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Publicado a: 10/06/2015

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Existem discos que inevitavelmente respiram uma atmosfera peculiar, quase difícil de decifrar. Mas por vezes esses exemplos são aqueles que após ultrapassada a estranheza, tomam de assalto um lugar de permanência no nosso quotidiano. Days With Dr. Yen Lo ilustra esta descrição, comprovando tratar-se de um dos mais bizarros objectos do rap em 2015. Felizmente não vive sustentado nessa mera condição e adianta uma mão cheia de motivos para olhar este duo de Brooklyn com maior atenção. Afinal este é já o terceiro disco do rapper Ka e do produtor Preservation, quebrando um penoso silêncio de largos anos. Haja celebração, portanto.

De entre as muitas peculiaridades que saltam daqui, poder-se-ia começar pelo registo flat pouco habitual na esfera do rap (Rain in England de Lil B continua a ser um monumento neste campo). Onde se poderiam esperar batidas fortes e marcadas, surgem discretas percussões – e tantas outras sugeridas – como quem pretende incluir o ouvinte numa audição activa. Uma táctica talvez pouco apelativa no imediato, porém detentora de um magnetismo crescente em termos de narrativa. Neste aspecto, em muito se deve o discurso de Ka, disseminando estórias e divagações de uma Nova Iorque nocturna perdida em si mesma, iluminada pelas suas próprias luzes e com a Lua bem ao alto a observar o que se move lá em baixo. Trata-se então de um cenário de late night rap no seu melhor, pleno de imagens emprestadas de um film noir (atente-se ao nome do duo e isso explicará algo mais) que provavelmente nunca existiu. Ou não, pois dada a vida real de Ka enquanto bombeiro veterano na Grande Maçã, este facto apenas lhe confere um lado de “experiência de saber” perfeitamente aplicável à sua arte de observar/pensar/declamar.

Cultivando um clima de paranóia e tensão patenteado na obra de Mobb Deep, Gravediggaz ou Black Moon, a economia de recursos rítmicos de Preservation sobressai com nota francamente positiva uma vez que envolve num manto ora espacial, ora enigmático, a voz e as palavras de Ka. De uma perspectiva geral, trata-se de um álbum que conhece o seu propósito, buscando e alcançando canais consistentes para se expôr. Evita acima de mais o lugar comum e mantém-se fiel a uma honestidade brutalmente bela. Longe de se afirmar como obra essencial, é todavia uma descoberta bastante digna de acontecer e de partilhar. E sejamos francos: não proliferam discos desta estirpe por aí.

 

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