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Fotografia: Marta Pina
Publicado a: 28/06/2022

Mais chamativo e orgânico.

DJ Danifox: “Eu tenho raízes de Portugal e de África, mas o meu berço foi Leeds”

Fotografia: Marta Pina
Publicado a: 28/06/2022

Desde tenra idade que o DJ e produtor Danifox já sabia o que queria ser. Depois de um percurso de descoberta, com a mira na família da Tia Maria Produções e guiado pelo seu amor primordial pelo som dos instrumentos e vontade de expressar as suas vivências, o “príncipe” pegou na coroa e assumiu o cargo de encher todas as pistas de dança com uma energia inigualável, difundida através de música que urge qualquer pessoa a dançar. Seja tarraxo, kuduro, afrohouse, afrotrap ou afrofunk, a versatilidade pegou-se ao artista que nem o sufixo “fox”, tornando-o num dos nomes mais promissores da editora Príncipe e uma das presenças mais entusiasmantes em qualquer festival por esse mundo fora.

Numa conversa descontraída — e também ela, em momentos, musicada — com o Rimas e Batidas, o músico falou da descoberta desta paixão, do berço à cabine, que embora nómada é constante no seu objectivo: passar boas vibes.



Já fazes música há algum tempo, desde para aí 2014. Como é que começaste neste mundo de DJing e produção? De onde surgiu o interesse?

Surgiu em casa, ou seja, na casa dos meus amigos que já produziam em Portugal. Isto já quando eu tinha saído de Angola, porque estive lá um ano e ao estar lá alimentei-me de muita musicalidade: miúdos a batucar em cenas bué foleiras, tipo uma lata de Coca Cola. Via cenas assim na rua e ficava a pensar: “Eu sei o que quero fazer”, mas ainda não sabia como recriar isso. 

Porque ainda não tinhas nada, nem de material nem de knowledge?

Não tinha nada, era só eu, precisava de um PC, que era praticamente isso, só que naquela altura nem sabia se era realmente de um PC que eu precisava, ou se precisava de algo mais do que isso. Então venho para Portugal e acontece que nesse ano de 2014 é quando também começam a nascer bué produtores, ou seja, venho numa boa altura, numa altura em que toda a gente queria aprender. Quando fui para Angola, depois de estar em Portugal, tinha um vizinho meu que cresceu comigo, então o aprender era sempre algo que partilhávamos, aprendíamos sempre uma coisa nova, desde futebol a documentários, cenas assim do género. E depois daí nessa inocência, já havia aquela cena dos miúdos dançarem, o tempo do jerk, se voltarmos para trás, havia muito isso, aquela rivalidade do jerk e de quem dançava afro, afrohouse e, neste caso, kuduro. 

E tu dançavas também na altura?

Dançava, mas era aquele miúdo bué shy, eu não dançava bem, mas dançava mais porque era aquela cena do género: és africano e não sabes dançar? That is wrong [risos]. Acontece que dançava, mas não era algo que sentia que era mesmo eu, então já nessa cena da dança inventávamos o batuque, porque quando ouvíamos música batucávamos, dançávamos e assim e foi mais por aí. Depois nisso do batuque comecei a trabalhar o meu beatbox, nessa minha juventude posso dizer que comecei a preparar-me inocentemente. Não sabia o que estava a fazer, eram cenas de puto, mas foi mais ou menos por aí que comecei a perceber o que realmente gostava e queria fazer, só ainda não sabia bem como o fazer. Isso aí já deu muito trabalho. 

E como é que chegaste a esse ponto? Foi quando compraste o que era preciso?

O meu primeiro salário foi para o meu primeiro PC. Mas eu sabia que não era só isso que tinha que comprar, era o PC, mais as colunas, mais não sei quê, ou seja, o meu primeiro salário foi isso, o segundo foram as colunas. Até me sentir em casa no meu próprio estúdio ainda demorou bué tempo. E como produtor, tu só estás a comprar cenas que não vais receber na altura, só vais receber muito mais tarde e esse mais tarde é tipo agora. E ainda tens aquele material que só dura três, quatro anos e é prejuízo, estraga-se.

