Foi uma das vozes mais importantes da Vodafone.fm, agenciou Luís Severo, trabalhou com os artistas da Cuca Monga e promoveu eventos na área da música. Nos últimos anos, e em conjunto com outros sócios, Joaquim Quadros tem-se dedicado sobretudo a dois projectos, um dos quais deu origem ao outro: ao Vago, um bar inspirado nos conceitos internacionais de listening bar, com boa música e um ainda melhor sistema de som; e, na mesma rua, prestes a completar dois anos, a sala LISA, onde puderam concretizar a ambição de programar regularmente concertos e DJ sets.
Para celebrar o aniversário, o espaço acolhe este fim-de-semana, de 24 e 25 de Maio, duas noites especiais com actuações de Anu, DJ Caring e DJ Nervoso; e MAQUINA., Mouthful of Grief e Epanépia. Os bilhetes estão disponíveis online entre os 8€ e os 12€.
Em conversa com o Rimas e Batidas, poucos dias antes de soprar as velas, Joaquim Quadros reflecte sobre os dois anos de LISA, explicando as suas ideias para a programação ecléctica e diversa de que o espaço se tornou sinónimo e abordando os muitos desafios que implicam hoje ter uma sala independente de actuações musicais no centro de Lisboa.
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São dois anos de LISA, um espaço que nasceu de outro projecto, o bar Vago. Dois anos depois, que balanço fazes?
Basicamente, quando abrimos o Vago, havia uma intenção brutal de fazer com que ele também tivesse música ao vivo. Fizemos algumas experiências: umas resultaram bastante bem, outras menos. No entanto, pelo meu background e até de algumas pessoas da parte do Vago — o Luiz [Gabriel Vieira] com a Red Bull Music Academy em São Paulo organizou bastantes concertos; o Alejandro [Steiner] na Colômbia era agente de várias bandas, inclusive dos Bomba Estéreo, que bateram bastante na Europa. E todos os outros sócios, que não trabalhariam directamente com isso, têm uma grande paixão por música, concertos e bandas. Por isso, paralelamente aos discos, havia sempre esta ideia de fazer coisas com música ao vivo, mas garantidamente o Vago não era o sítio certo porque era pequeno e faltavam algumas condições. Encontrámos este espaço, ao lado, e decidimos formar a LISA, acreditando que era um espaço para promover concertos e DJ sets, de todo o tipo de música. Depois viria a ter performance, cinema e coisas do género, uma extensão, mas era para focar em concertos e noites de clubbing. E assim fizemos, já passaram dois anos e experimentámos muita coisa. É um desafio enorme, como toda a gente sabe, uma sala independente não financiada pelo Estado, à data sem patrocínios e totalmente independente da empresa do Vago… Ou seja, são projectos diferentes, não estão ancorados um no outro, embora tenham sociedades e uma rua em comum.
Cada um tem as suas contas, os seus orçamentos.
Exacto. A LISA tem passado por muitos desafios, mas tem tido um privilégio enorme de muita confiança por parte de músicos, promotores e público que a têm alimentado. É óbvio que Portugal está a passar um momento difícil — não só Portugal, é uma coisa globalizada — e há muita luta, muita paixão, amor e romance em fazer acontecer uma sala como a LISA nos dias de hoje.
E vocês também devem sentir muito a transformação da cidade, que se interliga com esses desafios, na ligação com o público, os artistas, os custos das várias despesas que terão aumentado nos últimos anos.
