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Publicado a: 28/12/2017

Dino D’Santiago: “Madonna? Eu envio-lhe temas e ela tem dado feedback

Publicado a: 28/12/2017

[TEXTO] Alexandra Oliveira Matos [FOTOS] Nash Does Work

Em 2017, ouvimo-lo numa faixa de Bispo, do EP Fora d’Horas, e ao lado de Perigo Público e Sickonce, no álbum 1991. Porém, e caso os mais distraídos ainda não tenham percebido, Dino D’Santiago faz parte do mundo do hip hop há já muito tempo. Foi parte da Jaguar Band, grupo que acompanhava os Expensive Soul em concerto, e teve a companhia de Virgul, Carlão, Valete, Sam The Kid e tantos outros no seu primeiro trabalho a solo, Eu e os Meus. Em 2009, o cantor formou a Nu Soul Family com Virgul. Depois, reaproximou-se das suas raízes cabo-verdianas, mas não deixámos de ouvi-lo, mérito da qualidade evidente dos trabalhos Eva e Unplugged.

De há uns meses para cá — quando se pesquisa Dino D’Santiago no Google —, é difícil não reparar que o motor de busca nos sugere imediatamente “Madonna”.

Bafejado pela sorte, ou não, a verdade é que nem todos podem dizer que têm recebido os conselhos de uma estrela mundial durante a criação de um álbum. Dino vai lançar um novo LP em 2018, do qual ainda não pode revelar o título, mas ficámos a saber que o primeiro single sai em Janeiro e que vamos poder ouvir o trabalho completo entre Março e Abril. Produzido pelo britânico Paul Seiji e com a produção executiva de Kalaf, o novo trabalho de Claudino Pereira vai levá-lo de volta às suas raízes do hip hop sem deixar para trás o crioulo e as sonoridades a que se dedicou nos últimos anos.

Estivemos à conversa com o músico sobre este ano que está a dias de acabar e que lhe trouxe um rol de oportunidades que não recusou, a não ser o convite para actuar em Nova Iorque na festa de passagem de ano organizada por Madonna

 


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Qual é o balanço que fazes do teu 2017? Este ano participaste em pelo menos duas faixas de hip hop, “Não fui Sincero”, de Bispo, e “Quando o Céu Cair”, do álbum de Perigo Público e Sickonce. Como é que foi tudo isso?

Para mim, 2017 foi, sem dúvidas, um ano de viragem e talvez tenha sido o ano mais intenso a nível introspectivo e profissional. Foi um ano em que continuei ligado ao hip hop, em que decidi que o meu novo álbum teria uma cor mais aproximada das minhas raízes do hip hop. Sendo que, desde 2013 até 2017, vim fazendo um álbum mais focado nas raízes de Cabo Verde, acústicas, e, com a ajuda do Kalaf na produção executiva, estou a transportar este universo do hip hop, com beat e as sonoridades mais etéreas da música electrónica, e a fundir tudo com as minhas raízes de Cabo Verde, do funaná ao batuque. Está a ser para mim um ano de grande viragem. Ligado ao hip hop sempre! Com o Bispo, a primeira faixa foi a “Pormenores”, que nós gravámos para um álbum anterior a este (Desde a Origem) e foi um tema que gravei quando estava ainda em Londres. Gravei-o de uma forma engraçada — pelo meu telemóvel — e enviei para o Sam The Kid uma mensagem de voz com o meu flow. Quando cheguei a Portugal, já tinha uma versão de estúdio inacreditável, parecia que tinha gravado em estúdio. O “Pormenores” teve uma grande aceitação e o Bispo convidou-me para fazer o “Não Fui Sincero”, que também está a ter uma aceitação linda, estivemos no Mercado Time Out na apresentação dele e foi inesquecível. É alguém que eu sinto que vai transportar o hip hop da nova geração para um nível muito elevado, mesmo. Perigo Público é meu amigo de infância. A Kimahera como sempre ali com o nosso Sickonce a fazer um trabalho maravilhoso e Perigo Público numa tentativa de resgatar novamente o hip hop de Quarteira para inseri-lo no mapa. E está a consegui-lo porque vejo as novas gerações também já a quererem fazer muita coisa, a quererem filmar e a levar o código postal 8125 de novo para as estradas do hip hop.

Este ano também lançaste a tua marca de roupa, Funaná, certo?

Sim, 2017 foi o ano em que eu decidi carregar a bandeira do batuku e do funaná para este universo mais urbano. Iniciei este movimento, “Funaná is the new Grime, Funk, Trap, Hip Hop”, porque são os ritmos, a sonoridade que vai entrar nesta minha nova fase, neste meu novo álbum que vai contar com a produção do Paul Seiji, que é um inglês, um londrino, que me foi apresentado graças ao Kalaf e foi uma das pessoas que nos inícios de Buraka Som Sistema também teve muita influência na sua sonoridade. Contar com a produção do Paul está a ser uma boa viagem e daí ter nascido esse movimento do “Funaná is the new Grime, Funaná is the new Funk, Funaná is the new everything” [risos], que tem tido uma aceitação incrível. Pessoas da Rússia, Argentina, Brasil, Inglaterra, França, toda a gente a querer ter esse movimento do funaná, que tem vindo a mostrar muito que pode ser a nova tendência desta música lusófona. E, em concertos que já dei na Alemanha, na Holanda, nos Estados Unidos, consegui sentir a receptividade que o funaná tem. Sinto que é algo que veio para ficar e espero que se consiga catapultar a sonoridade electrónica que o hip hop tanto carrega para as sonoridades do funaná.

