[TEXTO] Alexandre Ribeiro [FOTO] Direitos reservados @Dillaz.pt
O countdown chegou ontem ao fim e confirmou-se: Dillaz está de volta com novo trabalho. O MC da Madorna vai causando ondas e é um nome que tem o reconhecimento dos fãs de rap português – é fácil verificar que qualquer vídeo no seu canal de Youtube tem em média 2 milhões de visualizações, comprovando que existia uma alargada base de seguidores sedentos de novas músicas.
Reflexo – o título do álbum – é totalmente escrito e produzido por Dillaz, demonstrando que o artista não se fica pelo papel e caneta. A sonoridade que se ouve ao longo da obra não foge do que se ouve em registos como Dillaz & Spliff, EP onde divide os louros com o produtor, ou nas mixtapes anteriores. Não é uma crítica negativa, Dillaz sabe o que faz e fá-lo à sua maneira, sendo responsável por trazer um dos flows mais originais que podemos ouvir no hip hop nacional.
Sem mais demoras, a obra merece uma leitura rápida aqui no ReB e, depois de ouvirmos na íntegra, é importante questionarmo-nos: Dillaz caberia nesta lista dos melhores álbuns desta primeira metade de 2016?
Digamos que inaugura com estrondo a lista dos melhores registos da segunda metade do ano!
Intro (feat. António Neto)
Elegância na entrada para este álbum. O piano a soar como se tivéssemos num qualquer bar perdido na América dos anos 50 e a voz de António Neto, parente de Dillaz (?), a guiar-nos até à entrada da batida de forma coerente, sem grandes artifícios. Arranque prometedor.
Sonhar Nesta Vida
A segunda faixa prepara-nos para o que vem aí: dor, mágoa e a esperança ténue de que tudo pode ser melhor. Guitarra com sabor a Portugal inserida entre bombo e tarola e um sintetizador que soa a G-Funk. Madorna a cruzar-se com West Coast .
Protagonista
Não se vende material falso na praça de Dillaz, isso é certo. O MC tem uma segurança na voz que faz acreditar que existem 50 anos de experiência em cima dos seus ombros e “Protagonista” é livro de auto-ajuda a dissertar sobre a realidade dura e a função que exercemos na nossa vida: actor ou espectador.
Mo’ Boy
A grande malha deste álbum. O primeiro single teve direito a vídeo e é merecido: o instrumental preenche o espaço que as rimas de Dillaz deixam – egotrip puro a mostrar o porquê de ser seguido com fé de profeta.
Eu Estou Bem (feat. Vulto)
Primeiro convidado rapper a ajudar Dillaz a elevar Madorna a elevar-se. Vulto não fica nada aquém de Dillaz e coloca ritmo certeiro nas rimas a preparar-nos para receber um Dillaz a dar-nos mais um refrão catchy – algo que ele faz com extrema facilidade.
Interlúdio
A música brasileira aparece aqui representada num interlúdio que poderia muito bem pertencer à obra de Madlib, por exemplo. Uma bassline funky a deixar ressoar nas entrelinhas a voz de Adoniran Barbosa e o seu “Despejo na Favela”.
Pula ou Levas Bléu (feat. Zeca)
O segundo convidado e último é também um dos elementos da crew de Dillaz. Zeca no auxílio a Dillaz num thriller policial com piano e baixo a serem cúmplices da narrativa. Outro dos grandes destaques de Reflexo.
Melhorar com o Tempo
No registo mais cantado do álbum, Dillaz é, de novo, o porta-voz de uma esperança que nos parece sempre tão portuguesa como o fado. “Melhorar Com o Tempo” é boom bap a velejar sem pressas com as palavras do MC a servirem como bálsamo para quem possa ter perdido a esperança.
Madrigal
“E no dia que o meu barco afundar tu podes gozar / Tu podes falar que eu não me aflijo / Porque se eu fui um senhor no luxo / Eu vou ser um senhor no lixo”.
Existe sempre uma finalidade em cada canção de Dillaz. “Madrigal” tem avisos a rappers que tentam vender arte e verdades sobre si mesmo. “Aquilo que eu herdo é tristeza”, ouve-se a certa altura o MC da Madorna a falar sobre aquilo que é inegável na sua música. Uma das faixas mais incisivas a obrigar-nos a estar atentos ao que se diz.
Caminho Errado
“Caminho Errado” é mais um bom exemplo do porquê de existir uma conexão gigante entre André Neto e a sua audiência. A conversa entre interlocutor e ouvinte parece ser direccionada para nós todos, mas de uma forma muito individualizada. Casamento perfeito entre rimas e batida com teclado morno a deixar-nos num limbo entre a nostalgia e saudade.
Querida Já Não Dá (feat.) Veeocius V
. Uma das temáticas mais recorrentes nesta arte que é a música não foge do radar de escrita de Dillaz e o rapper convida Veecious V para o ajudar a tornar esta canção num hino ao amor desencontrado.
Rodinha
A antepenúltima faixa tem um dos instrumentais mais interessantes do álbum com bounce na batida e no baixo a criar um dos únicos momentos onde nos parece que Dillaz se deixa guiar pelo som que soa por trás dele.
Saudade
A portugalidade de Dillaz está bem claro em cada sílaba, palavra e verso. “Saudade” é mais um exemplo disso. A música tem sample de “Irene” de Rodrigo Amarente, um artista de um universo diferente mas que também reflecte bem esse sentimento muito próprio do povo português ou brasileiro. A penúltima canção é uma das mais bonitas e acaba de forma superlativa:
“Saudades do tempo de escola e de haver união/ colegas com quem já não falo apenas por falta duma ligação/ mas queres saber mesmo aquilo que eu sinto vaidade?/ Tenho orgulho naquilo que fomos, nada paga aquilo que eu sinto saudade.
Reflexo
“Tu sentes o people a rir quando cais/ não é fazer troça nem contradição/ ao fim ao cabo somos todos iguais/ aquilo que vês é o reflexo então”.
As palavras finais e, mais uma vez, a verdade crua e nua a vir da boca de alguém que parece carregar consigo um fardo pesado. É impossível fugir a duas verdades absolutas sobre Dillaz: 1) tem uma das formas mais únicas de rimar no hip hop português ; 2) a sua escrita é crua, fiável e dá novo sentido à palavra real – esse parâmetro tão importante na avaliação de um rapper. A base de seguidores que o seguem religiosamente é o reflexo disso mesmo.