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Publicado a: 19/11/2016

DJ Shadow: “Sou uma pessoa bastante privada e não me tornei DJ para ser famoso”

Publicado a: 19/11/2016

[ENTREVISTA] Rui Miguel Abreu [FOTO] Direitos Reservados

 

DJ Shadow lançava em 2011 o seu quarto álbum de originais: The Less You Know, The Better. Rui Miguel Abreu esteve à conversa com o produtor nesse ano e falou sobre a sua carreira, o álbum, DJ Hero e a relação com James Lavelle. A propósito dos 20 anos de Endtroducing, recuperamos a entrevista com Shadow, que, pela primeira vez, é publicada na íntegra. 

 


 

Referiu várias vezes no passado que abordava sempre o começo do trabalho num disco novo com uma viagem em que partia à descoberta de discos antigos. Ainda é assim?

Sim, acaba sempre por ser assim. Entre o estúdio e a estrada acabo por não ter assim tanto tempo livre e por isso acabo por fazer apenas uma viagem anual para comprar discos. Costumava fazê-lo duas vezes por ano, mas ultimamente tem sido mais uma vez por ano e na verdade não embarco numa aventura dessas desde o fim de 2009… Como é óbvio tenho andado muito ocupado, mas tenho sempre tempo para comprar colecções inteiras e isso acaba por informar a música que eu faço. E a verdade é que mesmo que não tenha duas semanas para ir numa “expedição”, arranjo sempre tempo para dar umas voltas aqui pela minha zona e acabo por comprar algumas coisas. Compro discos a dealers especializados ou em feiras locais. Gosto de estar permanentemente a trazer material para “samplar” para casa.

Endtroducing, Private Press, The Outsider e agora The Less You Know, The Better. Parece haver uma certa coerência com estes títulos, talvez uma certa alusão ao secretismo…

Nunca tinha analisado as ligações entre os títulos dos meus álbuns, mas não posso discordar dessa ideia. Sou uma pessoa bastante privada e não me tornei DJ para ser famoso, mas porque adoro tocar a música de que gosto para outras pessoas. E isso é algo que eu descobri que queria fazer aos 13 ou 14 anos. E não sei, cá estamos nós (risos), todos estes anos depois. Mesmo em casa, quando recebo visitas, continuo a adorar ir buscar discos e mostrar música às pessoas, falar com elas sobre música, perceber as suas reacções. É por isso que eu faço o que faço.

Há muito rock no novo álbum…

As pessoas dizem isso de todos os discos que eu edito (risos)…

Certo, mas tenho seguido a sua carreira desde os primeiros passos e sinto que este é um disco mais pesado…

Mais pesado? Em que sentido?

Tem mais guitarras elétricas, é mais duro, “rocka” mais no sentido clássico do termo…

Hum… e que me diz a “Sad & Lonely”?

É um daqueles momentos para criar dinâmica, que impõe a diferença…

Estou a ver… Bem, seja como for, não é assim que eu vejo o álbum. Posso seguramente dizer até que seja qual for a direcção que o álbum possa ter, não foi planeada. O que aconteceu, aconteceu de forma natural…

Ainda não olhei para a ficha técnica do álbum, posso pedir-lhe que me faça o retrato deste disco nesses termos?

Bem, recuando um pouco, o disco foi feito principalmente em casa e numa pequena casa de campo que eu aluguei longe de tudo para poder estar sozinho e trabalhar quando me apetecesse. Quando chegou o momento de misturar o disco fui para um par de estúdios grandes, e digo “grandes” não no sentido Hollywood / Slash do termo, mas estúdios com mesas de mistura a sério onde eu podia misturar usando fita analógica, que é algo que já não se faz muito hoje em dia. Um desses estúdios foi o Quad, em Nashville, um grande e velho estúdio…

 



Onde o Neil Young gravou o Harvest

…Exatamente. E trabalhei com o Jim Abyss, que tem sido o meu engenheiro de eleição desde o álbum dos Unkle e que misturou cerca de metade das canções. Quanto às colaborações, eu não sabia que iria querer vozes até para aí Março deste ano. Foi nessa altura que decidi que o disco soaria melhor se tivesse vozes, porque tinha um par de instrumentais de que gostava muito e que eu sabia que seriam perfeitos como bases para canções. E como não consegui encontrar vozes para “samplar” que me satisfizessem, acabei por ter convidados. Vejamos, “Scale it Back” tem participação de Little Dragon, ou seja a voz é obviamente de Yukimi Nagano. “Warning Call” tem participação de Tom Vek, “I’m Excited” tem participação de African Boy, “Stay The Course” conta com Posdnuos dos De La Soul e Talib Kweli.

