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Fotografia: Paulo Xavier
Publicado a: 26/02/2019

Etéreo e sem fios a custo zero - 9 temas para colagem digital é o título do mais recente projecto de Nuno Vicente.

Dragão Inkomodo: “Tenho mais títulos do que músicas e mais capas do que álbuns”

Fotografia: Paulo Xavier
Publicado a: 26/02/2019

Etéreo e sem fios a custo zero – 9 temas para colagem digital saiu no final de Janeiro pela ZABRA records e é o primeiro trabalho de Dragão Inkomodo com a editora.

A capa do álbum, criada pelo artista, representa com exactidão as construções sónicas e os timbres que são ouvidos ao longo destes 9 temas para colagem digital. Não ligando de maneira óbvia este título a um conceito, o disco não é uma mera apropriação da ideia da colagem. A junção de vários elementos resulta, como nos confessa, num objecto original e estilisticamente seu, embora possamos encontrar paralelos em Aphex Twin ou Iglooghost, artistas que influenciam Nuno Vicente. A sonoridade paradoxalmente coesa e desfasada ao mesmo tempo define a estética pós-digital, do mundo virtual, dos “ismos” do presente e do futuro, numa expressão expansiva, distorcida e acutilante, mas por vezes melódica e mitigante.

Falámos com o Dragão Inkomodo sobre o seu processo criativo (e multidisciplinar), a produção de Etéreo e sem fios a custo zero – 9 temas para colagem digital e o futuro de uma carreira com quatro anos, mas já com uma discografia tão densa.



Saltam logo à vista os títulos tão descritivos do teu trabalho. Consegues falar-nos desta ideia que já tens vindo a desenvolver desde o início da tua produção?

Sempre achei — em especial na electrónica — meio aborrecidos e inócuos aqueles títulos vagos de uma só palavra, portanto optei pelo extremo oposto. Busco delinear algo mais específico que sirva como ponto de partida para a apreciação das faixas. Para além disso, encaro os títulos como uma forma alternativa de expressão literária, já que não faço canções.

Qual é a ideia por trás de Etéreo e sem fios a custo zero – 9 temas para colagem digital? E como se deu esta ligação com a ZABRA?

Comecei com a capa e fui tentando compor faixas que dialogassem com a colagem e que resultassem bem como um todo. Não é um álbum com um conceito muito definido, ou que tenha partido de uma ideia base, mas diria que acabou por ser sobre a relação com o virtual e a experiência estética que lhe é subjacente. Foi sobretudo um produto natural das sonoridades que andava a explorar na altura e que me interessavam compilar.

A ligação com a ZABRA deu-se espontaneamente também. É malta que já conhecia da ZigurArtists – com quem já tinha colaborado e lançado algumas coisas – e com quem convivo com alguma regularidade. Acompanho o projecto desde o início e já estava planeado desde cedo lançar com eles. Foi só uma questão de esperar pela altura certa

O João Pedro Fonseca conseguiu expressar muito precisamente a tua música e a estética que rodeia todos os 9 temas para colagem digital. Como o abordaste para este videoclip e porquê a escolha de “Da banda-sonora original dum conto sobre um homem que comete sempre duas vezes o mesmo erro”?

O João é responsável pela componente visual da ZABRA, portanto foi uma ligação natural. Para além disso, sou apreciador do trabalho dele há já algum tempo, e achámos que esta colaboração poderia ser interessante. A faixa em questão é, provavelmente, a mais agressiva e “directa” do álbum, portanto pareceu-nos resultar bem como single.

Toda esta ideia de colagem, de sampling do digital, está muito presente no teu trabalho. Fala-nos um pouco do teu processo de criação.

O sampling sempre teve um papel muito importante para mim na produção. Interessa-me a reapropriação de sons, que muitas das vezes servem de ponto de partida para uma faixa. Para este álbum, no entanto, só recorri a samples para a percussão, sobretudo. Tudo o resto foi maioritariamente composto por mim em sintetizadores virtuais no Ableton, fora algumas excepções. Como a capa já é uma colagem, não quis ir pelo caminho óbvio de compor músicas que fossem demarcadamente colagens, e tentei explorar a ideia de sintetizar algo original a partir de um objecto que fosse [uma] amálgama de várias coisas.

Certamente tens um método de produção veloz, considerando a quantidade de música já lançaste. Tens essa necessidade de fazer muita coisa em pouco tempo?

Tento compor diariamente. Como nem sempre consigo fazer coisas que me soem bem, ocorre com frequência começar no Ableton e acabar no Photoshop a fazer capas de álbum ou a escrever títulos num caderno. Tenho mais títulos do que músicas e mais capas do que álbuns, e acabo por recorrer a essas ideias como ponto de partida para um conceito que queira explorar.

Como difere o tipo de trabalho que realizas para ti próprio do que realizas, por exemplo, a acompanhar as Terças de Poesia Clandestina, no Desterro?

É bastante diferente da forma como habitualmente trabalho. É um exercício de diálogo com a poesia, em que acabo por me expressar de forma mais subtil e contida, para dar foco à leitura. Nas Terças estou sobretudo a improvisar em tempo real a partir de loops que preparo previamente, e que vou adaptando de acordo com a programação das leituras. Tem sido muito enriquecedor e fez-me ganhar interesse em explorar sonoridades mais próximas do ambient.

Dá para sentir algumas influências, mas tens claramente um conjunto de ideias muito tuas. Para que referências – musicais ou não – apontas na tua criação?

Sou um ávido consumidor de música, portanto as minhas influências acabam por estar espalhadas por todos os géneros. Dentro da electrónica as mais óbvias serão provavelmente Aphex Twin, Autechre, Oneohtrix Point Never, SOPHIE e Iglooghost. Noutras andanças, sou grande fã dos Animal Collective e dos Deerhoof, e acho que essas talvez sejam as referências fora da electrónica que mais pesam na minha criação. Quanto à literatura, ultimamente tenho-me interessado muito por realismo mágico, e destaco o Jorge Luis Borges e a banda desenhada do José Carlos Fernandes como referências principais.

Com que artistas gostarias de trabalhar futuramente? Quais são os planos do Dragão Inkomodo?

Ando com vontade de fazer algo mais próximo do hip hop, e tenho andado a fazer umas experiências com o Wugori, que é um amigo que já conheço desde os tempos do secundário e que anda a lançar coisas muito interessantes.

Fora isso, tenho um álbum meio ambient/drone praticamente acabado que espero lançar em breve, e um conceito para uma série de EPs que ando a desenvolver.


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