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Fotografia: Rui Pina
Publicado a: 21/02/2020

O quarteto lançou o seu primeiro longa-duração nos momentos finais de 2019.

Doink: “Tocávamos rock com hip hop cantado em português numa altura em que toda a gente cantava em inglês. Tínhamos um trunfo”

Fotografia: Rui Pina
Publicado a: 21/02/2020
São dinossauros do nosso underground mais pesado e ainda assim há pessoas que não os conhecem. Ouvir Doink foi e continua a ser a viagem em português ao nu-metal dos anos 90. Esse reconhecimento avança um degrau com Onde estão todos, o álbum de estreia da banda, lançado em Dezembro pela NovaGaia Records. São 19 músicas compostas em praticamente 20 anos, unidas por uma sonoridade trabalhada e modernizada. Reunimo-nos com os quatro membros actuais: Rato54 (MC e autor de outros projectos inspeccionados pelo ReB) Guito Maldiva (baixista), Hélder Bastos (guitarrista) e André Cardoso (baterista). Assim como o disco, esta entrevista é um sumário da história dos Doink e da sua permanente transformação.

Descobri um videoclipe vosso de 2004, produzido para a SIC Radical, da “Doink. [Guito] Esse vídeo passou num programa da SIC Radical, o Curtas, mas foi produzido no âmbito da PAP (Prova de Aptidão Prática) do Sérgio Oliveira, na Escola Profissional e Artística Árvore, que foi também quem inscreveu o videoclipe no programa. Durante muito tempo, sempre que o programa era transmitido o videoclipe também era. Para além disso havia um programa na antiga RTP-N chamado Top 5 e o nosso videoclipe, durante uns oito ou nove meses, esteve sempre lá. Se havia alguém que gostava de nós e manipulava a coisa não te sei dizer, é uma conspiração [risos]. Isso deve ter dado frutos. [Rato54] Na altura tocávamos bastante. Tocámos no antigo festival do Tejo, que deu origem ao Delta Tejo, fizemos primeiras partes de Da Weasel, Mind da Gap, Boss AC, por exemplo. Participámos em vários concursos, nacionais e mais pequenos.  [Guito] E tínhamos grande aceitação no interior [do país]. De Bragança ao Alentejo? [Guito] Sim. Tocamos em Vila Viçosa, Faro, Mogadouro… [Rato54] Até fomos contratados para tocar numa festa familiar no meio do mato no Gerês. Estamos a falar de uma época em que havia a cultura do concerto de rock em todo o lado. Eu lembro-me de chegar a sítios no interior e ficava surpreendido com a quantidade de metaleiros que encontrava. Não conheço muitas histórias dessas. Ainda por cima, vocês têm um som pesado, menos imediato. [Guito] Na altura a banda não era tão pesada, tínhamos um som mais de fusão. [André] Eu é que vim estragar a cena toda [risos]. [Guito] Chamavam-nos para participar em compilações, como os Novos Talentos do Tejo ou a colectânea do primeiro Rock in Rio. Por causa disso, tocávamos o que tínhamos gravado para as compilações, porque era o que o pessoal queria ouvir. Se nós formos tocar amanhã vai haver uma ou duas pessoas que vão pedir o “Skate na Cabeça”. E a música nem se chama assim, chama-se “Mas que Raio”, que faz parte do primeiro EP  que gravamos. Com as compilações e o Rebobina, que foi gravado e produzido pelo Mário Pereira, conseguimos chegar a muita gente. Não eram pessoas que ouviam só hip hop, metal ou hardcore, eram pessoas que gostavam de música. E ao abrirem-se essas portas, mais portas se abriram. Tocávamos rock com hip hop cantado em português numa altura em que toda a gente cantava em inglês. Nós aí tínhamos um trunfo. Passados 16 anos de história e do pico da vossa adrenalina, ouvimos a “Nove Miletal” regravada para o Onde estão todos. Para minha surpresa, o instrumental está mais rico e interessante e a voz mais in your face. Como é que isto é possível? [Hélder] Com a experiência. [Guito] E a convivência entre nós. Transmitimos novas ideias e procuramos novos desafios, que é o que nos entusiasma. [André] Este disco reúne músicas que a banda foi criando desde o início e ao longo do tempo, mas tem pouca coisa do que somos os quatro. Eu entrei para a banda em 2015, aprendi 14 músicas e fui logo gravar o álbum. Nós os quatro compusemos pouco material. Entretanto já compusemos mais material, que pode sair num próximo registo, mas que é diferente deste disco. Soam mais aos skits ou à “Alice”, que são misturas de várias sonoridades. A “Alice” destaca-se no álbum. É uma peça de hip hop cuidada no meio de um mar de distorção. [André] É um pouco a transição para o que vem a seguir. Estamos um bocado fartos do metal e estamos mais a explorar a fusão, electrónica e cenas do género. [Guito] Queremos abrir todos os horizontes possíveis que sejam benéficos para a nossa criatividade. A direcção criativa que vão tomar é a direcção da “Alice”? [André] Não só. A “Alice” foi uma experiência que resultou bem, e foi por isso que foi para o álbum. Mas isso não significa que a nossa linguagem vá ser essa. [Guito] Acho que o “Skit 2” é uma amostra mais fiel do que pode vir aí. Por falar nos skits, o que é que se passa no “Skit”? [Hélder] Nós estávamos aqui na sala a falar dos scratches do DJ, e o microfone da voz estava aberto. [André] Eu abri-o sorrateiramente [risos].  [Hélder] Ficámos a falar dos scratches como secretos de porco. É uma private joke nossa. [Guito] Essa música surge também para evidenciar o trabalho do DJ Score. Num álbum de hip hop na temática dos anos 90, há sempre uma música que evidencia o DJ. Ele fez um trabalho fantástico, não só na “Skit” como na “Nove Miletal” ou na “Anos 90”. Até me arrepia. [Rato54] E também gosto do que ele faz na “Alice”. [André] Apesar disso, estamos muito mais inseridos na temática dos anos 90 do que no hip hop dos dias de hoje. Resumindo, o Onde estão todos é um compêndio da banda até agora? [Hélder] Sim, com todas as fases que a banda passou, com a entrada e saída de membros. Quem entra de novo na banda tem que dar parte de si, com as suas influências e a maneira como toca. O André toca de maneira diferente que o antigo baterista, eu toco de maneira completamente diferente dos guitarristas anteriores. [Guito] Até eu, que estou na banda e compus as músicas desde o início, fui alterando-as.

