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Fotografia: André Piçarra
Publicado a: 17/05/2021

O autor de South Side Boy e as aproximações ao rap.

Diogo Piçarra: “O meu desejo era poder fazer um disco só com participações de rappers”

Fotografia: André Piçarra
Publicado a: 17/05/2021

Recentemente, Diogo Piçarra até foi capa da revista Men’s Health, mas, não, ele não é só uma cara bonita da música pop nacional e, certamente, não será o mesmo artista que em 2012 ganhou o programa Ídolos em canal aberto para as televisões de todo o país. Nove anos depois, o músico algarvio está mais maduro e experiente, as músicas que compõe são consumidas em grandes quantidades pelo público português e não esconde ter ambições em vários estilos.

Ao Rimas e Batidas, aquele que também é mentor no The Voice Portugal conta que o rap é mais um sítio a explorar nesse campo de ambições, e que até já colaborou com vários nomes do género, mas que “o sonho era mesmo fazer um álbum só com colaborações de rap”. Entre as rimas que tem escritas (mas não gravadas), que pondera até oferecer a outros intérpretes, e temas como “Monarquia” – com participação de Bispo –, Diogo tem um mundo de versos e instrumentais à sua frente. Mas só vai lá entrar se sentir que não vai banalizá-lo.



Este tema surge como? Quem é que teve a ideia de trabalhar em conjunto, tu ou o Bispo?

A relação com o Bispo já dura há uns cinco anos, e acho que foi ele quem estabeleceu contacto. Hoje, com o Instagram, é tudo muito “fácil” e às vezes as coisas são bastante simples. É só mandar uma mensagem. E o Bispo mandou uma mensagem para nos conhecermos e encontrarmo-nos, que gostava muito do meu trabalho. E eu também gostava muito do dele, era recíproco. Foi para aí há cinco anos. Na altura fui a um estúdio dele em Mem Martins e ficou por aí. Estivemos juntos, mas não saiu nada que gostássemos, ficou apenas um loop: uma coisa de 20 segundos. Depois, durante quatro ou cinco anos, quase que nem falamos mais, mas ficou o desejo de fazermos algo juntos.

Há uns meses fiz esta ideia da “Monarquia”, em Setembro ou Outubro e foi uma das poucas músicas que criei durante a pandemia. O ano passado, durante a pandemia, mal trabalhei, mal peguei no computador, tudo fruto da paternidade, claro, de estar 24 horas com o meu bebé, e também da própria pandemia, que não puxa pela criatividade nem tem aquela pressão por estar tudo parado. 

Um mês depois juntei-me com o Bispo no estúdio. Eu tinha feito a música a pensar no FRANKIEONTHEGUITAR. A guitarra foi feita a pensar, “era fixe o Frankie tocar isto um dia”. Quando entro no estúdio nesse dia para ir ter com o Bispo estavam lá o Frankie e o D’ay. Não era tarde nem cedo, peguei na guitarra e perguntei-lhes o que achavam daquela ideia. Aí os olhos [deles] brilharam. Acho que percebemos todos que tínhamos aqui um “diamante” e o Bispo começou logo a improvisar em cima. Foi rapidíssimo. Em duas horas já tínhamos a música completamente gravada e o beat desenvolvido. Os astros uniram-se nesse dia, eu tinha pensado no Frankie e o Bispo deu ainda mais vida à música. Foi tudo perfeito. 

Esta música, a “Monarquia”, vai ser incluída nalgum álbum ou trabalho teu?

Sim, sim. Esta música era para ser do projecto do Bispo e poder, mais tarde, entrar num álbum ou EP dele. Mas o Bispo pensa muito, é uma pessoa muito honesta e directa e, à última da hora, ligou-me e disse, “mano, isto é teu. Tu chegaste e mostraste. Não me sinto bem e não paro de pensar nisto desde que acordei. Isto é teu. É para ti”. E eu disse-lhe que não fazia mal, mas ele insistiu: “não, não. Isto é teu”. Então ficou lançada por mim e não é featuring de ninguém. Até podia ser Bispo featuring Diogo Piçarra, tanto fazia. Desta forma, como está o meu nome primeiro, se calhar é mais óbvio que vá sair num EP ou num disco meu, mas não me importa que seja o Bispo a lançar, mais tarde, em qualquer coisa que esteja a preparar.

Reparei que tu assinas a produção de quase todos os teus temas. Sei que tens algumas colaborações nesse aspecto, nomeadamente nesta música. Pergunto-te como é que foi trabalhar com o D’ay e com o Frankie, que é já uma “estrela em ascensão” lá fora? Sei que tinhas a ideia de trabalhar com ele.