Lembro-me de ver que querias incentivar pessoal no bairro a dançar. Na altura estavam algo apreensivos, agora achas que já dançam? À medida que vais evoluindo no teu percurso?

Ya, acho que já não há mais aquele receio de “será que devo? Estou num sítio X em que não há muito disso”. É mais fácil encontrares no bairro às três, quatro, cinco da manhã pessoal ali só a ouvir música ou a dançar e acredito que sim, que hoje as pessoas acabam por se libertar mais, porque também hoje em dia já há mais informação e não tem como tu não te libertares.

O que usas para criar? Samplas muito?

Hum, isso é uma boa pergunta [risos], bem, eu inspiro-me… opá, eu gosto de ouvir jazz. Gosto muito de ouvir música, mas quando digo música estou mesmo a referir-me a instrumentos: uma bateria, ouvir um violino, cenas reais. Há um tempo para cá comecei a investir mais nisso de usar mais instrumentos orgânicos, que é também uma das perguntas que me fazem.

Foi algo que por acaso sempre tive curiosidade, se o som dos instrumentos era samplado ou se ia alguém mesmo tocar os sons.

Não, eu faço mesmo! Toco no piano, gostaria eu de ter os instrumentos [risos], mas é uma pipa de massa para ter os instrumentos.

Ia falar disso porque agora no EP novo há uma música, a “No Stage”, que tem uma escala de notas num trompete absolutamente incrível e fiquei curiosa sobre como teria sido feito.

[Fist bump] Ya, fiz no piano. Tenho computador, faço no piano, tens aqueles programas que fazem com que dê para reproduzir o som de certos instrumentos da forma mais original possível e é essa a minha praia. E esse trompete quando fiz, ouvi e pensei “nah, grande trompete que entrou, é bué fixe.” 



Que programa usas para fazer os teus sons?

Uso a Maschine 2, da Native instruments, e uso o FL Studio (o Fruity Loops). 

O tão famoso e adorado.

O Fruity Loops é o berço [risos]. Mas depois com a Maschine já puxo aquela sonoridade que eu quero ir buscar.

Isto tudo onde? Num home studio?

Sim, o meu álbum foi no home studio

Em algumas entrevistas disseste que ouves músicas antigas e tiras referências. Existem alguns nomes que tenhas como principais referências na tua cabeça?

Tenho. Paulo Flores, Yuri da Cunha ou Robert Johnson — tenho um som que vai sair para o meu álbum, ainda sem data [risos], fiz um som mesmo baseado nele. 

Nasceste em Lisboa, mas depois mudaste-te para Leeds, no Reino Unido. Sentes que isso afectou a tua criação de música?

Afectou muito porque estás em Inglaterra e Inglaterra é um sítio que tem bué comunidades num espaço bué pequeno. Imagina, aqui tens jamaicanos, ali tens gente das Caraíbas, também britânicos, paquistaneses, portugueses também, então ali alimentei-me um pouco de tudo; alimentei-me muito do reggaeton, era um puto que gostava de ir a todos os carnavais de Inglaterra, lá os jamaicanos têm aquela cultura, de fazerem o Carnaval e fecharem uma rua e meter só reggaeton, com muito baixo, e eu ouvia isso tudo. Até hoje ouço isso tudo, tanto que quando comecei a ser DJ, comecei a tocar em house parties, mas tocava sons jamaicanos, reggaeton, diversas cenas, porquê? Porque não estava no meu país, então estando lá não ia tocar o que o meu país ouve, tocava o que as pessoas de lá ouvem, foi mais isso. Cheguei lá, acolheram-me e depois disso comecei a encontrar-me, já lá, porque também tive momentos em que pensei que se eu estivesse aqui em Portugal ia ser mais difícil do que propriamente lá fora. Nós todos sabemos essa realidade. Aqui temos o nosso conforto, temos as nossas amizades, mas depois temos também aquela mania de deixar tudo para amanhã, porque é o nosso conforto, e lá não. Lá eu pensava: “Já chumbei em Portugal, não vou fazer a mesma merda, vou tentar fazer diferente.”