No que toca à gravação/produção do álbum, disseram que arrancaram em 2014. [André] Eu comecei a gravar as baterias aí, mas na altura não sabíamos se iam as músicas todas. [Rato54] Não sabíamos sequer se o álbum ia resultar. Contudo, deixei de encontrar referências vossas a partir de 2011. Estiveram sempre a tocar ou fizeram alguma pausa? [Rato54] Nós nunca deixamos de estar juntos e ensaiar regularmente, mas fizemos uma pausa dos concertos. Passamos muito tempo a curtir música só por curtir. E isso é uma das razões para termos vitalidade, porque a distância mata. [Guito] Quando o André entrou na banda e começou a regravar as baterias, começámos a sentir que o queríamos fazer estava a tornar-se possível. E isso deu-nos pica e levou a que fizéssemos as cenas. [Rato54] Também tivemos momentos maus. Chateámo-nos muito uns com os outros. [Guito] Mas isso faz parte do processo. [Hélder] É como com os irmãos. Vamos falar das letras. Quando falam de “putos a roubarem erva a turistas que visitam a cidade” na “Nove Miletal”, pensei que a música tinha sido escrita há pouco tempo, mas afinal é do EP Rebobina, de 2004. [Hélder] Continua actual. Só há uma diferença aí, que é o sítio onde os miúdos andam de skate. [Rato54] Há uma letra no disco que ainda é mais antiga e que acho muito actual, a do “Eles”. Há problemas que se mantêm e problemas que são diferentes. Como acham que a cidade cresceu nestes 16 anos? [Rato54] Acho que, com o passar do tempo, Gaia foi-se tornando no dormitório. O centro empresarial e comercial está concentrado no Porto. [Hélder] Isso tem a haver com política. O Herman tem um sketch no Tal Canal em que faz de primeiro-ministro e onde o seu nariz cresce quando mente e está sempre a crescer. O discurso que ele tem no sktech mantém-se e vai-se manter, como a letra da “Eles”. Tudo isso permanece, a ganância, guerras, destruição. [Rato54] Quando eu escrevo letras como essa não o faço para mim, eu tenho uma vida fixe. Escrevo-as para o lugar onde vivo e pelas coisas pesadas que vejo as pessoas viverem, porque estamos num sistema onde não há igualdade. Tento falar sobre o que vejo e vivo de uma forma universal. Se escrevesse em inglês, queria que do outro lado do mundo entendessem o que estou a dizer. O teu discurso não está preso a um espaço, como o de outros MCs do Porto e arredores. [Rato54] A “Nove Miletal” é mais específica. Mas acho que todos sentimos que, à medida que vamos ficando mais velhos, com filhos e contas a pagar, começamos a entrar numa mentalidade diferente, começamos a ter uma consciência mais universal. A “Eles” foi escrita com uma certa maturidade e já abrange essa universalidade. Na “Paciência” dizes que já perdeste duas vidas. Quando? [Rato54] 2001 e 2009. Tive cancro e reapareceu. Mas tive que seguir para à frente. E já demos um concerto comigo cheio de dores, antes da cirurgia. [Guito] Isso foi numa série de concertos que demos na Marina de Setúbal. No primeiro concerto estavas fixe, no segundo estavas cheio de dores e no terceiro já tinhas sido internado. Vocês estão constantemente a falar de sítios diferentes em momentos diferentes. [Guito] São quase 20 anos de concertos. Voltando ao álbum, os solos de guitarra de “São Loucos” ou “Feitiço”, por exemplo, piscam o olho ao Tom Morello. É uma referência óbvia? [Hélder] Em relação aos efeitos, eu não uso nada que a maior parte dos guitarristas não usa. Uso um pedal de wah, uso um whammy, que o Tom Morello usa a abusa, e é basicamente isso. As minhas influências musicais vêm do rock n roll. Há cenas que adoro de metal, há cenas que gosto muito de hardcore, mas quem me despoletou para tocar guitarra foi o Chuck Berry. Em relação aos solos, não é a minha cena fazer um solo de guitarra em cada música. Prefiro fazer uns sons manhosos e um efeitos do que estar a fazer um solo. E esse tipo de efeitos aproximam-se da cena do Tom Morello. Eu gosto muito dele, ainda que não seja o meu guitarrista favorito. É um músico que trabalha muito a parte rítimca da guitarra. Ele tem bons riffs e melodias, mas destaca-se a marcar tempo com sons manhosos. É provável que a cadência e o género da nossa música soe um bocado a ele, mas não quero soar a Tom Morello. De todo. Numa entrevista de 2008 disseram que iam continuar a tocar até serem “cotas”. Olhando para a vossa história e para este álbum, parece que estão num óptimo caminho para isso. [Guito] Sem dúvida.

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