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Death Disco Disaster: o feliz derrame na pista de dança

[TEXTO] Eduardo Morais [FOTO] Direitos Reservados

Dissecando o nome — equação de “Death Disco” dos P.I.L. + “Disco Disaster” dos Human League — é evidente que a liberdade adquirida pelo pós-punk foi o meu motor de arranque para alcançar novas fronteiras sonoras nos últimos anos.

As recentemente criadas noites “Death Disco Disaster” baseiam-se nas sementes do movimento psicadélico e disco por todo o mundo, não no sentido académico e conservador dos termos mas sim em toda a sua gama. A psicadelia pode ir desde o resultado lisérgico do sucesso global de bandas como os Beatles até aos ritmos religiosos repetitivos para atingir um estado de trance, tão presentes no Hemisfério Sul; já o disco é aqui celebrado como fenómeno cimentado pelo boom discográfico mundial da “música de discoteca” das décadas de 70 e 80.

Infelizmente, duas das maiores barreiras à preservação da memória e da história cultural de um país são: uma guerra destruidora de artefactos e uma ditadura abafadora de histórias.

Se, um pouco por todo o mundo, na emersão da música eléctrica na décadas 60 e 70, o rock era geralmente visto como parte do capitalismo americano (não sendo até bem recebido em países com uma mudança ditatorial recente), também as diferentes décadas da independência de vários países acabam por reflectir a sua discografia deixada na época.

A Nigéria, o Mali e o R.D.Congo/Zaire são exemplos de países que ficaram independentes em 1960, ao contrário de Angola ou Cabo Verde só em 1975. Isto contribui para que hoje, por exemplo, com facilidade se consiga ouvir os temas de orquestras (ou música de baile, se quisermos) dos primeiros e com muita dificuldade dos segundos.

Na década de 70, a recente democratização na acessibilidade a voos aéreos domésticos – para os ricos – a par das forçadas migrações — para os pobres — criou um ainda maior contacto intercultural.

Se por exemplo, os músicos de territórios nas Antilhas, como Guadalupe ou Martinique, puderam felizmente gravar e editar na Europa, na Turquia misturava-se na perfeição a tradição com os sabores ácidos que chegavam de Inglaterra, principalmente a meu ver, cantado com o espectro vocal feminino.

Paralelamente, a América Latina tinha finalmente a oportunidade de registar em fita os ritmos religiosos de expansão da mente, trazidos de África centenas de anos antes, numa história não muito bonita onde o “português” foi personagem principal.

Na segunda metade da década de 70, a febre da música disco americana contamina o mundo. O rótulo “disco” transforma-se numa estrada fácil para o hit, e surgem no mercado discográfico — até hoje encontrado facilmente em feiras e lojas de velharias — fusões bizarras e desesperadas, totalmente alienadas do movimento originário nova-iorquino tão inclusivo para as minorias.

Contudo, e no meio de “muita palha”, conseguimos facilmente aceder a aparatosos discos dançantes de regiões como a União Soviética, Itália ou Paquistão no seu multi-facetado cultivo de bandas sonoras, e estilos para bailar que rejuvenesceram e se electrificaram a partir daqui como o Soukous, Zouk, Makossa, Chaabi, entre outros também presentes nas Death Disco Disaster.

A consequência do fenómeno “disco” não ficou porém circunscrito à música “quatro por quatro” e aos seus tentáculos sonoros mais directos, acabando também por dar força a movimentos sociais libertários.

Para além do caso americano, a segunda vaga do Raï argelino, que se fomentou a par da inclusão dos ABBA no mercado do Norte de África, foi banido no país na década de 80 pelo seu cariz de promiscuidade sexual e revolucionário perante os valores opressivos da tradição islâmica, anteriormente cantada apenas em bares e casamentos, género contracultural com a mulher presente desde o seu início.

Regressando ao primeiro parágrafo, as noites Death Disco Disaster foram criadas não para mostrar as raridades que valem três dígitos no mercado vinílico, mas como uma necessidade própria de mostrar num país tão multicultural como sempre foi (não pelas melhores razões) e hoje também o é, que os preconceitos não devem ter lugar na pista de dança.

Por muito mais fácil que seja rotular uma noite de “afro”, “tropical”, “exótico”, “étnico”, “latin” ou qualquer outro carimbo que em 2018 pode soar a bafiento dependendo da latitude onde nos encontramos, é muito mais porreiro filtrar à partida alguém do público quando te pergunta pelo estilo que vai ser a noite com um “é principalmente música muçulmana!”

A próxima sessão acontece daqui a umas horas no Rive-Rouge, em Lisboa.

 


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