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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 02/07/2025

Procurar dar lugar a quem não o tem.

Do debate à jam session: a sub-representação afrodescendente no jazz nacional motivou um encontro em Lisboa

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 02/07/2025

A 26 de junho, na Casa do Comum em Lisboa, a Associação Sons da Lusofonia promoveu o debate “A Sub-Representação Afrodescendente no Jazz em Portugal: Pluralismo ou Crise de Identidade?” Na sala, sobre as cadeiras do público, constava um texto distribuído pela associação promotora, a servir de base para a reflexão que se seguia. Transcreve-se aqui o primeiro parágrafo:

“Os críticos de jazz têm sido, na sua maioria, americanos brancos, mas os músicos mais importantes não. Para muitos tratar-se-á de uma realidade relativamente simples de compreender, ou pelo menos facilmente explicável no contexto da história social e cultural da sociedade americana. E o motivo por que se contam pelos dedos de uma mão os críticos ou cronistas negros no jazz é óbvio, se pensarmos que até há relativamente pouco tempo os negros que podiam ser críticos, vindos quase todos da classe média, pura e simplesmente não se interessavam pela música. Ou, pelo menos, só há pouco tempo é que o jazz perdeu algum do seu estigma entre os negros de classe média — embora não seja ainda, de forma alguma, tão popular como qualquer insípido produto musical aprovado pelo gosto da maioria branca.”

Este é um excerto de um ensaio de Música Negra, editado em 1963 por LeRoi Jones, também conhecido como Amiri Baraka. Reflete, de forma analítica, sobre o lugar da crítica de música, mais concretamente no campo do jazz, numa época em que estava aceso, nos EUA e em outras partes do mundo, o debate sobre a questão racial e racismo, movido por iniciativas e partidos como o Movimento dos Bireitos Civis, Black Power e Black Panther, entre outros, que também se expressava na música. Foi um debate muito forte na década de 1960 e que, no dia 26 de junho, na Casa do Comum, se mostrou ainda atual.

O painel de oradores contou com a presença de César Burago, Jery Bidan, Edvanio Vunge, Edvânia Moreno, Filipe Padrão, Razy e Tatiana Lima. O intuito da Sons da Lusofonia foi promover uma reflexão crítica sobre quais as possíveis causas para a evidente ausência em Portugal de pessoas negras no mundo do jazz, sendo este um género musical historicamente associado, quer no desenvolvimento, quer na origem, às comunidades negras americanas. 

Foi uma conversa informal entre oradores e público presente. Os oradores partilharam as suas diferentes experiências no caminho para se construirem enquanto músicos e percebeu-se com rapidez que existe uma base comum a todos: a desigualdade presente no acesso à música, no acesso ao ensino desta arte, bem como à manutenção de uma carreira musical a nível profissional. No decorrer do debate levantaram-se temas como o afastamento da juventude negra do jazz e o porquê de muita dessa juventude estar mais próxima da cultura hip hop do que do jazz; a dificuldade no acesso ao ensino da música e o facto de muitas vezes a juventude racializada ser empurrada para o ensino profissionalizante (não nas áreas das artes), virado para o mercado de trabalho mais precário; referiu-se ainda a utilização de obsoletas estratégias pedagógicas no ensino da música, demasiado formais; o facto do acesso a este género musical estar mais presente nas classes médias brancas, bem como o facto de os programadores de festivais não terem em atenção esta importante questão e, por isso, estarem pouco sensíveis para o tema no momento em que decidem um cartaz. Debateu-se ainda sobre o racismo institucional que existe em Portugal, nomeadamente na escola, num país que foi historicamente colonizador e que manifesta também nesta temática o atraso que ainda existe para a compreensão do problema. Falou-se ainda de exemplos de outros países, como o caso do Brasil, em que houve políticas públicas que permitiram alguma alteração, embora ainda incipiente. No decorrer do debate houve também o entendimento da necessidade de passar da análise à prática. Constatou-se que é necessário a organização destes músicos em grupos ou espaços coletivos e que só com políticas públicas que combatam a desigualdade social e alterando quem está no papel decisivo da programação de festivais ou na atribuição de apoios é que poderão acontecer mudanças concretas — que se dê lugar às pessoas negras que até então não o tiveram.  

O debate não poderia ter terminado de outra forma: uma jam session com César Burago na percussão, Filipe Padrão na bateria, Razy no baixo, Edvanio Vunge no piano, Tatiana Lima e Jery Bidan nas guitarras e Edvânia Moreno no violino, a quem se juntou, do público, muito corajosamente, Zuleica, na voz. Estes músicos nunca tinham tocado juntos, mas pela linguagem musical de cada um, pela fluída musicalidade conjunta, pela forte capacidade de comunicação e energia geradas, poderiam muito bem ter dado um concerto nessa noite, assim, de improviso.


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