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Publicado a: 10/05/2017

Douglas Dare: “Já tentei pôr-me em cima do piano e tocá-lo ao contrário”

Publicado a: 10/05/2017

[ENTREVISTA] Rui Miguel Abreu [FOTO] Sunny Lau

Douglas Dare vai estrear-se em Portugal já esta sexta-feira, dia 12, num concerto muito aguardado que terá lugar no Theatro Circo, em Braga. O pianista e cantor que na recta final do ano passado editou o segundo álbum, o aplaudido Aforger, na conceituada Erased Tapes que também edita Ólafur Arnalds ou A Winged Victory for The Sullen, aceitou o desafio de deixar que o pensamento o conduzisse perante o estímulo de oito palavras escolhidas de acordo com a sua música, profundamente melancólica, que cruza o universo da música erudita clássica e da electrónica contemporânea, evocando nomes como James Blake ou Thom Yorke, mas impondo uma aura particular logo que se cede à imersão nas suas profundas canções.

 


[AMOR]

“Bem, quando comecei a escrever canções, eu tentava evitar o assunto “amor” por uma razão: parece que existem tantas canções sobre amor. Eu evitei isso no início porque eu queria desafiar-me e escrever algo diferente. Mas, de cada vez que me decidia a escrever, o amor aparecia naturalmente. Não conseguia evitá-lo. E eu sempre amei escrever sobre interacções humanas e histórias bastante pessoais, não necessariamente sobre mim, mas histórias sobre pessoas sempre foram uma grande inspiração para mim. O amor aparece sempre nessas histórias e eu evitei-o muitas vezes. No entanto, acaba sempre por ser parte da minha música, de qualquer das formas. Não o posso evitar.”

 


[SAUDADE]

“É uma ideia interessante. Eu realmente gosto dessa ideia. Eu penso que grande parte das vezes isso acaba por fazer parte das coisas que escrevo. É difícil colocar em palavras porque é uma ideia tão ampla. Existem canções minhas que falam sobre esse assunto, sobre esse “longing”. Uma canção intitulada “Swim”, do meu primeiro álbum, é sobre um homem. Ele é um homem idoso numa relação muito duradoura com uma mulher. Ela morreu antes dele e ele ficou sozinho sem ela. Ele disse que estava apenas à espera de morrer, mas não foi de uma forma sombria, antes de uma forma bela. Esperar pela morte para que possa estar com a mulher que ele ama. Isso foi inspirado num artigo que eu li sobre um casal que esteve casado durante 60 ou 70 anos. A vontade de estar com essa pessoa novamente era muito forte. Penso que se encaixa bem nessa ideia que me descreveste…”

 


[FAMÍLIA]

“Como disse anteriormente, eu tentei evitar assuntos pessoais pelas mais variadas razões. No meu último trabalho, eu senti que tinha de escrever sobre o meu pai e a relação que temos. Inicialmente, o álbum ia ser sobre o homem na história, o homem na minha vida, o homem na ficção, o homem na vida de outras pessoas, e esse era o conceito pensado inicialmente para o projecto. O álbum acabou por se tornar sobre outra coisa, mas a canção “Oh Father” ficou como uma parte importante. Tentei escrever uma canção sobre a relação com o meu pai anteriormente, mas nunca funcionou da melhor maneira. Deitei um monte de ideias fora, mas esta canção correu da melhor forma e foi muito difícil incluí-la no alinhamento no início. Eventualmente, eu fui capaz de me reconciliar com o meu pai. Pode não ser óbvio na canção que nós não temos uma boa relação em certo ponto e que ele não aceitava o meu estilo de vida, mas nós fizemos as pazes e eu fui capaz de incluir essa canção no álbum e encontrar uma certa paz no que a esse assunto dizia respeito. Eu não teria sido capaz de incluir esta canção sobre a minha família se não estivesse tudo resolvido.”

 


[VIAJAR]

“Existe uma série de pontos positivos e negativos em estar na indústria musical e, certamente, viajar inclui ambos. Existe um conjunto de sítios em que estive e onde poderia não ter estado de outra maneira. Nos meus primeiros anos na música, eu estive em 25 países diferentes, o que foi incrível e tem continuado a crescer. E eu amo isso. Mas ao mesmo tempo, tu não podes passar muito tempo lá e, quando passas muito tempo fora, podes arruinar a tua vida pessoal. Inspirou-me de várias maneiras: quando fui pela primeira vez em digressão para os EUA, a minha relação em casa sofreu bastante, mas inspirou muito material. Eu não queria que isso acontecesse, mas inspirou-me muito. Eu escrevi uma canção, “New York”, que está no meu mais recente trabalho, e no meu primeiro álbum existe uma faixa intitulada “Nile” e também “London’s Rose” que são temas inspirados por lugares, pela história. Eu vivo em Londres e sinto-me bastante inspirado pela cidade. Eu fico genuinamente inspirado pelas cidades e viajar é um bónus para mim. Por isso vai ser bom conhecer Braga e Portugal.”

