LP / CD / Digital

DOMi & JD BECK

NOT TiGHT

APESHIT / Blue Note / UMG / 2022

Texto de João Spencer

Publicado a: 23/12/2022

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A estreia em longa-duração é deste ano, mas a teclista francesa DOMi Louna e o baterista americano JD BECK já andam a deslumbrar meio mundo em conjunto desde 2018 – isto, claro, sem considerar os seus primeiros passos a título individual, altura em que já despertavam a atenção de inúmeros nomes conceituados como Erykah Badu, Thundercat, Louis Cole ou Anderson .Paak, antes de unirem forças num combo inabalável. Posto isto, é perfeitamente expectável que NOT TiGHT, acolhido sob a asa de .Paak na sua recém-formada editora APESHIT, seja um álbum que representa o melhor que estes jovens músicos têm para oferecer: uma intersecção entre jazz, hip hop, r&b e drum ‘n’ bass distinta pela articulação fluída de DOMi e pelos ritmos estonteantes de BECK.

 “LOUNA’s iNTRO” dá início ao disco através de um minuto requintado à base de cordas e polvilhado por passagens de flauta divertidas e um singelo arpejo de harpa, como que desdobrando auditivamente o cenário Hollywoodesco de um amanhecer na natureza; ao prosseguirmos para “WHATUP”, envolvemo-nos rapidamente na sonoridade típica do grupo, caracterizada pelo domínio enciclopédico de harmonia por parte de DOMI e a precisão de bateria metade-homem-metade-máquina por parte de BECK (é impossível não haver nenhum mecanismo electrónico presente na anatomia deste rapaz!) com muito groove à mistura.

A maneira como DOMi & JD BECK conseguem desdobrar tal fórmula em diversas possibilidades é, sem dúvida, o maior trunfo de NOT TiGHT. Existe aquele que poderemos considerar o lado beatmaker do duo, onde investem em composições cíclicas e contagiantes como se subitamente tivessem substituído temporariamente os seus instrumentos de eleição por MPCs — encontramos esta sua faceta em “SMiLE”, um tema predominantemente swingado que parece saído de Madvillainy (nada a estranhar, considerando o medley que fizeram de músicas deste disco, partilhado há dois anos), assim como em “TAKE A CHANCE” e “PiLOT”, ambas contando com a participação do fundador da APESHIT. É, no entanto, difícil apreciar estas duas canções apesar da sua força a nível musical: a primeira regurgita a ladainha do homem que falhou no seu compromisso conjugal e que chora por perdão (embora contenha a ressalva “You’ve heard it before/ So this time, I’ll let the actions speak”) e a segunda, que conta também com a presença de Busta Rhymes e Snoop Dogg, é uma balada sensual em que todos os intervenientes vocais se encontraram claramente à altura temática aqui evocada através das metáforas eróticas que vão debitando — mas a presença deste último rapper num tópico tão intimista após as alegações contra ele lançadas no início do ano tornam a sua audição uma experiência, no mínimo, agridoce. 



Pelo meio, encontramos também canções que claramente assumem a influência dos músicos que os foram apadrinhando ao longo dos anos: “BOWLiNG” e “U DON’T HAVE TO ROB ME” são exemplos de um r&b sarcástico e requintadamente jazzístico que poderíamos ouvir no repertório de Thundercat (que fornece a sua voz e o seu baixo portentoso ao primeiro tema) ou Cole; em “Moon”, recrutam o mestre Herbie Hancock, prestando-lhe homenagem numa música que é 80s fusion no seu todo – não é à toa que Hancock protagoniza esta canção celestial de amor com a sua voz via vocoder, remetendo-nos para os singles que lançou nessa década. Já a presença de Mac DeMarco neste disco não é assim tão previsível – tirando o facto de BECK ser o seu baterista acutal -, mas a sua prestação em “Two Shrimps” encaixa no universo de NOT TiGHT que nem uma luva, ruminando sobre um sentimento de término numa descrição meio enigmática.

É ainda de aplaudir alguns exemplos em que os dois músicos não se coíbem de baixar a fasquia técnica para beneficiar determinadas composições, algo que podemos ver em “DUKE”, centrada num jogo delicioso entre teclados estereofónicos e bateria processada, ou “WHOA”, em que deixam que o centro das atenções incida nas contorções pentatónicas destemidas da guitarra do veterano Kurt Rosenwinkel – com DOMI a responder melodicamente ao guitarrista uma única vez durante breves segundos. 

Por inúmeros pontos altos que este disco tenha, não se pode, porém, dizer que o mesmo seja imaculado: em casos como o do tema-título ou de “SNiFF”, o excesso de carga virtuosística que o duo faz transbordar traduz-se em resultados musicalmente insossos, de audição dispensável; o mesmo acontece em “THANK U”, que, contrariamente ao tema de abertura, finaliza o álbum num rol de acordes sem qualquer resolução suficientemente reconfortante ou apontamentos ocasionais que tornem tal progressão menos densa. Ainda assim, as virtudes de NOT TiGHT não são poucas, e a capacidade aqui demonstrada por DOMi & JD BECK em trabalhar em diversas velocidades joga bastante a seu favor – esperemos que esta postura se torne cada vez mais visível no decorrer do seu trajecto.


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