Também tens músicas nas quais cantas, algo não muito comum a DJs. Porque quiseste incorporar essa parte nas tuas músicas? 

Eu nunca me considerei 100% DJ. Eu era DJ, sim, porque passava som de toda a gente, que é o que um DJ faz, mas quando és DJ e produtor e só estás a tocar o teu trabalho não vais sentir que és DJ. Estás a passar o teu trabalho, estás a fazer uma “passagem” de som. 

Na “Dark Hope” e “Na Palmeira”, que são algumas das minhas preferidas, há bastante essa parte cantada, como é que isso surge, normalmente? Ouves a batida e sentes que podias acrescentar algo por cima ou já vais com a ideia pensada antes de que queres dizer algo em específico?

É porque eu tenho um hábito: quando vou na rua, gosto de falar sozinho, mas falar bem sozinho, não como estou a falar contigo, mas uma cena assim mais filosófica. Então, nesse dia, acho que estava na Califórnia… a bit high, but anyway [risos], estava a fazer o “Dark Hope” e a letra começou a surgir. Como é que era?

“Tantos amigos que eu perdi…”

Exacto, e na verdade foi uma vivência real. O eu ter deixado este sítio com 14 anos e haver cenas que eu queria viver e não vivi, ou que queria viver e vi no insta snap ou posts da altura, coisas que eu não vivi e que os meus amigos conseguiram viver, mas que eu não vivi isso com eles. A “Dark Hope” foi sobretudo eu a falar do meu trajecto e das coisas que me aconteceram, porque dos 14 aos 17 aconteceu muita coisa, também foi com 14 que eu me apercebi que queria mesmo fazer isto. Então, ya, a “Dark Hope” é mesmo sobre aquelas esperanças obscuras. Emigrar não é fácil, com os teus 14 anos [ainda] és jovem, podes perder, falhar e também é disso que eu falo, também às vezes não o digo abertamente, mas é algo que está em constante mudança. Também só tenho 22 anos.



Acabaste de lançar um EP, Dia Não Mata Dia. Como foi o processo de criação deste disco? 

Foi um processo suave, foi calmo. São sons que têm possivelmente um ano, alguns quase dois, mas estes sons que ouviste têm já também a ver com aquilo que te estava a falar do Robert Jonhson. Quem não sabe disto não vai perceber, mas tu a ouvires vais perceber realmente do que é que eu estava a falar. E, novamente, baseei-me nos instrumentos para estes sons.

Fizeste este já a pensar no próximo, então.

Sim, porque o meu objectivo era fazer um álbum só com cenas orgânicas, por exemplo, meter uma harmónica a tocar. E já mexi muito com a cena da electrónica, aquelas melodias bué turn up, agora queria assim cenas com mais harmonia. 

Os teus títulos são sempre bastante criativos e caricatos. Porquê este título: tem alguma razão em especial?

“Dia não mata dia”, eu sempre disse isso. Imagina que acontece alguma cena, eu digo: “Epá, dia não mata dia”. Significa que não é por hoje eu estar a ter um dia pior que amanhã o dia vai continuar a ser mau — pode ser um bom dia. 

A capa parecem demogorgons do Stranger Things, era suposto?

São duas pessoas que, se reparares, têm um sol na cabeça. É o sol a matar o sol, algo que é impossível!

Ah… porque dia não mata dia, é a representação literal! [Risos] faz mais sentido do que a minha teoria. Sempre misturaste vários estilos, a tua estética musical vai de tarraxo, kuduro a “gueto de Lisboa”, passando por estilos como afrohouse, afrotrap e afrofunk. Sentes que tens um estilo predominante agora? Tens algum preferido?

Até hoje quando vou produzir tenho tanta cena acumulada que eu quero fazer que me perco no som ou num projecto. Numa música, por exemplo, pode ser só um som, mas tem lá quatro ideias, fico com aquela cena que em vez de gravar um projecto só com um som, gravo um projecto já com umas quatro ideias em mente. Assim, se um não correr bem, há sempre o plano B, é mais por aí. Em termos de estilo não tenho algo que diga: “Ya, isto aqui é meu”. Se formos por isso de cunhos, em termos de estilo o meu é mais a cena das melodias, mais chamativo e orgânico.

