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Fotografia: Paulo Pacheco
Publicado a: 11/11/2022

Num tom certíssimo.

Dianne Reeves no Guimarães Jazz’22: tanto Brasil no seu swing

Fotografia: Paulo Pacheco
Publicado a: 11/11/2022

Foi há quarenta anos que Dianne Reeves nos deu as boas-vindas ao seu amor com a sua estreia em álbum em nome próprio, quando contava 26 anos. Em 1982, o jazz estava num lugar diferente, a lidar com a pressão cada vez mais intensa da pop (Quincy Jones preferia trabalhar com Michael Jackson…) e Reeves afirmou-se como voz dessa diferença, conseguindo sucesso assinalável, conquistando GRAMMYs e espaço nos cartazes de festivais mais sintonizados com grandes audiências. Quatro décadas volvidas, Dianne cruza o mundo e desfila o seu charme perante plateias cheias de gente que não suporta uma nota dissonante. Nada de errado nisso, claro. O universo é grande e só não salta entre galáxias quem não acredita que o espaço é o lugar.

Dianne surgiu em palco depois de uma introdução em que o seu quarteto desfilou charme, com uma “demonstração” inicial de recursos técnicos que serviu para estabelecer o tom. A equipa de primeira água: Edward Simon, pianista de raízes venezuelanas com vasta experiência nos domínios mais mainstream do jazz — Greg Osby, Kevin Eubanks, Terence Blanchard, etc.; Romero Lubambo é guitarrista, brasileiro, e outro músico cuja excelência técnica lhe valeu créditos em trabalhos de gente tão “diferente” quanto Herbie Mann, Michel Petricciani ou Jon Hendricks, para mencionar apenas alguns exemplos; Reuben Rogers, contrabaixista, já espalhou groove por trabalhos de Joshua Redman ou Nicholas Payton; e, finalmente, Terreon Gully é baterista que conta no currículo com sessões para Christian McBride ou Kurt Elling, entre tantos outros. Profissionais de topo, portanto, que também parecem incapazes de “falhar” uma nota.

Alternando entre o rigor acústico e passagens mais eléctricas — com o pianista a experimentar retirar do seu Nordlead o som do orgão Hammond B-3 ou do piano eléctrico Fender Rhodes e guitarrista e baixista a ligarem-se igualmente à corrente –, o quarteto teceu a fofa almofada em que Dianne repousou o seu virtuosismo: voz grande, capaz de equilibrar scat musical, paixão soul, devoção gospel e balanço tropical, ela sabe bem o que implica a sua carteira profissional de entertainer, bem exposto nas suas passagens por “I Remember”, “All Smiles” ou “Skylark” e, sobretudo, na animada forma como comunicou com o público, tanto nas pausas como enquanto cantava – “we have to wake up at 5 in the morning to fly to Barcelona” não é letra de canção, mas um dos recados que nos deu já na recta final do concerto, sem abandonar a melodia de “Nada Será Como Antes” de Milton Nascimento, a “voz de mel” que recordou ter ouvido pela primeira vez em Native Dancer de Wayne Shorter e que é referência maior no seu lado mais tropical.

O Brasil é, de facto, coordenada fulcral na arte de Dianne Reeves que nos falou de ter conhecido o seu grande cúmplice Romero Lubambo no Rio de Janeiro depois de se cruzar com Ivan Lins e César Camargo Mariano. Valeu, por isso mesmo, a sentida vénia a Gal Costa, uma alma luminosa que partiu para outro plano: “vou sentir a falta dela, mas tenho todos os discos que ela fez…”, explicou. Devíamos todos seguir-lhe o exemplo.

Talvez esse lado brasileiro da sua arte explique a empatia que alcançou com o público que praticamente esgotou o Centro Cultural Vila Flor em noite de abertura da edição 2022 do Guimarães Jazz. De aplausos generosos e vivas em cada solo, o público com média de idades bem madura evoluiu para uma sentida ovação final, em pé, pois claro. Dianne agradeceu e fez-se depois ao caminho. Para trás deixou um concerto tão certinho que chegou a aborrecer um bocadito. Mas só para quem acredita que, como dizia Jorge Lima Barreto, a afinação é um conceito pequeno-burguês. O resto das pessoas gostou bastante, claro. 

Esta noite cabe a vez à contrabaixista Linda May Han Oh expor os seus argumentos. Lá estaremos.


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