É isso que vais fazer no novo álbum? Vais samplar funaná?

Mais do que samplar, porque samplar também vou, vai ser mesmo dar uma nova cor, criar uma nova tendência para que daqui a uns tempos eu sinta que as novas gerações — este é um dos meus grandes objectivos — possam utilizar do que nós temos, desta riqueza da nossa lusofonia, ao invés de samplar só os Estados Unidos e a forma e cor sonora dos Estados Unidos, que tem sido a tendência desde sempre. Que possamos samplar o que é nosso, reinventar o que é nosso. Este está a ser o meu objectivo e felizmente estou a ter uma aceitação boa de todos os que têm escutado.

Já podes levantar um pouco mais do véu do que vai ser o álbum? Quando é que vai ser lançado?

O single sairá já no mês de Janeiro e o álbum entre Março e Abril, sem dúvidas, já estará cá fora. Felizmente já assinámos contrato com a Sony e vou estar agenciado pela Bridgetown, uma família de que eu gosto muito. Então é como o tal “considerem-me de volta sem nunca me ter ido embora”. Sinto-me em casa e são pessoas em quem confio muito e cujo trabalho me inspira muito, como o Richie Campbell, o Plutónio, o Mishlawi, o Dengaz. Sinto que para este novo trabalho, com esta nova cor sonora, não podia estar melhor entregue. Em termos de participações, vou deixar para surpresa, mas prometo que o Rimas e Batidas vai ser dos primeiros a ouvir o disco comigo em estúdio.

Vais continuar a cantar em crioulo?

Sim. Esse foi um desafio que me foi proposto pelo Kalaf e acho muito bem. Ele diz: “Dino, vamos mudar a sonoridade, mas vamos de uma vez por todas vincar algo que também é tão português quanto cabo verdiano, que é o crioulo”. Crioulo é uma língua que já ouves pela cidade de Lisboa, pelo Porto, pelo Algarve, de forma tão natural, quase toda a gente já percebe. Então, se países como a França, como a Inglaterra abraçam as línguas nativas dos países oriundos da sua colonização… Ah, mais um belo momento, para mim, deste ano foi, sem dúvidas, o livro do Kalaf [Também os Brancos Sabem Dançar] que mostra tão bem essa Lisboa crioula que existe e muitas vezes nós é que não queremos ver e abraçar. Temos visto no hip hop e o Rimas e Batidas tem partilhado muito o hip hop crioulo com o Landim, o Loreta, toda essa nova geração, o Karlon que tem um álbum maravilhoso, o Passaporti. Por falar em Karlon, tenho uma participação com ele no disco do DJ Glue, o álbum que está para sair também e que vai ser uma das grandes revelações de 2018. Voltando, o Kalaf desafiou-me a fazer o álbum todo em crioulo, e terei uma faixa apenas totalmente em português que conta com a produção do Branko. Tem sido uma boa viagem porque, lá está, começámos a abraçar estas cores todas que existem e sentir que isso só nos eleva.

Ainda em 2017, é impossível não falarmos sobre o assunto, a Madonna apareceu na vida dos portugueses e, especialmente, na tua. Como é que isso aconteceu?

Vê lá, nós a falarmos tanto e seria mau eu também não frisar porque ela foi… é daquelas coisas que acontecem na nossa vida e tu não esperas, mas, quando acontece, tu sentes como se estivesse destinado, principalmente pela forma como a conheci. Foi através da melhor amiga dela, uma senhora que é a Vitória, colombiana, que me viu a interpretar Cesária Évora, num concerto de uma amiga minha brasileira que é a Ive, que agora está a viver em Lisboa. Fui convidado dela e, entretanto, ouve-me a cantar o “Petit Pays”. No final, diz-me: “olha, tenho uma amiga que vai adorar ouvir-te, gostaria muito que a conhecesses”. Longe estava eu de saber que essa amiga seria a Madonna. E desde que ela entrou tem feito uma diferença enorme em tudo, começando pelos pedidos para ir tocar a vários sítios como Itália, Estados Unidos e tudo mais. Coisas que ainda não posso aceitar porque ainda não tenho o projecto na rua. Mesmo no álbum, eu envio-lhe temas e ela tem dado feedback. Sinto que fui um abençoado.