Foi super fácil. Eu acredito mesmo que quando a música é boa não há muito por onde fugir, nem é preciso inventar receitas. Quando a letra está lá, o instrumental ou a produção só têm que acrescentar ou acompanhar isso. Da nossa parte tínhamos aquela melodia de guitarra, tínhamos a letra, o verso do Bispo, e só faltava mesmo dar uns retoques e embelezar. Falo no geral, mas qualquer música que seja forte vai soar bem ao piano, ao cavaquinho, à guitarra, ao acordeão… vai sempre depender dos gostos de cada um, mas quando a música está lá, ela está la. E no nosso caso a música estava e é lindíssima. Foi uma noite de retoques de maquilhagem a algo que já era bonito. O Frankie e o D’ay ficaram mais a cargo do beat que faltava, eu tinha a guitarra e a melodia da música e fui dando uns toques na letra com o Bispo, portanto da minha parte foi quase fazer a cama e eles deram-lhe a parte mais “urbana” do instrumental e do beat que arranca mais para a frente. 

O facto de produzires quase todos os teus temas mostra um lado que não é muito comum entre cantores, sejam ele de pop ou pop-rock, que é se calhar aquilo com que mais te identificas. Tu tens esta particularidade. Achas que é uma mais-valia seres tu a produzir os teus temas?

Por um lado sim, é uma mais-valia na independência que sempre tive e tenho em poder pegar no meu computador em qualquer parte do mundo, poder fazer a minha música, o meu instrumental, produzi-lo e quase finalizá-lo naquela hora. Só precisa de mistura e no dia a seguir já podia estar no Spotify, não é?

Acho que essa independência ganhei-a a o longo dos anos e também ganhei a confiança da editora para poder produzir as minhas próprias coisas, mas sempre foi muito natural. Sabes, desde os primeiros dias em que toquei guitarra e comecei a aprender já brincava com programas de produção. Havia um que vinha numa caixa de cereais. Eu comecei a brincar com esse CD e era um programa de samples, e só tínhamos que juntar os samples de gospel e beats, já estava tudo feito. Eu lembro-me que mostrava aos meus pais e eles diziam-me que tinha jeito para aquilo, e eu nem sabia o que estava a fazer. Já estava a produzir na altura e nem sabia. Só mais tarde é que comecei a aprofundar-me na música e na teoria e produção e só dei grandes passos em Londres, em 2012, quando fui estudar e pude escolher uma disciplina de produção musical. Ai é que se fez luz na minha cabeça e percebi como realmente eram as coisas. Até lá nunca tinha aprendido como era, só fazia coisas de forma autodidacta. 

Até hoje, [produzir] vai ser sempre natural, até mais do que cantar. Pegar no computador, fazer um beat ou mesmo produzir uma música ou um álbum de um outro cantor e artista, ou mesmo as minhas próprias coisas. Acho que vai ser sempre natural. Não quero às vezes parecer, como hei-de dizer… narcisista, que só quero é mostrar que sou eu. Não, eu gosto até de colaborar com produtores e ultimamente tenho até colaborado com imensos como o Holly ou o benji [price], entre outros que estão na lista e com quem estou sempre a falar como o Fumaxa e o Lazuli. Há sempre pessoas com quem quero e preciso de trabalhar para dar outras cores às minhas músicas. Até porque acho que já tenho um limite e já percebi qual é o meu limite de produção. E se estiver sempre sozinho fechado no quarto, acho que não vai sair dali. Por isso preciso sempre de puxar por mim e com outras pessoas à mistura é mais fácil. 

Se calhar tens sorte em teres nascido em Portugal, então. Temos um grupo de produtores fantásticos. 

E cada vez mais. E merecem ser reconhecidos, tal como já falaste do Frankie, a dar cartas lá fora. É tão difícil dar cartas lá fora… são 100 mil cães a um osso! Qualquer condutor da Uber é produtor em Los Angeles, qualquer rapaz que trabalhe no Starbucks é um cantor incrível… A malta toda transpira arte e estão todos à procura do mesmo. Tu conseguires um placement como o Frankie já conseguiu, e ainda tem muitas coisas para lançar que eu já ouvi, é surreal. É o talento a trabalhar, mas também muito esforço e dedicação. 

Na gravação que já pudemos ouvir por aí, quem é que toca a guitarra?

