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Fotografia: Batato
Publicado a: 05/05/2021

Em processo de auto-avaliação.

Deezy: “Nós temos de defender aquilo que somos sempre que alguém aponta um problema de identidade que não existe”

Fotografia: Batato
Publicado a: 05/05/2021

A primeira parte de + do Mesmo é o trabalho de Deezy que sucede a Tudo ao Mesmo Tempo, lançado em 2019, e traz uma lufada de ar fresco à sua abordagem musical. Em cima de traços mais clássicos mas também de novos andamentos, o rapper e antigo membro da Dope Muzik apresenta-nos rimas ferozes, brincadeiras, referências culturais e simbólicas que, no seu conjunto, criam um quadro que serve de consulta para vários cenários e casos sociais que podemos testemunhar ainda hoje. Ao mesmo tempo, o artista passa outra mensagem: a de tentar sempre melhorar.

Estivemos à conversa com o “rapper que canta” e fomos desde o conceito de superação até ao que podemos esperar da próxima parte do projecto, mas, fundamentalmente, pudemos descobrir e compreender muito melhor o significado deste primeiro esforço que tem participações de Sacik Brow, Nayr Faquirá, Ivandro, Phoenix RDC, DJ Fifty e de, para lá da música, figuras como o futebolista William Carvalho, a radialista Yolanda Tati ou o comediante Gilmário Vemba.



Numa entrevista com a Bantumen falas de + do Mesmo e descreve-lo como um disco de superação. Como é que partiste dessa ideia para realizares o disco?

O conceito de superação vem daquela ideia de nos começarmos a conhecer melhor: que tipo de música gostamos de ouvir, que tipo de pessoas é que encaixam connosco. No fundo, conhecer melhor aquilo que nós somos, a nossa pessoa. Então, juntando essas cenas todas, sem chegar ainda à parte criativa, é do género: como artista fica muito mais fácil para mim eu gostar de mim como sou, fazer as coisas que eu gosto, e dessa forma tudo vai acontecer. Então é mais ou menos essa mensagem que o projecto traz. Por acaso a primeira faixa gravada do projeto foi a “Crime Scene”, porque vem naquela altura… não sei quanto aos outros artistas, mas eu estava com a mente um bocado bloqueada, não estava a ouvir música, não conseguia pensar em ouvir música, fazia mesmo por fazer, como se fosse o ginásio, mas nada me despertava aquela cena. Fiz a “Crime Scene” e depois daí senti, “ok, posso voltar a fazer a minha música”. Descarreguei uma energia fixe naquele momento e a partir daí já estava pronto para trabalhar.

Mais à frente queria voltar à “Crime Scene”, mas para já queria perguntar-te se o exercício de superares-te a ti mesmo é algo que fazes muito regularmente e como é que esse sentimento de superares influencia a forma como alteras/apresentas a tua arte.

Cada artista tem o seu método. A minha cena é: tu tens de passar pelas coisas. Tens de viver, experienciar mesmo as coisas. Mas para não fugir à pergunta… O meu último trabalho chama-se Tudo ao Mesmo Tempo, escrito numa fase da minha vida em que eu comecei a fazer um plano, comecei a aplicar um novo método, um método próprio e autónomo. E a partir daí eu disse, “wow, o que é que eu tenho até agora, o que é que eu já fiz, quais são as minhas conquistas, onde é que eu falhei, onde é que eu acertei, o que é que eu tenho de melhorar?” E pensei, “ok, tenho de fazer isto, isto vai ser uma fase da minha vida, daqui a dois anos vou olhar para trás e ver que ultrapassei esta fase”. Isso quando é passado para a música, pelo menos na minha forma de pensar, o Tudo ao Mesmo Tempo veio assim. Tudo ao Mesmo Tempo é passar por uma fase em que te vais conhecer melhor, vais ter mais emoções a nível de relações e negócios e tudo mais, vais-te juntar a pessoas, afastar[-te de outras]. Vais-te conhecer, e a partir daí é tudo + do Mesmo, sempre, e é nesse sentido que eu aplico a minha cena na música. Há que existir uma evolução. Eu sinto que desde o Tudo ao Mesmo Tempo, mesmo havendo essa cena da pandemia, houve uma evolução.