Em 2016 surge a colaboração com Deejay Ary no som “Dorme Bem”, presente na compilação Mambos Levis D’Outro Mundo que sai pela editora lisboeta Príncipe. Como se deu a tua entrada na Príncipe?

Eu era puto naquela altura e não estava bem a par sobre o que era a Príncipe, quem sabia mais era o Ary, a tal pessoa que falei antes que era meu vizinho e cresceu comigo no mesmo prédio. Sabia que era uma label, mas o que é que era uma label? Saber, com 15 anos, eu até sabia algumas coisas, já curtia bué de Chief Keef e sabia que ele tinha bué essas cenas. E labels não precisam de ser all of that, é uma organização, são amigos, é isso que eu sinto. Foi o Ary que me introduziu e explicou o que era a Príncipe, entretanto deixámos de nos contactar, por rotinas diferentes, eu estava em Inglaterra, mas nessa altura em que se lançou essa cena pensei em continuar a fazer mais e mais, já estava a ficar viciado em produzir. E estava a ficar viciado enquanto tinha um PC que não prestava para nada, imagina o que é estares a produzir às duas da manhã, silêncio e o PC faz crash; eu nem me irrito. Levanto-me, vou-me deitar, durmo e é como se nada tivesse acontecido.



Porque dia não mata dia [risos].

Dia não mata dia! E já tive bué dias assim. Gosto de fazer grandes sons e lançar só, sei que me vou sentir bué feliz, antigamente era isso que eu sentia, daí estar viciado. Só pensava em fazer grande som e deixar na Internet, porque estava bué fixe e queria que ouvissem, era um sentimento constante. É para sentirem aquilo que eu sinto sozinho! Havia noites em que perdia muitas músicas e já nem ficava triste, já nem ficava revoltado, porque estava tão viciado que já só queria produzir mais ali às sete da manhã.

Ali com o sol a nascer já, quebra a vibe.

E depois é isso! Quando o sol começa a nascer, começa a dar mesmo nas vistas e começa a dar-te dor de cabeça e para não me fazer confusão, viciado como eu estava, tapava as janelas com sacos de plástico preto, o quarto ficava escuro… I was addicted. Mas queria um PC novo. Agora já consigo fazer música durante o dia, mas antes de dia eu era estudante.

Estudaste o quê?

Informática, level 1. Depois estava já para fazer o level 2, em Leeds, e já estava com uns 19 anos e comecei mesmo a pensar: “Um gajo está só a estudar informática, mas curte de música. Vou fazer alguma cena de música!”. Então fui estudar uma cena de música, em Manchester, estudei Advanced Music and Production. Mas imagina, estudei aquilo e pensei: “Fogo… afinal, realmente, vim aqui estudar, mas os cinco anos que passei em casa a produzir foram literalmente isto que estou a aprender”. Estava numa sala onde havia gente que sabia e outros que não sabiam, mas eu pensava que ia estar numa sala de masterminds, que eu ia ser aquele gajo bué atrasado e que ia ter que aprender bué cenas e afinal não, até me curtiram de ter lá e mesmo assim ajudou-me imenso. Tanto que um dos sons que ficou viral foi por causa daquela escola, o “Long Way Talk”. Porque essa faixa foi o meu exame para passar a uma cadeira. Passei, curtiram, a ideia era fazer um som e depois, mais tarde, quando me estava a faltar um som num dos EPs pensei em meter esse que já tinha feito para a escola.

Fazes também parte da equipa da Tia Maria Produções, lançaram o EP Lei da Tia Maria em 2020, logo a abrir com o banger que é o teu “Xupetilson”. Como é que surgiu esta aliança à Tia Maria?