E como é que chegou a esses nomes? Muitos artistas quando se referem a estas colaborações contam normalmente em entrevistas histórias do género “ah, estava a misturar o álbum e percebi que na sala ao lado estava este ou aquele cantor».

É verdade. Eu também leio essas entrevistas…

Mas não me parece que o Posdnuos ou o Talib Kweli estivessem por acaso a gravar em Nashville…

Tem toda a razão, não estavam. Eu também costumo ler essas entrevistas e normalmente esse tipo de histórias acontece quando tens um álbum com 50 vozes convidadas, e não num onde só há uma mão-cheia. Aliás, essa era parte da razão porque inicialmente não quis ter convidados no álbum, precisamente por ser sempre tão desconfiado destas estrelas convidadas. Quando fizemos o álbum de Unkle em 96 ou 97 era muito raro ter um disco electrónico que fizesse esse crossover para terrenos do rock, mas hoje é um cliché. Daí eu não querer ter muitos. Mas o Tom Vek contactou-me por causa de uma remistura, que eu não consegui fazer por estar a debater-me com os meus próprios prazos, e aí percebi que ele poderia ser perfeito para a faixa “Warning Call”, porque parecia não conseguir encontrar uma voz “samplada” para esse tema. O Jim Abyss já me tinha mostrado a música dele, eu gostei, fiz-lhe o convite e ele aceitou. E acabou por ser uma daquelas colaborações em que ele investiu tanto como eu. Quanto ao Posdnuos, bem, durante toda a minha vida adulta sonhei trabalhar com ele: ele é um dos meus MCs favoritos de sempre, talvez seja até o meu MC favorito de todos os tempos. O Talib Kweli é alguém que me pareceu ser uma boa parceria para o Posdnuos naquela faixa e outra pessoa que eu admirava há muito. E os Little Dragon, é interessante… no início de 2009 tinha acumulado uma série de cupões de crédito numa loja de discos, ofertas por ter lá feito diversas apresentações ao longo dos anos. E decidi gastar esse crédito, cerca de 800 dólares, só em música nova, coisas de 2009 e 2008. Comprei todo o tipo de coisas, rock, electrónica, vinil, CDs, não interessava. Quis aproveitar a oportunidade para checar uma série de coisas que andava a querer ouvir ou coisas que me pareceram interessantes. E nesse lote vinha um single dos Little Dragon, um tema chamado “Fortune”. E de toda a música que comprei nesse dia, aquela canção revelou ser a minha favorita. Comecei a ficar interessado neles, chequei-os online e percebi que tinha conhecido a Yukimi em 2006, quando ela me abordou, penso até que em dois festivais diferentes, para me dizer que era fã da minha música e para me dar cópias de discos da banda com que trabalhava antes dos Little Dragon. Depois voltei a cruzar-me com ela no Japão onde já me deu uma cópia do primeiro álbum dos Little Dragon. Por isso foi algo de kármico. Conheci-os finalmente quando vieram tocar a São Francisco no final de 2009 e fiquei fã da banda. Daí a colaboração…

A sua última digressão estabeleceu um novo standard técnico e artístico para o espectáculo de um DJ, sobretudo quando se trata de performances em festivais. Acha que ainda há caminhos para explorar nesse aspecto? Ou será que o vamos ver em palco com músicos ao lado?

Já há alguns anos que de vez em quando considero a hipótese de montar alguma espécie de espectáculo com banda para tocar a minha música, mas houve algumas coisas que atrapalharam essa ideia: por um lado, já havia uma banda a fazer isso (risos). Havia um grupo chamado Introducing que tocava o meu primeiro álbum na íntegra, nota por nota, e que fez muitos espectáculos. Quando percebi que já havia alguém a fazer isso, a ideia deixou-me de parecer tão interessante. E a verdade é que ainda sinto que ainda há mais que eu posso dizer enquanto DJ, mas isso não afasta definitivamente a ideia de que num determinado momento eu possa achar interessante a perspectiva de montar uma banda para tocar a minha música. Só não sei quando isso irá acontecer, até porque o meu público pode achar essa ideia algo perturbadora, por muito que para mim possa ser inspiradora. É portanto algo em que ainda tenho que pensar muito bem.