Não querendo tocar muito no assunto da pandemia, mas, dado que afectou toda a gente, achas que influenciou a forma como constróis o teu trabalho?

Sim, sem dúvida, porque… a música é a banda sonora da vida. Se a vida está assim um meio complicada, acho que isso se vai reflectir na música. Eu acho que o + do Mesmo, sendo muito diferente do último que fiz, em termos de aplicação da minha parte foi muito melhor. Apesar de ter uma sonoridade diferente, mais rija, sinto que é muito melhor.

Fala-me sobre essa parte em que dizes que a sonoridade é mais rija Vi-te dizer que és como que “um rapper que canta”. Fala-me me sobre isso.

Hoje em dia é raro haver rappers da nova geração a abrirem um projeto com um boom bap, por exemplo. Mas isso é cultura, podemos actualizar-nos. E não estou a dizer que as pessoas têm de fazer isso de abrir projetos com um boom bap, mas lembrar-se da sonoridade, do ritmo, lembrarem-se como é que isto nasceu. Este tempo deu-me para perceber o que é que me fez começar a gostar disto, então foi meio que um “vamos voltar às origens”.

Nessa parte da produção, o disco tem várias cadências. Existe um exercício enorme de produção, sendo que vai a vários lados, e por vezes tem um espaço musical que parece chegar a mais pessoas (vulgo comercial).

Estou-te a perceber nessa parte do comercial, como um artista que está a ficar mais velho, que sempre esteve habituado a ouvir sembas, fados, pagodes, é tipo eu perceber, o que é que na verdade é a música. O que é que faz as pessoas sentirem-se bem, e se calhar hoje em dia isso pode ser entendido como comercial. Se calhar algumas pessoas podem pensar assim. Por exemplo, o tema que poderás dizer isso se calhar é o com o Ivandro [“Não Me Enganas”]. Epá, se é comercial é fixe porque vai dar para alimentar a malta. É assim, eu gosto de cantar com a banda, sempre gostei de cantar com o Ivandro, e também com a Nayr. Por exemplo, nos meus projetos há sempre uma banda, e eles fazem quase sempre arranjos em músicas. Por exemplo no “WINNA”, se não houvesse aquela guitarra não era a mesma coisa, ou por exemplo no som com o Phoenix RDC… Aquela guitarra está qualquer coisa mesmo.

E sobre o repertório de colaborações no disco?

É assim, há os hosts e os feats. Começando pelos feats há Sacik Brown, Edgar Domingos, Ivandro, Nayr Faquirá e o Phoenix RDC. Acho que está equilibrado para um projeto de nove músicas, dois cantaram no mesmo. Para mim foi uma experiência muito boa porque é sempre uma honra trabalhar com máquinas como o Phoenix RDC, OGs de renome e respeito. O Sacik Brown a mesma coisa. Para mim, o Ivandro no que toca a cantar é dos melhores da tuga, aquela voz é incrível. E a Nayr, a princesa, que também está aí com o trabalho dela.

Em relação aos hosts temos pessoas que eu gostava que fizessem parte do projecto no sentido de me ajudarem a narrar aquilo que estava a sentir. O primeiro é um irmão meu, que está sempre a dar sangue, é o Barrabas, um mano da RRPL, a Liga de Rompimentos de Angola. Temos o DJ Fifty que é um DJ que eu respeito imenso, para mim não existem muitos com a mentalidade/musicalidade que ele tem. Ele é muito old school para a idade dele. O BDR, o meu cota do Cacém, fez sentido tê-lo na “Crime Scene” porque ele é um cota que defende esse tipo de causas. A seguir o William no final do “WINNA”. Para mim ele fez sentido e eu quero que para o ano a taça venha para nós para ver se vamos sentir a música. Era nice o campeão estar aí a dar a dica. Depois temos a Yolanda Tati, que deixou uma marca com muita class ali no “Ninguém Deu”, que é dedicado a elas, as trabalhadoras. Aquelas mulheres que em termos de trabalho conseguem envergonhar um homem [risos] Há homem preguiçoso! Tem de ser, tem de se dizer as coisas. E ela está ali como uma pessoa diferente nesse ramo. E depois temos o Gilmário Vemba, que sempre me fez rir, mesmo antes de começar a cantar.