[Cantamos em uníssono a “Xupetilson”]

Os meus melhores amigos, os meus bests mesmo são o DJ ADAMM e o DJ Lycox, e quem me meteu nos Tia Maria bem que podia ter sido o DJ Lycox, mas não, foi o CEO dos Tia Maria, o Puto Márcio. Já falávamos, mas era aquela cena, com produtores há aquele tabu, estou a fazer a minha cena, tenho que continuar na minha cena e sempre foi essa a minha ideia. Mas, quando comecei a produzir, pensei: “Quando estiver mesmo bom a produzir, eu quero produzir com os Tia Maria, quero produzir com os Casa da Mãe”, tinha essa motivação, de querer ser como os gajos, mas eles já eram daquele jeito e eram putos, naquela altura com 16, 17 anos. Eu já tinha esse pensamento, agora imagina teres essa ideia e estares aqui, mas depois emigras. Apesar de ainda vires cá, só vens um mês ou dois, mas mesmo assim não desisti, quis lutar por isso. Foi uma cena crazy que me aconteceu e que muitas vezes me esqueço. Eu disse mesmo: “Quero estar naquele grupo” e agora estou.



Isso é incrível. E continuam cá em Portugal, ou estão espalhados?

Continuamos assim. Quer dizer… já esteve pior! [risos] Eu estive em Leeds, o Lycox em França, mas depois, entretanto, ele foi para Inglaterra e eu vim para Portugal e ele de Inglaterra foi para França, de novo [risos]. A nossa cena é tipo… where’s Tia Maria from? Lisboa, no doubt. Quanto à minha personagem, eu sei que tenho raízes de Portugal, de África, mas o meu berço foi Leeds. E estando lá, já o Márcio metia olho em mim, ao ouvir os meus sons, mas não me dizia nada! Era a melhor cena que ele podia fazer, também, para ser honesto, porque se ele me dissesse que me queria meter nos Tia Maria eu ia-me mijar todo [risos], preferi assim. As cenas correram como tiveram que correr, foi orgânico. Passado uns dias o [DJ] Bboy segue-me… desculpa, recapitulando: os Tia Maria são Danifox, Lycox, DJ Bboy, Puto Márcio e o Deejay Poco, mas nessa altura o Poco ainda não estava, só os anteriores — e começa a falar comigo e a dizer que curte das minhas cenas, mas só começou a dizer que curtia já depois de o Márcio mostrar as minhas músicas. Porque também tu se calhar só ias conhecer o Danifox pelo Soundcloud como produtor porque tu és produtor também. Vais ver lá umas 64 faixas no SoundCloud, mas eu não tenho só 64 faixas.

E tu estás sempre a mandar sons, até no Instagram.

Fico sempre a fazer cenas, se não meto no Insta, meto no WhatsApp, agora imagina [risos]. Mas foi por aí, o Márcio foi mostrando os meus sons e depois eles tiveram todos uma conversa, e o meu best falso ficou sempre calado! [Risos]

Como foi a transição de usar o teu tag de Danifox para o da “Tia Maria Produçõessss”, optaste por começar a usar mais esse?  

Na crew todos nós temos essa tag. A tag que eu mais curto de usar agora é a “Tia Maria Produções”, raramente agora ponho a minha a dizer “Danifox” ou o “uua hh ahh”, isso é mais da minha antiguidade. Mas nós nos sons damos sempre duas entradas, que é o “Tia Maria Produções” e o nome do produtor, vais ouvir sempre o “Tia Maria”, mas talvez o “Danifox” já só ouças assim mais lá no fim. Antigamente as tags punham-se uns 30 segundos antes, quando é suposto o som entrar, está a vocal ali a tocar ainda, a repetir bué vezes. 

És um dos nomes em ascensão da Príncipe. A que achas que isso se atribui? Qual é o teu cunho especial?

Escrever não pode ser, porque é algo que ainda estou a desenvolver. Eu não sei, porque quando estou a produzir e mando para alguém que já produz há algum tempo, não consigo explicar bem. Mas há vezes em que fumo quando vou produzir e existem grandes diferenças entre quando vou produzir high e quando vou produzir sóbrio. Notas bué diferenças, posso dizer que meto mais bass. Uso muito, na maior parte dos sons. Na “No Stage” o baixo é uma guitarra.