E falando em possibilidades para DJs, porque é que na sua opinião o jogo DJ Hero não teve o mesmo impacto que o Guitar Hero?

Eu… bem… quem me dera saber. Por um lado, acho que surgimos no final da era do romance com os jogos musicais. O Guitar Hero também já não está em produção. Por isso, acho que por um lado foi o final natural de um ciclo de tendências e por outro… bem, a guitarra e o gira-discos são dois instrumentos muito diferentes. Não sei se eles teriam tido tanto sucesso se tivessem lançado um Piano Hero ou… Bem, ainda houve alguns jogos com bateria, não houve? Bem, mas nenhuma das variações teve o êxito do Guitar Hero porque a música baseada em guitarras ainda é a mais popular do mundo: isso dava-lhes muita música em que se basearem e os riffs são tão familiares que aquilo só poderia mesmo ter resultado. Eu nem sequer ouço rádio Top 40 e conheço todos os riffs de todas as canções dos Bon Jovi, percebe? Mas houve muita coisa a funcionar contra o DJ Hero e eu só posso estar tranquilo porque sei que as minhas contribuições para o jogo foram válidas e profissionais.

A verdade é que há campeonatos de air guitar e ainda ninguém se lembrou de organizar um campeonato de air piano ou de air dj

É verdade, a nossa relação com o Deus da Guitarra é muito antiga. Acho que o nível de percepção da cultura que existe em torno da música de guitarras é muito elevado. Mas a distância entre esse mundo e o mundo dos DJs está a encurtar-se. Isso percebe-se nos cartazes dos festivais…

Sei que se voltou a reunir com James Lavelle. Poderemos esperar uma futura colaboração entre Dj Shadow e os Unkle?

Sim, isso é algo que poderá voltar a acontecer. Eu nunca fechei essa porta, nem mesmo no momento mais alto da nossa animosidade, ou daquilo que as pessoas entenderam como a nossa animosidade. No final de cada projecto eu sinto sempre que estou pronto para experimentar outras coisas, para trabalhar com outras pessoas. E por isso para mim esse foi sempre um cenário possível. Penso que em anos recentes o James acabou por pacificar o trauma que sentiu quando perdeu os artistas e a Mo’ Wax. Em Junho passado encontrámo-nos em Londres para o meu aniversário e apreciámos a companhia um do outro, como velhos amigos, falámos das pessoas com quem trabalhámos na Mo’ Wax, de alguns dos shows estranhíssimos que fizemos no início dos anos 90, quando costumavam estar apenas 10 pessoas num clube. Passámos por muito juntos e eu deixei muito claro que não se deve acreditar sempre no que se lê, não devemos deixar que seja a opinião de outras pessoas a definir a nossa amizade. Estamos ligados pelo que fizemos, por aquilo por que passámos e isso nunca irá desaparecer.

Há 20 anos, quando estava a editar os seus primeiros discos, sonhava certamente com este momento da sua vida, talvez até pensasse um dia em ter o Posdnuos num disco seu. Duas décadas mais tarde, sente que realizou os seus sonhos?

Sei que responder “sim”, seria o mais óbvio, mas o que quero dizer é que em certos aspectos alcancei mais do que alguma vez imaginei ser possível, mas noutros aspectos sinto que acabo de começar, que tenho ainda muito por fazer. Mas isso depende da medida que adoptamos como escala pessoal. Em termos de sucesso pop nem sequer arranhei a superfície, em termos de um lugar na história da música, bem, aí há sempre mais para fazer. Mas não é algo em que eu pense muito. O que me preocupa é a qualidade da música que eu edito e que peço às pessoas para comprarem. Enquanto eu acreditar que lhes estou a apresentar algo de qualidade e que não desvirtuo os meus princípios, então hei-de continuar a fazer o que sei fazer. Simples, não é?

 


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