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Publicado a: 08/05/2016

Demdike Stare: o som das sombras

Publicado a: 08/05/2016

[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTOS] Direitos Reservados

 

Escrito em 2011, este texto debruça-se sobre Tryptych, a edição que reuniu os três primeiros álbuns da dupla Demndike Stare de Miles Whittaker e Sean Canty.

Talvez este seja o paradigma da música no presente: a eliminação total de fronteiras entre géneros, entre épocas, entre posicionamentos estéticos. A implosão da indústria pode ter dado mais liberdade aos criadores, menos importados agora com o encaixe numa qualquer “gaveta” engendrada pelos gabinetes de marketing e mais libertos para o mergulho nos terrenos da invenção pura. Os Demdike Stare, duo formado pelo produtor de techno Miles Whittaker (que tem trabalhos editados como MLZ e que é metade dos Pendle Coven) e pelo digger profissional Sean Canty (ligado à excelente editora de reedições de assombrações psicadélicas Finders Keepers, que em Portugal é distribuída pela loja Flur), são um excelente exemplo desse novo paradigma por razões que se explicarão um pouco mais adiante. Os Demdike Stare arrancaram para 2011 com a edição do incrível Triptych, triplo CD em que se reúne o material lançado em 2010 nos vinis Liberation Through Hearing, Voices of Dust e Forest of Evil acrescentando-se ainda uns extraordinários 40 minutos de material inédito.

demdike_stare-tryptych

À Quietus, revista britânica disponível online, Miles antecipou planos para um 2011 ainda mais activo, indo aí ao encontro de uma ideia que até muito recentemente parecia ser complicada de colocar em marcha por qualquer artista ligado a algum selo mais, digamos, “tradicional”: a ruptura com o calendário clássico de edições. Em 2010, os Demdike Stare lançaram, além dos três LPs já referidos, os mix CDs Industrial Desert e Osmosis, dois títulos com o projecto semi-secreto Anworth Kirk e uma mix para a Fact. Como Madlib ou Expo ’70, para citar dois exemplos em extremos opostos do espectro “indie”, também os Demdike Stare gerem a sua carteira de edições com total liberdade, sem temer uma sobreexposição e procurando na desmultiplicação de títulos uma linha de pensamento comum, uma ideia de percurso, de estudo, de processo. E nesse rasto de edições, vão confundindo as fronteiras entre criação e apropriação, entre curadoria e autoria, editando discos que incluem peças que soam como mini-mixtapes e fazendo das suas mixtapes verdadeiras declarações de uma veia autoral. O meio é, definitivamente, a mensagem.



 

Os Demdike Stare foram inicialmente alinhados com a corrente britânica de hauntology representada essencialmente pelo catálogo da excelente Ghost Box e por alguns projectos que orbitam em torno dela. Mas não tardaram a recusar o rótulo. E de facto, apesar de partilharem com os criadores “hauntológicos” alguma predilecção por sonoridades algo sombrias, a verdade é que a sua música chega de outra galáxia. Os Moon Wiring Club gostam de usar a expressão “confusing british electronic music” e essa é, de facto, uma apropriada forma de descrever o que fazem os Demdike Stare. O nome do duo, por exemplo, cita um pedaço de folclore fantástico da tradição da velha Albion – Demdike é o nome atribuído a uma bruxa queimada na fogueira há alguns séculos, provavelmente quando a Inglaterra aprendia a equilibrar os seus druidas com um cristianismo cada vez mais forte. Mas na música que criam, Canty e Whittaker percorrem cantos exóticos do globo, estendendo o olhar para lá dos limites das ilhas britânicas e buscando inspiração e texturas no extremo oriente ou na Europa de Leste, como se procurassem ligar-se a um qualquer inconsciente psicadélico colectivo. Para o fazerem, usam, como Shackleton ou T++ nos terrenos do dubstep mais avançado, as ferramentas da invenção electrónica, recorrendo à repetição e à densidade textural para gerirem as suas longas peças, profundamente hipnóticas e certamente de inspiração cinematográfica


https://www.youtube.com/watch?v=O_jhV6f62g8


Ao contrário do que acontece nos domínios da hauntology não há aqui nenhuma âncora conceptual específica, como a Paróquia de Belbury para a Ghost Box ou a imaginária terra de Clinksell para Moon Wiring Club. Nesse aspecto, os Demdike Stare aproximam-se mais do que outros exploradores do lado mais negro da electrónica, como os Raime da Blackest Ever Black ou os excelentes Mater Suspiria Vision, têm vindo a expor: um território sónico devedor de um imaginário arrancado à idade do terror lançado em VHS, quando a hiper-realidade colorida procurava lidar com o facto do mundo estar a transformar-se pela via tecnológica – John Carpenter, claro, mas também o Jack Sholder de The Hidden. E um subtexto psicadélico arrancado a vinis de um psicadelismo exótico e improvável, à demanda exploratória do jazz e ao que mais possa fornecer paisagens pouco exploradas. Os Demdike Stare são tudo isso. E agora preparam-se para arrancar o som do futuro a 2011. Enquanto isso não acontece, Triptych prepara o caminho.


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