Podia ter acontecido com qualquer outro artista de Portugal porque sinto que nós temos muito talento e muita coisa boa para exportar. Eu fui um dos felizardos nesse dia e até hoje tem sido maravilhoso. Só fico triste porque ela convidou-me para fazer agora a passagem de ano em casa dela, em Nova Iorque, mas eu tenho um concerto em Quarteira e foi-me impossível aceitar o convite. Mas sei que no futuro vão acontecer outros momentos semelhantes. O que tenho feito, mais ou menos, é servir de embaixador dessa sonoridade que Lisboa transporta e tenho-a levado a casas de fado, apresentei-lhe a Celeste Rodrigues, e a Celeste felizmente vai poder ir a Nova Iorque para a passagem de ano. Apresentei-lhe sons das minhas tradições, do batuku, e ela adorou as senhoras batukadeiras. Eu formei a primeira orquestra a nível mundial de batukadeiras e a Madonna foi a primeira pessoa a vê-las actuar. Depois, juntamente com o Vhils e o Branko, fizemos uma noite, uma Lisboa Crioula no B.Leza que foi inacreditável, e dessa noite vai surgir um movimento da Enchufada muito bom no B.Leza, mas ele [Branko] ainda vai apresentar as datas e partilhar. Tem sido uma aventura, uma aventura boa!

Estavas a dizer-me que a Madonna vai ouvindo aquilo que já tens para o álbum. Criou-se essa entreajuda…

Criou-se essa entreajuda e eu sinto que ela é um exemplo para todos nós. O que eu conhecia dela era o senso comum de toda a gente e depois, através de amigos, é que vou sabendo mais da vida dela porque nunca fui muito de pesquisar a vida dos artistas, mas sim a obra. Só consigo admirá-la ainda mais e penso o quão sortudo Portugal é por ter uma pessoa como ela, que tem exportado Lisboa para todos os cantos do mundo. São vários os amigos que me mandam mensagens nas redes sociais a perguntar, “quando é que vamos poder ver uma dessas noites, quando é que vamos poder assistir a esses movimentos que a Madonna tem partilhado”, e são coisas que acontecem de forma muito espontânea. “Olha, é hoje”, e felizmente tenho contado com a ajuda dos vários artistas que nós temos nessa cidade maravilhosa e, mesmo assim, não há tempo para todos porque são muitos.

Quais é que têm sido os comentários da Madonna ao que já tem ouvido do teu novo projecto?

O que tem acontecido mais, como tenho feito essa transição da música acústica para a electrónica, tem sido dizer-me mais para ter cuidado para não invadir e que nenhum mundo seja superior ao outro. É mais nesse sentido do cuidado na forma como estou a introduzir a parte electrónica. Mas tudo muito subtil, sem ser invasiva. Até tem sido uma entreajuda boa.

E a Madonna quer ajudar outros músicos portugueses também?

Ela quer exportar, sem dúvidas. Tanto que, para esta passagem de ano, ela vai levar um pedaço de Lisboa para a casa dela. Vai um músico da Guiné, vai a nossa Celeste Rodrigues, vai a Ive, a minha amiga brasileira, e entretanto também fiz uma playlist só com sonoridades lusófonas, que passa desde o kuduro, à kizomba, ao fado, à morna, à coladera, ritmos da Guiné, de Moçambique. Fiz uma playlist muito ecléctica, mas com sonoridades de todos os músicos residentes cá em Portugal.

Falemos também do hip hop que se andou a fazer em 2017 em Portugal. Como é que achas que está e o que andaste a ouvir?

Eu senti que foi um ano riquíssimo. Foi bom sentir o Sam The Kid e o Mundo Segundo a manterem aquele chão do hip hop old school sempre com muita elegância e com muita sapiência nas líricas. Bom sentir o Valete de volta e a abrir consciências e a abanar de certa forma o panorama. Bom sentir o Slow J que tem cada vez trazido maior riqueza em termos sonoros e na forma de interpretar. Muito bom sentir o novo single do Carlão, ver que os festivais estão carregados de hip hop nacional, sentir a nova geração como Wet Bed Gang, Bispo… Mishlawi bem também. Sinto que foi um ano muito, muito produtivo. Depois tens Holly Hood e Piruka, agora nesta parte mais controversa… esse é o lado que eu menos aprecio do hip hop porque sinto que o Piruka está a fazer um bom trabalho e sinto que esses beefs que acontecem no hip hop, e que ao fim ao cabo vão dando um pouco de exposição porque as pessoas adoram essas coisas… Mas sinto que não é isso que nos eleva, acho que devemos apoiar-nos e não entrar nesses conflitos. Acho que pelo amor vamos chegar mais longe.

O que é que desejas para 2018?

Desejo que vocês continuem. Estão de parabéns. A elevar o que se faz de tão bom no nosso país e também o que se faz fora e chega para ser sempre bem abraçado pelo nosso país. Desejo que os festivais continuem a apostar no que é nosso porque já conseguimos encher qualquer um de língua portuguesa e os seus derivados. Desejo amor, muito amor para todos nós.

 


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