pub

Fotografia: Xipipa
Publicado a: 11/06/2021

Rever conceitos, desformatar mentes e incitar reflexões.

Desordem do Conceptual Branco no NOVO NEGÓCIO: outros tons de clássico

Fotografia: Xipipa
Publicado a: 11/06/2021

Para um dos concertos da terceira edição do Rama em Flor fomos até ao NOVO NEGÓCIO, em Marvila, para nos encontrarmos no meio da Desordem do Conceptual Branco. À chegada, uma cortina branca manchada com tons de luz vermelha é a primeira coisa em que reparamos. Da parte de trás ecoam os últimos exercícios de voz e de ritmo. O silêncio vai-se instaurando no espaço e os sussurros esgotam-se. Os músicos surgem e as palmas inundam o espaço.

Susana Francês (que já conhecemos do projecto de Tristany) e a Cire Ndiaye (d’As Docinhas) pegam nos violinos, Eva Veiga (da Mediterranean Youth Orchestra) no contrabaixo, Ariyouok (músico e produtor que também é importante para a construção do imaginário musical de MEIA RIBA KALXA) na loopstation e Florêncio Manhique (que estuda actualmente na Escola Superior de Música de Lisboa) no violoncelo. O que veio a seguir fez justiça ao nome do evento: testemunhámos uma reorganização da visão eurocêntrica atribuída à música clássica. Subtraímos a Europa da equação e percebemos, nas palavras do grupo e da organização, que a música clássica tem de pai e mãe a terra que a vê nascer ou seja, um Rossini pode ser “clássico” na Europa, mas, paralelamente, a mesma palavra pode ser a medida usada para descrever Cesária Évora ou Tito Paris, em Cabo Verde, e Waldemar Bastos, em Angola.

Naquele palco que foi ocupado na passada terça-feira existiu recuperação, a vinda à tona de compositores e autorus negres. Se não os reconhecíamos, ali foi impossível ignorá-los. Ari, com o seu cajon no centro, uniu a ginga da sala — desde os ritmos calmos, passando por funanás e chegando até os ritmos mais intensos — e serviu de fio-condutor para a interpretação dos outros músicos. SUZANA e Cire ajustaram perfeitamente as cordas e, nos devidos momentos souberam realizar as aberturas e interpretar os adágios, sempre sintonizadas, para de repente nos arrebatarem com acelerações de ritmo sem falhar uma corda. Flow não lhes ficou atrás e, com uma calma invejável, soube estar à altura das exigências, tendo desempenhado um papel fulcral tanto em harmonias como em melodias, trazendo a música de volta à terra quando os ânimos se descolavam das cadeiras.

O avançar do concerto trouxe ao de cima o melhor dos músicos: naquele que foi provavelmente um dos momentos mais marcantes do evento, e isto aconteceu a seguir um descanso de um crescendo, o contrabaixo da Eva relançou-nos propositadamente para uma fase mais atonal em que o desconforto inicial se transformou num ritmo intenso que explodiu numa conjugação musical em que todos se reuniram num ponto onde o tom não está definido. O resultado foi uma experiência musical atípica mas, ao mesmo tempo, deliciosa.

No final do espectáculo tivemos direito a improvisação sugerida por Ari, que olhou para os outros músicos em jeito de desafio. Eles seguiram a sua dica e, mais uma vez, pudemos comprovar que estávamos a lidar com pessoas muito talentosas, com uma versatilidade gigante no salto entre ritmos, tons e harmonias. Tudo nomes a manter debaixo de olho.

O objetivo foi atingido: uma hora em que estivemos em conjunto a repensar a música clássica, aqui interpretada por autorus negres que não podem mais ser ignorados dentro do nosso espectro de conhecimento de música clássica. O futuro também passa por eles e certamente que todos eles vão ainda dar muito que falar nos anos nos próximos anos.


pub

Últimos da categoria: Reportagem

RBTV

Últimos artigos