Sou eu e o Frankie. Eu queria mesmo que ele regravasse na maquete e deixei-o à vontade para fazer o que ele quisesse, queria mesmo que a música tivesse o toque dele e que fosse ele a tocar. Uns dias antes de gravar o vídeo ainda não estávamos satisfeitos com o instrumental, mas um dia o Frankie estava a dormir. Eram 13 horas e ele estava a dormir. É normal, tem 20 anos… [risos] Mas precisávamos mesmo de dar um retoque ali na guitarra e houve umas partes em que peguei eu na guitarra, gravei e enviei ao D’ay porque tínhamos alguma pressa para misturar e gravar o vídeo no dia seguinte. Como o Frankie não respondia, eu gravei. No final há partes em que somos os dois a tocar, mas é maioritariamente ele. Naquele dia ele não acordava nem por nada!

Este é o terceiro registo que encontrei teu ligado ao hip hop. Encontrei uma música tua com o Lhast, a “Cedo”, que tem dois anos, mas também encontrei um tema teu mais antigo, com a W-Magic, de há cerca de seis anos. Isto foi logo a seguir a teres vencido o Ídolos, imagino. 

Eish, essa da W-Magic foi há tanto tempo, chamava-se “Tornado“. Está no YouTube ainda?

Está sim. Tens mais alguma que não tenha encontrado? E quando é que começou a tua ligação com o hip hop?

Eu confesso que não fui muito ligado ao género nos tempos áureos em que surgiu o STK e o Valete. E lembro-me de todos os meus colegas ouvirem e eu estava noutra nessa altura. Era mais do metal e gostava de coisas mais pesadas mas, ainda assim, de bandas que estivessem minimamente ligadas ao hip hop como os Linkin Park ou os Limp Bizkit que misturavam essa veia. Mas o meu ouvido e o meu gosto musical estava mais virado para as coisas mais rock. Só mais tarde é que me comecei a aperceber do hip hop, principalmente do hip-hop tuga, e mais tarde com a transformação do género e o aparecimento de novo sangue e malta nova que foi beber influências da América e outros países lá fora. A minha relação com o hip hop é recente, se bem que sinto que parece que foi desde sempre com os meus amigos e colegas sempre a ouvir; tinha também uns que rimavam e escreviam, e puxavam por mim quando rimavam para escrever refrões para eles.

Lembro-me muito bem que tinha um colega em Faro que estava sempre a chamar-me para ir lá ao estúdio dele para fazermos música juntos. Por isso, acho que a minha relação com o hip hop até já existia e sempre foi mais de composição do que de consumo. Neste caso, com a W-Magic, foi através do Facebook (nem devia utilizar o Instagram na altura) que ela me enviou o convite. Ela mandou-me o instrumental e eu acho que ainda nem tinha tido nenhum convite do género para entrar numa música que fosse para ser lançada e de uma artista mais conhecida. Então fiz muito rápido. Gravei o refrão numa noite e ela adorou. Lançou a música uma semana depois. Acho que eu ainda não tinha sequer o meu álbum gravado nem nada. Foi mesmo o meu primeiro registo conhecido, fora outras coisas que tenha feito com os meus colegas, claro. Mais tarde tive outras participações com nomes do hip hop como o Valas e o RealPunch. Em cada disco tenho sempre alguém do hip hop, desde o primeiro. 

Já compuseste, mas nunca escreveste umas quadras que te dessem vontade de tentar uma aventura pelo rap?

Já, já! Tenho algumas coisas escritas e até já tentei, mas tenho muito respeito por quem o faz bem feito. Tenho sempre o cuidado de não me meter onde não sou chamado, e sei que o hip hop é um meio bastante bem frequentado, gosto do que se faz e não quero banalizar. E espero e peço às pessoas que também não o banalizem. Sinto que hoje em dia, com a abertura e a democratização do hip hop influenciado por diversos estilos, do emo ao rock e ao trap, o hip hop se tenha tornado na nova pop. Mas espero que as pessoas não o banalizem porque quando se banaliza um estilo estraga-se e fica mal frequentado, e eu não quero fazer isso. Mas tenho versos e muitas coisas escritas mais a jorro — nada de coisinhas bonitas. Espero um dia poder fazê-lo, mas se calhar ainda dou um dia estas letras a alguém que precise.

O meu desejo mesmo era um dia poder fazer um disco só com participações de rap. Ou seja, cada música tinha um rapper diferente. Mas tem que ser com tempo, até porque os rappers precisam de tempo para responder e para dizer que sim [risos]. Vai demorar muitos anos ainda.


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