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Fotografia: Giorgio Garrido Bruno
Publicado a: 27/12/2022

Batidas baleáricas para uma utopia temporal.

DJ 420@ôa: “Tinto Verano foi feito com muito carinho e para fazer toda a gente dançar com uma ideia nostálgica do Verão”

Fotografia: Giorgio Garrido Bruno
Publicado a: 27/12/2022

DJ 420@ôa (lê-se “420 à toa”) é Miguel Alves, que, sob este pseudónimo, tem explorado as mais diversas nuances da música electrónica de dança desde a edição do seu primeiro trabalho, EP1, em 2019. Licenciado em Design de Comunicação pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, Alves, o músico é ainda membro do Coletivo Lenha, cujo cerne de actividade se centra no cruzamento entre as práticas do design e da música.

O seu mais recente trabalho, Tinto Verano, viu a luz do dia a 28 de Novembro pela Alienação, e, enquanto produto contemporâneo de uma geração cada vez mais enamorada pela criação de um universo esteticamente retrofuturista – seja este universo hauntológico, hipnagógico ou hyperpop -, assenta num repertório embebido na memória cultural do final da década dos anos 90 e do início da década seguinte: que o diga o seu cardápio de techno, trance e eurodance, samples de Nelly Furtado, The Underground Project ou a banda sonora de Need For Speed: Most Wanted. Esta anacronia sonora ainda se torna mais acentuada com a inclusão de remixes por parte de Ecstasya, Phaser, VTF e BLEID na segunda metade do curta-duração. Cada vez mais se nota o interesse em esbater linhas temporais dentro do processo de criação artística – o que, ironicamente, faz com que Tinto Verano deixe claro que DJ 420@ôa é um artista do seu tempo.



No espaço de três anos já contas com diversos lançamentos que investem em diferentes rumos sonoros. DJ 420@ôa é o teu primeiro projecto artístico dentro da vertente musical ou já existia algum antecedente?

Não, na verdade este foi mesmo o meu primeiro projecto. Por acaso até achei engraçado dizeres isso, porque eu penso um bocado em como este é o meu primeiro projecto e como, no futuro, poderei chegar a desenvolver projectos com diferentes aliases ou nomes. Mas o DJ 420@ôa foi mesmo o primeiro nome que eu assumi como artista e sob o qual fiz as minhas primeiras coisas de música.

Isto começou para aí em 2017, 2018, e basicamente eu e os meus amigos – alguns dos quais membros do Coletivo Lenha – fazíamos festas em minha casa, festas normais de amigos, só que tínhamos uma panca que acho que todos os grupos de amigos têm, do género: “ah, vamos começar a pôr música para dançar, cada um é um DJ, cada um passa um estilo assim meio no gozo ao início”, e demos nomes uns aos outros. O nome DJ 420@ôa foi-me dado pelo meu primo. No caso do “420”, acho que é óbvia a ligação, e o “@ôa” está escrito desta forma porque o arroba pode ser lido como “at”. Mas, pronto, foi o nome que o meu primo achou que descrevia de melhor forma tanto a música que eu escolhia na altura como a maneira como eu passava som – era assim um bocado pedrado, um bocado à toa-

Estamos a falar apenas da tua faceta enquanto DJ e não enquanto produtor, certo?

Sim, nessa altura eu encontrava-me numa cena um bocado a gozar, não queria só ouvir música na JBL, nas festas em casa, queria ouvir música electrónica, ouvir hip hop, mas com transições e assim; na altura em que comecei a fazer isto, passava muito hip hop e nem me focava muito na música electrónica, isso veio mais à frente. Ao início estava num registo de brincadeira, depois, já com o nome artístico definido, quis tocar nas festas da faculdade [de Belas-Artes] e a partir daí foi subindo e subindo e subindo.

Falemos agora do Coletivo Lenha, que se define como um “colectivo de jovens focado no Design Gráfico e na Experimentação Musical, explorando o meio electrónico” – o que espelha claramente o teu trabalho, uma vez que és simultaneamente activo nas áreas da música e do design. Consegues explicar de forma mais detalhada em que âmbito surge este colectivo?

