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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 11/07/2023

Mais de 20 anos depois, está de volta ao activo e já lançou dois singles.

Djoek: a história do primeiro rapper a lançar um álbum em crioulo em Portugal

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 11/07/2023

Djoek: o nome é inconfundível e fácil de decorar, mas poucos conhecem este rapper que foi o primeiro em Portugal a lançar um álbum em crioulo. Nada Mí N’Caten foi editado em 1996 e fundia rap com ragga e reggae, já que o artista sempre foi um adepto da fusão e um fã da música jamaicana. Hoje, mais de 20 anos depois, este pioneiro está de volta à música, tendo lançado dois singles nos últimos meses. Esta é a sua história.

Octávio Varela tinha 16 anos quando se mudou de Cabo Verde para Portugal. Foi viver para a Cova da Moura, na Amadora, onde já morava o pai, e foi nessa altura que se começou a interessar seriamente por música — quando começou a sair à noite em discotecas. Mas a verdade é que em Cabo Verde já fazia breakdance e tinha uma apetência natural por explorar o seu lado musical. 

“Lembro-me de ser pequeno, de chegar à escola, sentar-me na mesa e estava sempre a batucar. E fazia as minhas baterias com latas”, conta Djoek por telefone ao Rimas e Batidas, na primeira entrevista que dá em mais de 20 anos.

Em Lisboa, descobriu artistas norte-americanos como os Public Enemy, que o inspiraram. E deliciou-se com as rodas de improviso que havia nas poucas festas de rap que existiam. “Ia a uma discoteca na Baixa da Banheira onde passavam rap e davam o microfone ao pessoal para fazer freestyle. A partir daí comecei a ganhar o gosto pelo hip hop e comecei a escrever. Depois comprei uma caixa de ritmos e comecei a mexer e a mexer. Fui aprendendo.”

Djoek montou então um estúdio caseiro, que terá sido o primeiro na Cova da Moura. Começou a produzir instrumentais, cruzando a estética hip hop com sonoridades ragga, enquanto ia escrevendo letras. Gravou uma série de maquetes com um gravador de cassetes e depois, com a ajuda de um amigo músico, foi bater às portas das editoras para encontrar alguém que quisesse editar o seu disco de estreia. “Seleccionei oito faixas, gravei nas cassetes e esse meu amigo músico que tocava na noite ia deixando nas editoras.”

Em 1996, com 22 anos, consegue um contrato com a editora Disconorte — baseada na Amadora e que apostava em música africana —, e consegue lançar o álbum Nada Mí N’Caten. Já havia artistas de hip hop a rimar em crioulo em Portugal, como os Family de Melo D (que entraram em Rapública, em 1994), ou grupos como os TWA, Nigga Poison ou BFH. Mas este foi o primeiro disco a ser lançado neste registo.



O álbum foi gravado entre julho e agosto de 1996 nos estúdios Edit e vários instrumentistas participaram na construção dos beats — criados a partir das maquetes caseiras de Djoek. Zé Manel Rasta (baixo), Djony Garcia (guitarras), João Vaz (saxofone), Alberto Roque (saxofone barítono), Tino (guitarras), Namour (viola baixo), Marabu (baixo), Miguel Gonçalves (trompete), Ellyza (coros) e Amorim (efeitos de scratch) foram os que participaram no projecto, todos sob a batuta do produtor Juca Delgado, que era professor de música e ficou encarregue dos arranjos e de tocar outros instrumentos, como os teclados.

Djoek foi incentivado a cantar em português, mas optou pela sua língua materna. “Na altura era difícil gravar um álbum, ainda por cima em crioulo. As pessoas diziam: ‘Estamos em Portugal, temos de cantar em português’.”

As suas letras falavam sobretudo de problemas sociais, pobreza e abusos policiais. Relatavam a sua realidade, sobretudo aquela que tinha encontrado em Portugal quando se mudara para a Cova da Moura. Djoek gravou um videoclipe para o single “Amigrimi”, o tema com mais impacto. 

Na mesma altura chegou a produzir instrumentais para outros artistas da sua zona, que também acompanhou nalgumas atuações. Na época, não tinha grandes expectativas sobre o seu projecto artístico. “Nunca senti um grande apego. Fiz e lancei só, porque me sentia bem com aquilo e a editora gostou. Não fiquei a pensar no sucesso… Tudo o que viesse era bem-vindo. Havia pessoas que diziam: eu não gosto de hip hop ou de rap, mas do teu estilo até gosto [risos].”

No ano seguinte, em 1997, é convidado — tal como Ithaka e Marta Dias — para participar na faixa “Ekos do Passado”, do segundo álbum de General D, Kanimambo. Djoek começou inclusive a participar nos seus espetáculos: identificava-se com o rapper da Margem Sul, considerado por muitos como o “pai do hip hop português”, por ter uma forte identidade africana, uma voz interventiva e um som de fusão. 

“Ele na altura estava no auge e foi um convite gratificante. Aceitei o desafio e foi importante, porque ele tinha muita visibilidade. Além disso, identificava-me com ele. Gosto do perfil e da pessoa. E sempre apreciei a mistura, de hip hop com funaná, com batuku… E a música em que participei no álbum dele tinha essa mistura muito interessante.”

O próprio Djoek também se foi tornando numa referência, sobretudo por rimar em crioulo, para vários jovens em Portugal e em Cabo Verde que se identificavam com o que ouviam. Talvez também por usar o crioulo, nunca teve grande expressão nos media, mas as músicas de Djoek passavam regularmente em discotecas de música africana, o circuito onde conseguiu vingar.



Em 1998, lança o segundo álbum, Kekike, editado por outra label, a Cap Disco. Não correu tão bem. Jovem e com poucas orientações, pouco habituado aos moldes da indústria musical, sentiu-se algo desiludido com a forma como fora tratado pelas editoras. 

