delícia. Muito obrigada”.

Após a interrogação retórica “vamos continuar o show?”, ela fê-lo suficientemente alto “Pro mundo ouvir”, nome da seguinte faixa apresentada, que antecedeu várias favoritas do público: ”Nem um pouquinho”, “Game”, “50 meninas” e “Decisão de te amar”, todas do seu mais recente álbum, ao som das quais mostrou alguns dos seus dotes para a dança, para deleite dos presentes.

As interacções com o público foram alguns dos momentos altos deste espectáculo, reforçando a ideia de que ninguém se estava a confessar sozinho. Enquanto Duda Beat desabafava, utilizando as suas músicas como veículo, a plateia acompanhava-a com uma onda de compreensão, que lhe chegava por meio de cânticos em uníssono, abrindo o à-vontade para sofrerem as suas dores em conjunto. Em tom de resposta, também os tempos entre as faixas eram utilizados para conversar sobre os mais variados assuntos, como se estivéssemos a beber um bom vinho com uma amiga próxima num bar.

Estes momentos abriram alas para a epítome dessa troca com a música “Bolo de Rolo”, em que o público se manifestou especialmente, cantando a plenos pulmões com ênfase na frase: “eu não vou buscar a felicidade em mais ninguém”. A artista admitiu amar este tema por se tratar de uma música que fala de empoderamento, assim como todo o seu repertório — na sua opinião. Honrando esse facto, seguiu-se um discurso de trazer qualquer um às lágrimas: “Se puderem levar alguma coisa deste concerto, lembrem-se que têm que se pôr em primeiro lugar. Confiem em vocês que vai dar tudo certo, eu tenho a certeza disso”. E espelhando a plateia, também a cantora se emocionou.

Sabendo que arte é política e também o amor o pode ser, houve ainda o já esperado comentário “Fora Bolsonaro”, pelo meio de cânticos da plateia, que terminou com o gesto de L de Lula levantado pela artista, depois da entrega das faixas “Bédi Beat” e a sua colaboração com ANAVITÓRIA, “Não passa vontade”.

Mostrando a prevalência de este ser um concerto honesto e íntimo, mesmo que perante uma sala cheia, Duda Beat apresentou “Todo o Carinho”, faixa que revelou ter voltado a adicionar à sua setlist, por ser uma das mais pedidas em todos os seus espectáculos no Brasil. Numa das partes mais ternurentas deste espetáculo, descrito pela artista como “o momento para dar aquele beijinho”, fomos envolvidos num hino aliciante, que expõe uma reflexão sentida sobre o desgastante que é para uma romântica incurável viver numa era de constante desapego. Assim, a sala uniu-se numa só voz para repetir o mantra “todo o carinho do mundo para mim é pouco”, embora ali se sentisse em abundância.

Ainda a absorver essas vibrações e com certeza contente por ter adicionado de volta esta música à setlist, a cantora admitiu que adorava o disco de onde esta faixa foi retirada, Sinto Muito, e que se torna cada vez mais difícil escolher quais músicas apresentar ao vivo: “Eu queria cantar tudo, mas não dá, iam ficar aqui umas três horas”; e de certeza que os fãs permaneceriam, pelos gritos ouvidos aquando este desabafo.

O espetáculo continuou com “Back to Bad” e a bonita música “Tangerina”, que partilha com Tiago Iorc, não presente naquela noite, mas “substituído” por Felipe Vellozo, um dos integrantes da banda da cantora. Também nesta música enalteceu as suas duas companheiras em palco, Luiza de Alexandre e Camila de Alexandre.

Seguiu-se “Mais Ninguém”, uma faixa do disco novo “chique demais, pois solo de flauta não é para qualquer um não, desculpa” e “Meu Pisêro”, reconhecida pela própria como uma faixa que “todos estavam esperando”, que incendiou a sala e fez brotar um samba agressivo, agindo não só como hino de superação, mas também como marcação do início da parte final do espectáculo, onde reinou a dança, euforia, bandeiras levantadas e movimentos de funk.

Com vozes que quebravam de tanto gritar e ambiente de quem estava à espera de direcções da realeza, pudemos festejar ao som de  “Dar uma Deitchada”, a tão conhecida “Meu jeito de amar”, uma versão sertanejo da música “High By the Beach” de Lana del Rey, “Chapadinha”, e “Vem quente que eu estou Fervendo”.

Aproximando-nos do fim, Duda Beat falou sobre a sua visita a Lisboa e cantou a mais esperada “Bixinho”, que teve direito também à sua versão remix.

Poupando-nos ao suspense de um encore e para um último “tirar o pé do chão”, presenteou-nos com “Tocar Você”, nesta que foi a sua última música, numa atmosfera mais club

Com um colectivo vidrado no seu dom para falar de mágoa sem rancor e ainda fazer dançar até o mais destrambelhado dos pés esquerdos, a análise integral deste concerto resume-se a algo como um arrepio na espinha que chega à alma. 

Esta diva glamorosa, que parece saída de uma era vintage, conseguiu magicar uma fórmula que serve como antídoto para todos os males de alma de quem não tem medo de sentir. Aliado à sua arte e a tudo em que acredita, Duda Beat criou com o seu espectáculo um espaço seguro para todo o público, que, como afirmou, “faz completamente parte do show”. No qual se ouve o sentimento de pertença, onde não só há beleza na dor como também há dança e de repente encontramo-nos rodeados de amigos. E é preciso ter um dom especial para reconhecer que há sofrência em todos nós e que há algo de empoderador nisso. Embora amor possa ser força, ter a capacidade de sofrer por ele também é. 

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