Este colectivo surgiu, basicamente, a partir de um núcleo de amigos dentro da Associação de Estudantes da Faculdade de Belas-Artes, que queria fazer eventos, e era como que uma desculpa para fazer design: fazer a identidade gráfica de um evento, a identidade gráfica de uma marca que produz eventos… Tudo começou assim como uma desculpa para ter uma razão para ter uma plataforma para fazer este tipo de coisas. Imagina, tu ‘tás na faculdade, ‘tás a fazer design, e depois queres explorar o teu design e mostrá-lo às pessoas, e a única forma que tens para o fazer, mais ou menos, é optando pelas redes sociais – tens outras formas, mas a mais óbvia é a das redes sociais e, normalmente, a malta vai fazendo coisas como posters para eventos fictícios, ou uma capa falsa para uma cena que já saiu, ‘tás a ver? Nós queríamos ter uma desculpa para fazer design que tivesse utilidade e que tivesse um fundamento e um conceito por trás, assim como um resultado final que fosse um evento ou um lançamento, etc. Foi um bocado por aí que começou a ideia do Lenha. 

É interessante dizeres que isto é quase como um pretexto para poderem apostar mais na vertente do design – creêm que o meio musical pode funcionar como um veículo que facilite o vosso trabalho na vossa área de formação?

Há muita gente que não vê o design como uma arte em si; eu acho que nós vemos o design não só como uma arte, mas também como uma cena com a utilidade de, lá está, transportar essa mensagem, e acho que, muitas vezes, o design pode ser uma ferramenta para entender melhor a música, ou para a ajudar. Normalmente é mais para ajudar no marketing da mesma, porque é o primeiro contacto que tu tens com a música, é a capa — pelo menos era assim quando compravas discos, agora se calhar é mais o vídeo, ou a própria música, porque a ouves em plataformas de streaming. Mas, sei lá, para nós o design continua a ser muito importante e nós queremos muito manter a cena de o trabalhar e explorar sem ter que estar necessariamente conectado à música. Se calhar, neste momento, o design é, no nosso colectivo, um veículo para transportar a música e nós queremos ir um pouco para além disso. Ainda estamos no processo de fazer com que a música também possa ser um veículo do design – por exemplo, uma instalação que é mais à base do design e onde a música é só um complemento ou algo assim desse género. Mas ya, acho que aquilo que queremos trabalhar no Coletivo Lenha é muito por aí, é manter o design como um elemento fulcral que não se limite apenas para a música.

É também através deste colectivo que habitualmente promoves o teu trabalho discográfico. O que te levou a editar este EP fora da tua “casinha”?

Inicialmente, quando eu comecei a fazer música, foi um bocado óbvio que eu queria ter a minha própria label, se calhar porque eu também não percebia bem onde é que a minha música se podia encaixar, e não tenho grande conhecimento das labels… Eu sou um bocado mau com nomes e com decorar coisas, vou mais pelas imagens (com músicas, normalmente decoro capas), daí também a grande ligação ao design. Basicamente, eu conheço o [João] Melgueira já há algum tempo porque, quando ele fazia umas festas com a Alienação, cheguei a trabalhar na porta com ele, e surgiu recentemente esse convite para lançar na sua label. Eu já na altura andava à procura de labels para lançar o meu trabalho, de modo a não ficar sempre preso no Coletivo Lenha – aliás, não quero dizer “preso”, mas eu queria diversificar um bocado a cena também numa questão de melhorar o meu próprio marketing. E, pronto, o Melgueira basicamente ligou-me, surgiu o convite e eu aceitei. Fiquei todo contente, foi e está a ser incrível até agora.