“Quando uma pessoa ganha uma certa visibilidade, vêm sempre pessoas pressionar e uma pessoa acaba por ficar um pouco baralhada. Se não tiveres alguém por trás que te dê algumas orientações… Eu era um jovem na altura. Se tivesse tido algum apoio, isso teria feito muita diferença.”

Decidiu, então, fazer uma pausa. Regressaria em 2001, para gravar um disco mais ligado à música africana, Pá Destaka — com kizomba e funaná — em colaboração com diversos artistas. Também não teve sorte. O acordo que tinha feito com uma distribuidora, à beira de fechar portas, não correu como esperado. O álbum chegou a sair, mas depois Djoek retirou-o do mercado. Algo frustrado com o que acontecera, o músico optou por fazer um hiato.



Continuou, porém, a trabalhar nos bastidores. Djoek montou um estúdio onde captou, produziu e misturou música de vários artistas de diferentes géneros musicais. “Comecei a dar prioridade ao trabalho de estúdio. Mas sempre fui fazendo as minhas coisas, que ia guardando na gaveta.”

Chegou ainda a participar num par de faixas do Projecto X, iniciativa de Rodrigo Leal que se tornou conhecida com o tema “Paz e Amor (Quero Festa e Verão), que integrou a banda sonora da segunda temporada da série juvenil da TVI Morangos com Açúcar. É precisamente um dos temas em que Djoek participa.

Ao longo dos anos fez algumas actuações esporádicas, nomeadamente ligadas ao reggae (apresentou-se ao vivo em Benfica em 2014), mas o material que foi compondo nessa área ficou guardado e (ainda) não viu a luz do dia. Em 2019, Djoek mudou-se para França para trabalhar na área da carpintaria — mas nunca deixou de receber relatos de que há pessoas que continuam a ouvir “Amigrimi” e outras canções, tantos anos depois.

“A ‘Amigrimi’ fez sucesso. Desde as crianças ao pessoal de 80 anos, até hoje há muitas pessoas que ouvem essa música. E é gratificante. Continuo a receber vídeos de pessoas a ouvirem a minha música.”

O regresso à música

Durante muitos anos, quase ninguém ouviu falar de Djoek. Ficou esquecido e tornou-se um desconhecido para muitos dos intervenientes do movimento hip hop. Ele próprio assume que não permaneceu um ouvinte atento, que estava ocupado com a sua própria vida e se afastou do circuito. “Mas fiz uma pausa. Não parei para não voltar. O objectivo sempre foi voltar.”

Ponderou regressar à música por diversas vezes ao longo dos anos. “Mas graças a algumas curvas e contracurvas, a alguns projectos que ficaram pelo caminho, fui adiando e adiando… Mas agora teve mesmo de ser, porque sinto que não posso ficar longe do mundo da música.”

O apoio de alguns fãs e amigos foi essencial para que sentisse a urgência de voltar, com tudo o que isso implica. “Recebia muitas mensagens de pessoas a pedir para eu regressar, e isso também serviu de alavanca, para começar a pensar: avança! Há tempos, houve uma pessoa que me mandou um vídeo que mostrava que tinham usado uma música minha no funeral de uma pessoa que me seguia. São coisas que… Tenho de fazer música, nem que seja para agradar a uma pessoa, mas não posso parar, tenho que fazer. Vou voltar com as armas que tenho e vou em frente.”



O single que marcou o seu regresso chegou, de forma discreta, em outubro de 2022. Produzido por DJ Cuco Martins, cabo-verdiano radicado em Macau, “Nu Ta Da Kabidal” apresentava uma sonoridade “quente”, com um “afrobeat estilo guerra”, e era uma demonstração de força dos povos africanos.

“Os africanos são pessoas trabalhadoras, um povo que luta, e sempre a arranjar forma de resolvermos os nossos problemas. Assim surgiu a ideia de escrever esta música. A música retrata o povo africano nesse sentido: um povo lutador, que vai em frente, que encara qualquer desafio para conseguir trazer pão para casa.”

Djoek tratou da mistura, gravou o videoclipe e obteve “bom feedback”, o que o deixou entusiasmado. Seguiu-se, em Maio, “Respira Fundo”, com uma estética de hip hop mais convencional. É um tema originalmente gravado em 2014 e que tinha ficado guardado. Seria o single homónimo de um disco que estava a preparar na altura mas que ficou pelo caminho.

“Com esta música, quis mostrar que, por mais que a situação estivesse difícil, por mais que algo demore, não devemos perder a fé. Viver e ter a esperança de que as coisas vão chegar. Ter calma e saber esperar pelo momento certo para fazer as coisas. E não podia ter mais isto no colo. Senti a urgência de fazer um vídeo para lançar isto. Tenho de a lançar e fazer outras coisas.”



Neste momento, não considera editar um álbum, mas adianta que vai apresentar mais singles nos próximos tempos tem vários, mais antigos e outros mais recentes, no seu arquivo. Além disso, gostava de voltar a incorporar mais instrumentos acústicos nos seus beats digitais. 

“Gosto de ter alguma coisa acústica na minha música. Só que, agora sem editora por trás, isso vai depender dos custos. Temos de fazer ginástica da melhor forma possível.” Ao mesmo tempo continua a fazer trabalhos de mistura e de videoclipes para outros artistas, sobretudo para “pessoas próximas” que estão em Cabo Verde, mas assume que pretende estar cada vez mais “focado” na sua música.

“Estou contente e acho que muito mais está por vir. Tenho recebido bom feedback e isso também me faz sentir satisfeito. São coisas que nos alimentam e que nos dão aquela força. Estou aqui, com a esperança de conseguir entrar no mundo do espetáculo.”


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