Sim, foi assim que organizei o projeto, os feats com o glamour que tinha de ter, e os hosts de forma a ajudarem-nos a expressarmo-nos de uma forma diferente, uma forma diferente de ver.



Agora sobre a “Crime Scene”: a questão identitária é um factor que está presente ao longo do disco, assim como a desconstrução de assuntos que merecem a devida discussão. Nota-se que a questão cultural e a etnia são exemplos de temas que abordas ao longo do disco, o empoderamento também um tema recorrente. Como é que essa temática te influencia a trabalhar?

Olha, eu sou do tipo de pessoa que cresceu num sítio e foi sempre habituada a tratar as outras pessoas por igual, foi assim que me educaram e foi assim que cresci como pessoa. A partir do momento em que cresço e depois vejo que há atitudes em que me tenha de afirmar nesse sentido, nem que seja na minha arte. Ou seja, se eu vir que algo está errado, eu tenho de falar, porque nesse caso represento estas pessoas, essas que não têm informação nenhuma, essas pessoas que apenas reagem. Eu represento as pessoas que querem mudar isso, então nessa fase da minha vida vou fazer isso, mesmo que eu não tenha qualquer opinião partidária nesse sentido, sei que são temas que vão chegar ali. Por exemplo, depois de lançar essa música a Dra. Joacine Katar mandou-me mensagem convidou-me para participar num dos evento dela. E foi um momento em que pensei, “wow, onde é que a música vai chegar”. É mais nesse sentido que eu fiz o + do Mesmo, nós temos de defender aquilo que nós somos sempre que alguém quiser mostrar um problema ou apontar um qualquer problema de identidade que não existe.

Terminando, tu abres o disco a dizer que não sabias brincar. O que é que se passa?

A dica da creche, é como uma dica de crossover para a outra, “eu não sei brincar, já me diziam lá na creche” é só uma experiência, uma tentativa de fazer arte livre, brincar à toa.

Achas que é importante brincar entre as paredes da arte?

É importante gerir e é importante não exagerar. É como aquilo que digo que acho que devia ser importante para nós. É aquela cena da atenção/distracção: é muito mais fácil a gente distrair-se, estamos atentos a uma cena e logo a seguir perdermos o fio à meada. Então, para mim, se passarmos mais tempos distraídos, porque é que não nos esforçamos mais para estar com atenção? Então é aquela cena: brinca, mas quando é a sério, tens de te lançar a sério, [fica] atento.

Como é que encaras a “competição” no universo do rap? Dás-te bem com outras pessoas dentro do meio? Existe uma espécie de concorrência saudável?

Imagina, irmão, eu não digo isto à toa: eu não posso não desejar o melhor para ti porque às vezes o melhor para ti pode não ser o melhor para mim. Eu tenho de fazer a minha cena e tu tens de fazer a tua cena. Se algum dia os dois pudermos fazer alguma coisa, vamos ficar os dois a ganhar, e é essa a mentalidade que temos de ter. É essa cena da saúde… tipo: é muito mais fácil estarmos numa corrida e controlarmos os outros, mas, se nos concentrarmos a correr, vamos chegar lá. Sem pensar muito nisso da competição, a competição somos nós. Temos de nos inspirar nos bons para ser melhores e darmos sempre o mérito a quem sabe fazer.

Obrigado pelo teu tempo, mas já agora, o que podemos esperar pelo + do Mesmo — Parte 2?

É uma parte em que trago temas novos, temas que nunca expus, e alguns antigos com uma nova visão.

Podemos saber mais?

Nah, só isso, olha: muita dor, muita casca, e muita cascata. [Risos] Não, vai ser uma parte mais melancólica. Vou desafiar-me muito.


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