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Fotografia: Kieran Loftus
Publicado a: 26/02/2022

A artista americana, radicada em Berlim, conversou com o Rimas e Batidas sobre o seu disco de estreia, o que mudou desde a sua edição e o seu crescimento enquanto produtora.

Dis Fig: “PURGE foi um vómito emocional”

Fotografia: Kieran Loftus
Publicado a: 26/02/2022

Quando, em 2019, Felicia Chen, aka Dis Fig, se lançou a solo enquanto produtora, a sua marca indelével de noise, industrial e controlo vocal não deixou os mais atentos indiferente — tratava-se de uma combinação singular de elementos, que não se traduzem só no impacto emocional que PURGE teve, mas também no facto de Chen ser já uma DJ com nome na cena clubbing de Berlim, com provas dadas em Nova Iorque, e que lançava na singular PTP.

É importante notar que PTP significa, literalmente, Purple Tape Pedigree, um nome que remonta ao registo de estreia de Raekwon, dos Wu-Tang Clan, que chegou às ruas de Nova Iorque numa singular cassete lilás. A música que sai na editora vive para a qualidade que o rapper impôs com Only Built For Cuban Linx, o que é uma proposta arrojada por si só. Chen sabe-o bem: “Tudo o que sai na PTP é música muito boa, feita por gente muito boa, também.”

Se o entusiasmo era muito, o resultado não se ficou no encalço. PURGE, lançado em 2019, conta Dis Fig em conversa com o Rimas e Batidas, é “como se fosse um vómito emocional”, ou, literalmente, um purga e limpeza, onde gritos, suspiros, respirações pesadas fazem ritmos e ambientes, criam texturas e abrem caminho para melodias assombrosas. Algo que se pode, e deve, esperar da actuação de Dis Fig na Galeria Zé dos Bois, este sábado. A actuação, a namorar as regras do género em que mais facilmente podemos colocar Chen, deverá seguir a mesma linha de pujança, com derme e tímpanos a clipar com o que a própria descreve como sendo “uma catarse intensa”. Apesar da mesma não demorar em dizer que enquanto performer, DJ, produtora e vocalista usa “muitos chapéus diferentes”, do ponto de vista sonoro, mais plástico, há sempre algo subjacente nas suas várias formas de expressão, uma espécie de viagem maníaca durante a qual dá, figurativamente, “a mão à audiência”.

“O álbum [PURGE] foi uma jornada muito dolorosa e catártica para mim. Cada faixa leva para a próxima, numa espécie de inspirar de ar emocional e nunca larga até ao fim, mesmo. São como partes de uma história ou de um filme. As minhas performances são muito assim, também. Há uma parte grande de improvisação [que bebe da energia da audiência]”. Felizmente, haverá também espaço para vislumbrar o que será o sucessor do registo de estreia, em que Dis Fig já se encontra a trabalhar.

“Ainda estou no início do novo disco. Já tenho algumas demos. É um passo ao lado do que foi o PURGE, quase como uma consequência desse álbum [e menos como uma continuação]. Em termos de energia, sonicamente, a nível de produção, é algo diferente. O PURGE era muito furioso, muito angustiado, muito negro” O seu sucessor, por outro lado, não será um passeio no parque (“não estou a fazer canções como a Taylor Swift, propriamente”), mas retrata um outro momento e uma nova confiança de Chen enquanto produtora a solo, assim como um reencontro com a sua voz, o seu principal instrumento e que a levou, recentemente, a ser a colaboradora do perturbador In Blue, feito em colaboração com The Bug e lançado na Hyperdub, e a fazer aparições no novo álbum de city i. o.

No caso de PURGE, as letras não eram parte do seu arsenal, carta que In Blue parece ter acrescentado ao baralho de Felicia Chen: “Aprendi muito no processo de fazer o disco, o que me levou a querer trazer isso [as letras] para o disco”, em oposição à sua abordagem anterior, a lembrar “o que a Liz Frazier, dos Cocteau Twins, fazia de criar uma espécie de linguagem própria e um fluxo de consciência” vocal. De notar que, como os sons com que pinta, as letras de Dis Fig são em si golpes de crueza, ora visceral quase lasciva (“You’re mine, I’m all yours/ Space between the lips tell all/ And when you come to me/ Blue light, warm glow/ ‘Til we find it keep it slow), ora alusivas a uma familiar espiral depressiva (“Dark miasma/ Walls unfolding/ Maze collapsing/ Downward falling/ Splinters raining/ Us embracing”).

“Todas as demos que fiz até agora estão assentes em letras, o que representa uma enorme mudança para mim”. A isto acresce um novo fascínio pelo sampling, expressão que já se insinuou em PURGE e que promete determinar uma grande parte do caminho de Dis Fig enquanto artista solo. “É uma técnica que tenho utilizado muito. Acho que tenho uma nova relação com o sampling”. No total, o disco não deve ter o mesmo negrume que o seu antecessor, mas também não deve alimentar esperanças. “É definitivamente mal-humorado.”



[Isolamento, pandemia e reencontro]

O isolamento foi uma grande fatia do trabalho que originou PURGE, onde a catarse foi procurada enquanto o outro era evitado. Esta instrumentalização coincide, também, com o reencontro de Chen com a sua voz, instrumento que definiu a sua educação musical, enquanto adolescente, e do qual se afastaria durante quase uma década, mesmo quando regressou à música enquanto agitadora de pistas de dança e DJ. “No primeiro disco estava a voltar a encontrar a minha voz, a voltar a usar a minha voz enquanto um instrumento”: O cisma aconteceu porque, até PURGE, a sua educação revelou um lado da vocalização que não coincidia com os interesses em música “estranha” de Dis Fig. Até PURGE permitir toda uma nova abordagem.

“Eu mergulhei realmente na cena de usar a minha voz como instrumento e de experimentar ao máximo com ela. Há muitas respirações, muitos gritos, muito reverb, muitas distorções”. As novas demos já insinuam um novo caminho, com mais um passo na reconciliação com a sua voz. “Antes tinha medo de escrever letras”. Hoje tem toda uma nova abordagem: “sinto a necessidade de criar uma ligação mais forte, também através das palavras. Este é um disco mais frontal”. Ou melhor dizendo, “resume-se a crescimento pessoal. O PURGE foi há quatro anos e agora sinto-me uma pessoa completamente diferente.”

Curiosamente, não é um disco que nasceu da pandemia, como tantos outros. “Numa pandemia, ou não, trata-se sempre de como me sinto emocionalmente. Não sentia que nada me chamasse para fazer música. Eu sentia que não tinha nada para dizer na altura”. Enquanto que no primeiro disco, o isolamento premeditado fez parte do processo de purga, de “enfrentar os [seus] próprios demónios e tudo aquilo de que estava a tentar escapar,” este já encontra uma nova Dis Fig. Ou a consequência da primeira. 

Dis Fig actua mais logo na ZDB a propósito da residência Bola de Cristal, levando um pouco de opacidade noise e industrial para a sala lisboeta. Nas palavras de Felicia Chen, podem esperar “definitivamente uma trip”. Estão avisadxs. Bebam muita água.


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