Então, o pessoal que estiver a ler isto já sabe: se ouve muito bass, estavas high quando fizeste a música. Depois de uns três anos de “Long Way Talk”, do teu primeiro EP a solo, agora neste teu novo EP trazes a faixa “Long Way Talk (Reprise)”. Em que sentido achas que houve uma evolução desde esse primeiro trabalho a solo? 

A “Long Way Talk” era como eu estava, a “Long Way Talk (Reprise)” é como eu estou. É a sonoridade mais próxima de 2022 que consegues ouvir. Também ouves o trompete ou o saxofone, cenas bué orgânicas que não existiam no “Long Way Talk”.

E para esta reprise, qual foi o processo? Reconfiguraste a cena ou quiseste homenagear de raiz?

Quis homenagear de raiz. Quer dizer, neste início novo tens a flauta que usei como intro, para dar saudações da música antiga. Tirei os drums que estavam lá e sensibilizei-os.



Na “Solo”, há algo que repetes várias vezes… porque é que queres “escrever de novo esta canção”?

Porque eu não sabia o que escrever mais [risos]. Estava a gostar bué do som, porque também é muito diferente, não ouves o kick, é como se estivesses a ouvir só a bateria, então era mesmo por não tinha mais letra. [Cantamos essa parte]

Também sei que embora antes fosses mais tímido a actuar ao vivo, agora é algo com o qual já estás mais confortável. Quais são os teus sítios preferidos de actuar? Tiveste algum sítio em especial onde adoraste actuar, por alguma situação em específico?

Ya, neste caso, assim um sítio onde eu me senti mesmo bué bem e aberto foi no sábado em Roterdão, no Permanent Festival. Foi o meu primeiro festival com a Príncipe, fui sozinho e foi grande energia, nunca tinha sentido nada assim. Porque também, lá está, nunca paguei bilhete para estar num festival, então não sei o que é estar assim num festival, e estares como DJ e saberes que vais actuar, no festival é algo novo. Esta primeira vez que fui aproveitei bué bem, senti-me aberto à cena e acho que me senti assim por não estar na minha zona de conforto, porque sei que na minha zona de conforto há tantas boas energias como más energias, então não tens como misturar isso num sítio completamente novo. Por isso escolho esse.

Numa entrevista para o Musicbox, onde são feitas as festas da Príncipe, disseste que esse sítio estimulou uma abertura para se trazer “músicas do gueto e do bairro” ao público e que hoje em dia “as pessoas já sabem ouvir” esse tipo de músicas, ou seja, que já há uma maior adesão ao tipo de música que fazes. O que achas que aconteceu para se dar essa mudança?

Para existir a necessidade de uma mudança sequer tem de existir um atraso de mentalidade. Eu falo muito disso com os meus amigos produtores mais chegados; nós vemos e sentimos que antigamente as nossas cenas não eram passadas e agora, às vezes, ainda há aquele sentimento de que se estão a ser passadas deve haver algum interesse. Deixou de ser tabu, mas ainda é tabu, porque não sabes o além disso. Sabes a parte comercial, os limites disso, mas não o além do hip hop, que sempre foi uma coisa que esteve lá no bairro e que não só nunca vai morrer como está sempre a nascer e a fluir. Podemos pegar em géneros, por exemplo: tu olhas para o drill e se o drill não existisse em género em Portugal, para a juventude que nós temos, muitos iam perder-se, mas ainda há muita gente que pega no estilo e faz disso algo diferente. É muita cena que está a mudar, as culturas vão mudando e juntando-se e acho que é isso que está a criar essa aceitação. 

Que energia queres passar com a tua música?

Eu só quero passar boas vibes. Estou a passar a minha realidade, a realidade de mais uma pessoa, mais um produtor. Que dancem, se divirtam, reflictam.

Em termos de colaborações, tens alguma tua que destaques? E porquê? 

A com o meu best, a “Moça”, com o DJ ADAMM.