Indo directamente ao assunto: o que tem este Tinto Verano de tão especial para o distinguir dos demais? [Risos]

Olha, o que este tem de especial é que, em vez de tinto, é com techno, ‘tás a ver? Mas vá, agora a sério: o que é que este tem de especial? Pá, em relação às coisas que eu já tinha lançado, sinto que é, se calhar, aquele trabalho onde vejo que o meu som já ‘tá cada vez mais profissional e consistente, que o mixing ‘tá cada vez melhor para aquilo que eu quero. Comparando com outras coisas que há por aí, diria talvez que é super especial, melhor do que os outros [risos], porque vai a muitos sítios em termos de melodia, de estilos, tem alguns samples já utilizados, outras que eu nunca vi utilizarem… Portanto, o que o torna especial é que foi feito à toa, mas com muito carinho, e para fazer toda a gente dançar, com uma ideia nostálgica do verão, e acho que é isso que tem de especial [risos]. 

Tinto Verano representa fortemente uma homenagem à cultura pop do virar do século através dos samples e estilos aos quais recorreste. A evocação da memória colectiva do passado tem vincado o universo da música popular da actualidade, desde a disseminação da hyperpop a partir do mundo anglo-saxónico até ao kitsch à portuguesa de David Bruno (para não numerar muitos outros exemplos). Como vês o desenvolvimento deste fenómeno no caso específico da música electrónica a nível nacional?   

A primeira coisa que eu te posso dizer é que acho que isto se aplica a toda a arte, que as coisas são muito cíclicas – sinto que daqui a 20 anos nós vamos estar a recordar este tempo com nostalgia, como vemos agora com nostalgia esse período que referes. Sinto que a geração que agora ‘tá a começar a entrar na música electrónica (e em Portugal estão a surgir imensos novos artistas com muito talento a fazerem música electrónica) encontra-se a recordar a sua infância, ’tás a ver? Estas músicas que samplei são coisas que eu me lembro da minha infância, de, sei lá, ouvir no carro, ou de ouvir na escola, ou nos campos de férias; são coisas que me fazem lembrar de quando eu era mais puto. Por outro lado, sinto que o facto de agora haver tanta música, tanta informação, tanto tudo, faz com que exista uma necessidade de se fazer aquilo que ‘tavas a falar, de fazeres uma cena mais kitsch, mais tugacore, de ires às tuas memórias e às tuas raízes, e tentar enfiar isso dentro da tua arte, porque acho que é uma forma de ires buscar também a tua identidade. Acho que tem tudo a ver com os jovens terem todos uma crise de identidade que vão vivendo também por causa desta era da super-informação, o que leva a que tu queiras reflectir na arte um bocado daquilo que tens à tua volta. Mas se calhar as influências são mais indirectas, tipo, o folclore português — como foi o caso daquele trailer do Neopop baseado no folclore português, acho que espelha muito bem essa cena da música electrónica tentar ir buscar um bocado às roots da própria infância e do próprio país.

Não deixa de ser curioso que, seguindo essa lógica, possamos chegar a um ponto em que, em vez de irmos beber à nostalgia, bebamos à nostalgia de beber à nostalgia…

Pois, é uma espécie de loop. Eu sinto que chegámos a um tempo em que já é muito difícil haver originalidade. Eu acho que há pessoas originais, acho que há muita arte com muita originalidade, porém, acho que é muito difícil haver uma coisa nova, totalmente original, porque mesmo a música já é muito à base do sample; a música electrónica é toda uma cópia de sistemas que existem em formato físico, portanto… Não sei, eu sinto que é tudo um ciclo e já andamos aqui num sample do sample do sample do sample, como, por exemplo, o “Amen” break, a cena mais samplada de sempre [risos] e que ‘tá sempre a mudar até chegar a coisas diferentes que vão aparecendo.

Tens algum plano para promover este disco ao vivo?

Por enquanto ainda não tenho nenhum plano; no Coletivo Lenha estamos a tentar começar a organizar uma ou duas festas para o próximo ano, estamos a ver que espaços é que conseguimos bookar. Tenho é mais lançamentos planeados, não tenho gigs planeados [risos].


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