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Publicado a: 18/01/2018

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dopefinest

[TEXTO] Moisés Regalado

Antes de mais: que razões nos levariam a escrever sobre um disco editado em Março do ano passado? Simples. Porque, dez meses depois e feito o balanço anual, se revelou como um dos melhores projectos de 2017. E porque ainda há muito a dizer sobre este EP, tendo em conta os números modestos que soma entre SoundCloud e YouTube. Tudo começa na coerência e consistência apresentadas por Jackcrack e Dwó, responsável por todos os instrumentais. O projecto soa uniforme graças a uma produção característica, diferente da estética de qualquer produtor português, e a uma excelente abordagem por parte do rapper.

Apesar de toda a singularidade, é possível encontrar paralelos com o rap que por cá se fazia no início da década — aparentemente surgidos do nada, Jackcrack e o seu Scopolamina parecem ser a evolução natural da nova escola de 2010. Essa geração, ainda representada por nomes como ORTEUM ou Nameless, foi a primeira a ter o rap nacional como principal referência, numa altura em que o acesso ao mercado internacional também se democratizou.

Os novos flows e a melhor métrica do momento não dependiam necessariamente da mistura e masterização. Mais do que agora, era comum que os novos MCs da altura tentassem evoluir publicamente através de maquetes, antes de qualquer ambição audiovisual ou comercial (que, de resto, não se julgava realista). A comparação com Jackcrack e com DopeFinest, não estando relacionada com os aspectos técnicos do amadorismo, prende-se sobretudo com o espírito competitivo mas comunitário assumido ao longo das 8 faixas de Scopolamina (José Cláudio Brás toma as rédeas da faixa-bónus).

Como em Regula ou Blasph, as dicas e as punchlines, raramente acessórias, servem de igual forma a entrega e o conceito, quase sempre associado ao ego e à construção da persona — que aqui será Jackcrack, “ácido em pessoa”. Evitando temáticas demasiado óbvias ou lineares, o MC dá-se a conhecer entre dicas e sem qualquer tipo de pudor aparente. Como bom exemplo de “rap para rappers” que é, as dicas são gráficas q.b., mas apenas se interpretadas para lá do explícito. Uma viagem potenciada de forma sublime pela produção pesada e ambiental de Dwó.

A música da dupla segue um fio condutor que passa sobretudo pelas convicções de um Jackcrack altamente influenciado por memórias e experiências, mas também por conflitos mais transversais: “Porcas dão jeito: necessidade fisiológica/Já o conceito: irrita a minha mente lógica”. A preocupação com o equilíbrio entre escrita e técnica denuncia-o como um ouvinte que não será de todo alheio às dinâmicas do rap — “Achas que falar de drogas e de álcool não faz sentido? Sou real, vou rimando sobre o que tenho vivido”; “Mas que não se pense que eu sou indefeso/Ou que eu não pertenço a quem vence/Ou que não penso na métrica”.

Poucos terão conseguido terminar o ano com um novo trabalho tão coeso e diferenciador, apesar de fiel a uma matriz que já foi dominante na cena independente de Portugal. Quanto a DopeFinest, ou Jackcrack e Dwó, é de realçar o facto de se tratar de uma estreia. Enquanto o tempo não desvenda pormenores sobre o seu possível regresso, resta ouvir, conhecer e dar a conhecer Scopolamina, um disco com merecido lugar na história recente do hip hop nacional, resultado da parceria entre dois artistas que certamente terão algo a dizer no presente do movimento.

 


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