Essa música pode muito bem ser uma das músicas deste Verão.

Ya! Tanto que era uma música que tanto eu como ele já estávamos a roer, só a dizer: “Mano, temos que lançar essa cena”. Deu certo, lançámos e o people está a mostrar love, é bom, não é?

[Cantamos a “Moça”]

Isso também foi grande vibe, escrever essa letra. E são cenas de Verão, uma miúda a passar de saia, e depois é aquela brincadeira de usar tipo o slang do Brasil e misturar, criar algo assim e acontece que o pessoal aderiu. Tanto que houve um bacano que me disse: “ah, você é que é o bacano, o Danifox da ‘Moça’, gosto muito dessa música! Aquela música que diz: a minha piroca sobe” e é só já isso que se lembram agora! Não sabem dizer a parte da “moça”, é só já aquela parte, eu fico todo: “Ahah, ok, obrigado”. Epá, olha, enfim. Fico bué shy, a sério [risos].  



Que colaborações queres ainda fazer?

Colaborações eu faço só com gente do meu meio, porque gosto de trabalhar e gosto de me sentir bem. Não gosto de estar a trabalhar por sentir que tenho que trabalhar. Então, ya, é mesmo só com os meus e quando digo por exemplo Tia Maria, digo também quem viu a crescer os Tia Maria, posso dizer que quem viu a crescer a Tia Maria foram mais os produtores do que propriamente os ouvintes, se é que me estás a entender. Os produtores já se conheciam, os ouvintes é que não. É por aí.

Esta pergunta é mesmo por curiosidade, não sei se me conseguirás responder, mas porquê a inclusão do “Fox” em tanto nome de DJ?

Ya, não sei, mas já fiz as minhas conspirações. Na minha opinião, eu acho que tem a ver com cenas parecidas a quando eu era miúdo e queria ser como quem eu admirava. No meu caso, eu queria produzir como os Tia Maria, já havia um “cox”, eu pensei, o meu nome é Daniel, vou-me chamar Danifox. Ainda não era produtor nem nada, não era mesmo ninguém, mas meti na cabeça que quando fosse ia-me chamar Danifox, mas porquê? Porque o DJ ia só tocar cenas do Danifox, já estava a levar isso nesse sentido, DJ Danifox porque ia estar a tocar as cenas do Danifox. Eu comecei a ouvir kuduro em 2006, com uns seis anos já tinha alguma noção dos géneros e ouvia cenas de Angola e depois começou a chegar a Portugal, cenas só de batidas sem voz. Lá em Angola os produtores fazem animações também. Aqui havia muito disso, mas só que não havia tanto essa fama, por isso é que, por exemplo, pego numa faixa e já estou a cantar, embora para mim isso não seja cantar. No “Moça” cantei, mas se calhar no “Na Palmeira” não cantei, foi só uma animação e podia estar a fazer aquilo sem som. São influências.

Agora vais actuar no NOS Alive, no palco WTF Clubbing, quais são as expectativas?

Fiz já um som ontem, só para largar lá… aliás, eu meti no insta até [risos]. Fiz seis minutos de som, vou tocar lá, é um remix de um som de um chegado meu, o puto Tyson. O som original é o “Tem que tar no compasso” e eu remixei.

Quais são os próximos passos para o Danifox?

É mesmo aprender com os erros. Porque eu sei que vou errar muito, mas vou aprender e aprender também se aprende rápido, depende é do problema. Aprender com os erros e produzir. Isso e ainda há o álbum que supostamente vai sair, mas sem data prevista, será o Ansiedade. Já entendes o dia não mata dia, está ligado. Porque o Dia Não Mata Dia nem era para sair, era o Ansiedade, mas fiquei com aquela ideia de que precisava mesmo de lançar um EP e decidi que aquela parte ia ficar o Dia Não Mata Dia e o Ansiedade, como era algo mais completo, uma cena com 9, 10 faixas, ficava um álbum e com esse título — quando falas de ansiedade, falas de uma cena que mexe mesmo bué contigo, então vai ser um trabalho que vai mexer bué com vocês.


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