 


[ESTÚDIO]

“Eu tenho que ser honesto: o processo de gravação não é a minha parte favorita de fazer música. É algo que ainda estou a aprender e ainda estou a aprender a melhor maneira de fazê-lo para mim. Eu não sinto que percebia a melhor maneira para desfrutar disso e tirar o melhor do meu trabalho. No entanto, já tive muitos momentos no estúdio que foram verdadeiramente excitantes. Há momentos em que dizes ‘vamos experimentar isto duma maneira completamente diferente’ e podes fazê-lo e os resultados podem ser incríveis. Eu amo a experimentação porque vais para o estúdio com uma canção terminada e toda trabalhada e vais para lá e podes brincar com ela. Acho excitante quando resulta, mas quando não resulta pode ser bastante chato. Pode abrandar-te, pode fazer com que percas a orientação e é bastante stressante. Estou muito tentado a gravar ao vivo no futuro. É algo que nunca fiz antes e sinto que gostava de tentar fazer isso a seguir, porque as últimas experiências foram mais ou menos, mas, no geral, não cai bem com a minha sensibilidade.”

 


[ELECTRÓNICA]

“Eu gosto realmente de música electrónica. Eu nunca soube muito sobre gadgets e sintetizadores e essas tecnologias e o meu produtor Fabian, que também é o meu baterista e trabalhou comigo nos dois álbuns, também não. Nenhum de nós é um génio quando falamos em utilizar sintetizadores ou electrónica. Mas acho que isso funcionou como uma vantagem: nós não abordamos essas ferramentas da mesma maneira que as pessoas que percebem de synths e software o fazem. Nós fazemo-lo duma forma experimental e nós experimentamos coisas diferentes, talvez de uma forma mais intuitiva. Talvez a gente cometa muitos erros, mas nós não sabemos que são erros, por isso usamos o que gostamos. E penso que essa é uma boa maneira para fazer as coisas. Quando sabes muito sobre o assunto, acabas por repetir algo que outros fizeram ou algo que tu já fizeste. E eu não quero fazer isso. Por ser muito inspirado pela música clássica, é muito bom casar os dois: eu amo os sons acústicos adicionados à electrónica. Eu amo isso verdadeiramente.”

 


[PIANO]

“Eu estou apaixonado pelo piano. Quer dizer, quando comecei o álbum mais recente, por mais que amasse o piano, eu estava obcecado com a ideia de não repetir o meu primeiro trabalho. Eu disse ‘eu não quero ter piano neste álbum ou então o mínimo possível’, por isso escrevi com instrumentos que não eram o piano.  Eu tentei evitá-lo de certa forma, mas eu rapidamente percebi que não deveria evitar algo que é tão natural para mim, e que deveria deixar o piano envolver-se se era essa dessa forma que deveria ser. Eu adoro realmente o som do piano. Eu penso que é intemporal e tu consegues fazer tanto com ele. Às vezes, porque eu conheço o instrumento tão bem, eu tendo a fazer as mesmas coisas. Eu estou sempre a tentar tocar de forma diferente, a simplificar as coisas ou tentar coisas diferentes em diferentes géneros quando estou no piano. É bastante fácil para as minhas mãos seguirem a mesma direcção todas as vezes. E eu não quero fazer isso. Eu sempre amei o instrumento, mas às vezes desejava não saber tocar para começar tudo de novo. Eu até tentei pôr-me em cima do piano e tocá-lo ao contrário. Os grandes artistas utilizaram o piano de diferentes maneiras. Tu podes ter um piano preparado com diferentes objectos lá dentro para mudar o timbre, mas eu não estou interessado nisto. Eu quero tocar diferente. Fico sempre fascinado ao ouvir outros pianistas.”

 


[VOZ]

“Eu conheço esse feeling de quando nos ouvimos e não soamos como nós pensávamos – e algumas pessoas não gostam do que ouvem quando se escutam a si mesmas. Recentemente, encontrei umas cassetes de umas gravações que fiz quando tinha 14 anos e a minha voz ainda não estava estabelecida, o meu pitching era terrível, o meu tom era realmente forçado e eu cantava com um bocado de sotaque americano. Senti-me desconfortável a ouvir. Realmente não gostei. Foi até chegar à universidade –  quando tinha 18, 19 ou 20 anos – que comecei a cantar muito mais e comecei a ficar confortável com a minha voz. E ainda estou a aprender e acho que a minha voz está melhor porque agora, quando a gravo, acho que está muito boa. E eu nunca pensei que estava muito boa antes. Fico muito orgulhoso da minha voz. Muitas das vezes as pessoas falam de mim enquanto pianista e eu penso que uma das razões para simplificar mais o piano é porque quero que a minha voz seja mais a plataforma. Pretendo desafiar-me mais com a minha voz. Sim, eu gosto bastante da minha voz agora. Estou interessado em ver como vai mudar. Sou fascinado pela Joni Mitchell: ela bebeu e fumou toda a vida e aquela bela voz angelical soprano tornou-se naquela em voz rouca, quase tenor. E eu amo isso. Penso que funciona da mesma forma que as rugas na cara que contam uma história. Uma voz envelhecida também é bastante bonita. “

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