Sim, é um sem-fim de factores que dificultam a que uma sala de concertos e clube consiga sustentar-se. Garantidamente, há uma crise de identidade de Lisboa. Há muito turismo, muita malta nova que se está a formar e a perceber o que gosta, há uma crise financeira, há uma saturação de oferta com muita coisa a ser organizada e promovida em simultâneo… É difícil por vezes filtrar e entender como se comunica e recebe tudo por parte do público. E também há um desvio ligeiro no turista realmente interessado em cultura. Acho que há garantidamente um turismo interessado em entretenimento, em experiências de lazer, sejam festas, festivais, momentos relacionados com arte — falando especificamente de cultura — mas há pouco turismo interessado em culturas de música alternativa e de nicho, em coisas um pouco mais desviantes. São muitos factores. A falta de financiamento, de apoio e de estruturas que deveriam ter um bocadinho mais a dizer sobre estes espaços e sobre a sobrevivência deles também agrava tudo isto. Ou seja, são muitas lutas. Os recursos humanos também são, há uma dificuldade em encontrar pessoas que se queiram comprometer com estes trabalhos… Tem sido um desafio enorme. Gostamos muito do que fazemos e lutamos contra essas mini crises que formam uma grande crise conjunta.
E também sentem que há menos locais nas zonas centrais de Lisboa, portugueses ou não, e disponíveis para pagar bilhetes ou copos no bar?
Há muitos locais estrangeiros neste momento, gente que se mudou para Lisboa nos últimos anos e que realmente contribui para isto. É uma pequena facção mas existe. Quando eu falava da crise de identidade de Lisboa, esta fraqueza identitária passa um bocadinho por isso: porque nós “precisámos” de turismo para revolucionar um bocado a cidade e torná-la mais sonante e ampla culturalmente, o que aconteceu. Foi uma resposta à crise e trouxe muitas coisas negativas, mas também trouxe positivas. Ainda assim, acho que há um período de adaptação grande, em perceber como é que Lisboa — que tinha um contexto muito local e bairrista, se pudermos assim dizer — de repente lida com uma avalanche de pessoas a mudar-se para cá com outro tipo de salários, que têm uma capacidade de compra totalmente diferente dos portugueses. Há uma adaptação muito difícil a acontecer neste momento. Tenho falado com muita gente de gerações mais novas e sinto que elas se sentem um bocadinho desiludidas, quase como se houvesse um balão de pensamento que diz: “Mas então prometeram-nos uma Lisboa sexy, autêntica e cultural e de repente saímos à rua e não é bem isso, não sentimos tanta autenticidade, vamos a uma sala de concertos e não sentimos que está lá a comunidade onde nos queríamos incluir”. E isso faz com que haja menos interesse em ir para espaços culturais. Esse é um dos problemas.
Olhando para a programação da LISA, para estes dois anos, como disseste aconteceram muitos eventos e performances diferentes. Quais são aqueles de que te orgulhas mais?
Nós fizemos mesmo, mesmo muita coisa, porque abrimos em média quatro dias por semana, com muito poucos períodos em que encerrámos temporariamente a LISA. Mais do que frisar uma noite em específico — porque os Estrellas del Caribe, com oito músicos, que foi assim uma coisa memorável; coisas mais introspectivas como Voice Actor ou CS + Kreme; tivemos malta mesmo muito jovem da Príncipe a trazer e a misturar um público e a fazer as coisas acontecer de forma bastante mágica; tivemos muitas bandas que apresentaram discos nacionais… A diversidade é aquilo que mais me estimula, a mistura de públicos e de ideias dentro da programação, que se unem numa ideia só. Gosto sempre de pensar no ecletismo como uma coisa criteriosa, não ser um recinto que, com todo o respeito, tem uma noite de covers, outra de samba, outra de techno… Gosto que a coisa seja mais oleada, que não haja uma definição temática a la Rock in Rio, que fazia o dia do metal, o dia do rock, etc. Gosto da ideia de que a LISA possa ser sempre uma mistura, como muitos espaços em Lisboa fazem e bem.
Há essa diversidade, mas não é preciso separar ou fechar cada noite em caixinhas ou categorias.
É, acho que o mais interessante, e é aquilo em que acreditamos, é que uma semana de LISA possa ser muita coisa em termos de programação. E que não tenha uma temática e que muitas vezes não tenha rimas — ou seja, que a primeira parte não tenha que ser parecida com a segunda; que o clubbing não tenha que ser uma extensão estética ou temática dos concertos. Temos sempre várias ideias a circular e a juntar-se. Trazer toda a gente ali para dentro e não ser uma coisa tão selectiva quanto isso.
