Imaginemos a surpresa de um jovem de 12 anos de Compton quando, após ser arrastado pela mãe para a igreja, encontra ninguém menos que
Kendrick Lamar. O desinteresse e enfado do jovem depressa se transformam em curiosidade e nervosismo. Consegue afastar o segundo e, depois de um
freestyle inspirado, Lamar declara: “tu vais ser alguém no mundo”. Seis anos depois, o nosso jovem protagonista vai parar à prisão. A história podia acabar aqui. Mas Rodrick Wayne Moore Jr. não deixou que fosse esse o caso. Depois de uma semana de encarceramento, o rapper mais conhecido como
Roddy Ricch decidiu que estava na altura de dar vida séria às suas barra e desde finais de 2017 com a
mixtape Feed tha Streets que o artista se tem mostrado como uma força emergente no mundo do trap e, consequentemente, da pop.
O que distingue Moore no quasi-infindável oceano de crooners e mumble rappers é a sua entrega personalizada e o seu timbre camaleónico. Ricch consegue moldá-lo para se adequar a cada tema onde se insere: tanto pode ser mais triste e melancólico como vibrante e espevitado. Mas é também nas suas palavras que Moore se distingue: apresenta letras que oferecem mais alguma profundidade que as dos seus contemporâneos, e por vezes um discurso mais intimista que vai para além do espalhafato financeiro e da alta costura. Serpenteia pelos 808s e pratos efervescente com um sibilar que é cada vez mais seu e, num universo cada vez mais saturado, é refrescante ver uma estrela que brilha de forma diferente.
Foi com a sequela
Feed tha Streets II que Ricch conseguiu mais eficazmente mostrar os seus dois lados: um rap cantado emocional e intimista em temas como “Die Young” ou “Down Below”, e a força voraz do trap através de
bangers como “Area Codes” ou “Nascar”. Em ambas as situações, nota-se um talento natural para criar
hooks de fácil audição e que depressa ficam na cabeça. A melodia é o foco principal no trabalho de Roddy Ricch e o artista consegue conjurar notas de forma apelativa e alternando entre
flows com facilidade e qualidade. A entrega robótica do auto-tune é comum no trap e, apesar de Moore não reinventar a roda, consegue movê-la a uma velocidade sua e confortável para a viagem em que o ouvinte embarca.
https://www.youtube.com/watch?v=q1xEb5ZMVmU
Chegamos ao momento actual e Ricch não mostra tenções de abrandar. Depois de ter participado na infecciosa
“Ballin’” de DJ Mustard — um dos primeiros “patronos” do rapper — lançou o seu álbum de estreia
Please Excuse Me For Being Antisocial pela conceituada Atlantic Records, editora que conta no seu elenco com pesos pesados como Gucci Mane ou Young Thug, duas das principais influências de Ricch. Se conseguirmos olhar para além do seu título extremamente na
mouche e de algumas barras demasiado consumistas (seria curioso saber quando é que a Patek pagou ao jovem tendo em conta que é mencionada um pouco por todo o projecto), há valor na versatilidade da voz do rapper, evidenciada em “Perfect Time”, ou na honestidade tocante de “Prayers to the Trap God” e “War Baby”.
Mas apesar da estreia com estrondo, Roddy Ricch ainda apresenta uma semelhança considerável com alguns dos seus contemporâneos (em “Peta”, com
Meek Mill ao seu lado, mostra-se demasiado perto de uma das suas influências). Mas estamos a falar de um rapaz de 21 anos a dar os seus primeiros passos na indústria, com tempo para encontrar o seu som e “The Box” é o exemplo mais claro dessa procura. Ancorada na sensação viral na rede social TikTok, a música tornou-se um êxito mundial, com a sua batida que escorrega com um bombo seco e potente. Mas o destaque do instrumental vai para o
sample intermitente de algo semelhante a uma porta a ranger, um som que é na verdade da autoria de Moore, mais uma prova da sua criatividade e a da maneira engenhosa que tem de adaptar a sua voz ao
beat.
Há cerca de 10 anos, a declaração profética de Kendrick Lamar poderia ter sido apenas um conjunto de palavras encorajadoras para reconfortar um miúdo com um sonho. Mas ao iniciarmos esta nova década de música com Roddy Ricch no topo das tabelas Billboard, percebemos que o autor de
DAMN. acertou mais uma vez em cheio com as suas palavras: Roddy Ricch é um artista que não se limita a fazer o mínimo e que está numa busca incessante da próxima melodia intoxicante. E é cada vez mais entusiasmante acompanhá-lo nessa jornada.