Projectando o futuro, e podes focar-te na programação mas também ir noutras direcções se fizer sentido, como é que imaginas os próximos dois anos da LISA? Obviamente, esses múltiplos desafios são constantes e é preciso tentar contorná-los, mas o que é que gostavas de concretizar que ainda não tenha acontecido? Como é que projectas os próximos dois anos?
É uma excelente questão, eu tento sempre não ter aquele fatalismo e grande preocupação à flor da pele quando respondo a esse tipo de coisas, porque se pensar mesmo no que quero para a LISA é consistência, sobrevivência e uma coesão naquilo que temos feito. Sempre com uma grande proximidade do público e dos artistas. Uma coisa em que gostava de investir tempo e energia seria que a LISA se aproximasse da composição, que pudesse promover residências ou desafiar colaborações a músicos para comporem e trabalharem em conjunto e, depois, sim, haver uma apresentação no espaço. Uma coisa que pudesse viver fora da LISA num período mais criativo, e depois expositivo, numa última fase, dentro do espaço. Mas é uma coisa…
Que envolve custos.
É, tem muita produção por trás, uma exigência logística grande. Mas, na nossa ambição, esse é um passo que a LISA gostava muito de dar no futuro. Provocar uma proximidade maior com o processo criativo e estimular criativamente artistas a apresentarem uma coisa especial. É propor uma performance, uma ideia ou um concerto para ali, que não precisa de ser algo estanque ou fechado, mas pode ser um processo de mostrar o que está a ser feito e para onde pode ir. Acima de tudo, de forma directa e honesta, a LISA precisa de encontrar apoios financeiros. Estamos a trabalhar para isso, para captar apoios do Estado ou da Europa que consigam fortalecer a estrutura e torná-la mais sustentável, mais descansada, digamos assim.
Há algum género musical ou alguma expressão artística que ainda não tenhas programado na LISA mas que esteja na bucket list? Ou nem por isso, as coisas vão acontecendo?
Se pensar mesmo em géneros específicos, não consigo encontrar um que ainda não tenha feito ou que queira muito fazer. O hip hop não foi, orgânica e instintivamente, um género musical e uma praia que tenha sido muito explorada, por isso acredito que no último trimestre deste ano — talvez até no segundo semestre, no geral — possamos ter um bocadinho mais de coisas nesse sentido, porque nos procuram e muitas vezes também nos interessa, e já tivemos várias coisas, mas vamos explorar um bocadinho mais essa praia.
E fora da música, há alguma coisa que ainda não tenha acontecido e que queiram? Falavas de cinema, de performances que já ocuparam a LISA…
As artes performativas também serão sempre uma ideia a explorar e tivemos algumas experiências recentes de poesia, encontros de leitura, e é uma coisa que nos agrada. Na verdade, vamos ter no próximo dia 28 de Maio o Sérgio Godinho. A filha dele trabalha connosco no bar e propusemos ao Sérgio fazer uma sessão de leitura de poemas e textos que ele nunca mostrou a ninguém. A LISA funciona bem nesse formato, porque é pequena, intimista, tem mesas, cadeiras e bancos à volta, em madeira. Tem um palco muito acolhedor, por isso é um formato em que conseguimos suportar-nos com conforto. Também pode ser uma vertente a explorar no futuro.
Stand-up comedy faz sentido? Lembrei-me agora.
[Risos] Há muita gente que nos pergunta isso. Confesso que, sendo muito fã de stand-up comedy, não estou muito por dentro da cena nacional e local. Sei que há um espaço e vários que se adaptam e fazem programação, conheço os comediantes mais sonantes, conheço alguns amadores e mais upcoming, mas não é um assunto que eu domine e para já acho que não vamos atirar-nos ainda para a cena stand-up. Mas já nos disseram e perguntaram-nos várias vezes sobre isso, porque acham que o formato poderia resultar muito bem ali. É uma coisa que não vou descartar nunca porque já houve muitas aproximações.