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Publicado a: 09/06/2015

Dead End: Há um Gorilla à solta na cena hip hop portuguesa

Publicado a: 09/06/2015

[FOTO] Wilson Pereira

 

São 08:29 horas da manhã, tenho no corpo três horas de sono e encontro-me preso num avião a caminho de Londres. Os headphones estão a bombear “Rain”, uma das faixas de aguçados graves selvagens e tribalescos de que é feito o mais recente EP de Dead End, Gorilla, e só me apetece pegar no altifalante da cabine de tripulação e acordar os passageiros com este banger capaz de provocar uma enorme turbulência no aparelho.

Esta compilação instrumental jungle trap do produtor Carlos Salgueiro, 25 anos, é um trabalho ímpar no cenário nacional. Ele é também mais um prolífero exemplo de um beatmaker português que emerge na internet sem que muitos dêem por isso e que traz a jogo aquela sonoridade explosiva que nos habituámos a recolher do outro lado do Atlântico, na América que faz do cruzamento hip hop e electrónica a vincada marca de uma era.

Com três EPs no Bandcamp, esporádicas produções para rappers portugueses e um título na Urban Beat Battle 2011, Dead End conta-me que agora o foco está nas novas colaborações e apresentações clubbing e que o desejo, mesmo, é “mandar a casa abaixo”. Que o avião se segure!

 

O que é este Gorilla que nos trazes? Fala-nos um pouco deste EP. De que se trata?

Este EP é o resultado da minha evolução enquanto beatmaker. É um EP agressivo, mais maduro que os meus trabalhos anteriores e mais virado para o club. Todos os projetos que lanço giram à volta de um conceito específico e pensado e, neste caso, o gorila sempre foi o animal que mais me atraiu pela sua imponência e agressividade. A partir daqui a ideia foi misturar sonoridades da selva com acapelas gangster, com batidas pujantes e melodias cativantes que dignificassem todas as características do gorila e, por consequência, do seu habitat natural. Quando me lanço na produção de um EP tenho sempre muita atenção ao conceito que defino e à coerência entre faixas e, tendo sido estudante de cinema, tendo sempre para envolver o meu som num certo ambiente específico que quero transmitir. Gorilla é agressivo e acredito que seja o meu melhor trabalho até à data e posso dizer que é também o que melhor me representa enquanto artista.

O que te atrai na sonoridade jungle rap e trap?

O que me atrai mais no trap é a mistura de sonoridades mais electrónicas com o hip hop porque sempre foram dois géneros de música que me entusiasmaram. É um estilo que me cativa muito, mesmo sabendo que pode cair facilmente na repetição e tornar-se chato, mas eu tento usar todas as características do trap e transformá-lo em algo meu, no meu estilo, na minha visão e na minha sonoridade. Não gosto de ficar preso a estigmas e a regras de géneros e, mesmo sabendo que o meu som poderá ser mais associado ao trap, o meu trabalho e a minha busca será sempre pelo exclusivo e pelo que nunca foi ouvido, que é o que todos os produtores procuram: ter uma sonoridade única e facilmente identificável como sendo a deles.

De onde retiras as tuas influências para montares beats deste estilo?

As minhas maiores influências em tudo o que faço vêm da minha família e dos meus amigos, são eles que mais me motivam a trabalhar e a superar-me. De resto, em termos musicais, oiço de tudo um pouco e tento beber conhecimento dos que fizeram mais e melhor, dos que inovaram, seja no trap, no rap, no metal, no techno, na música africana, etc. Tudo o que vivo e o que oiço ajuda-me sempre a criar e a procurar sempre fazer bem, melhor e diferente e trabalho todos os dias para isso.


Mesmo sabendo que o meu som poderá ser mais associado ao trap, o meu trabalho e a minha busca será sempre pelo exclusivo e pelo que nunca foi ouvido.


Como é que te descreves enquanto produtor? Qual é o teu estilo?

A minha principal característica seja levar os meus beats sempre para o lado mais banger. Isto acontece naturalmente porque é o que sinto mais quando produzo. Não gosto muito de rótulos, mas sei que estou mais associado ao trap pelas características similares do meu som a este género e porque acaba também por ser o estilo que melhor se encaixa naquilo que pretendo desenvolver, é o que mais me dá prazer a produzir. Adoro “mandar a casa abaixo”, adoro o heavy bass e a vibração que sai das colunas e o que tento sempre é inovar e ir variando a cada trabalho ou a cada faixa que lanço, para não cair na repetição e para mostrar a minha versatilidade, mas sempre mantendo a agressividade que é característica do meu som.

Estudaste cinema e são audíveis nas tuas produções os recortes cinemáticos. De que forma o cinema e as imagens em movimento se reflectem nos teus trabalhos?

Quando comecei a produzir, o que fazia maioritariamente era bandas sonoras para curtas-metragens na faculdade e o que acontece é que, quando produzes música para filmes, essa música tem que criar um ambiente, um estado de espírito e, acima de tudo, serve como apoio e como guia para o envolvimento do espectador. Adoro cinema, é uma das minhas paixões. Adoro realizadores como Gaspar Noé, Kubrick, Coppola, Tarantino, etc. Os filmes transportam-me para outros universos e fazem-me viajar e essa influência acaba por se reflectir na minha música, pois tento transmitir sensações parecidas com o cinema, criando ambientes mais envolventes e tentando transportar o ouvinte para outro universo.


Adoro “mandar a casa abaixo”, adoro o heavy bass e a vibração que sai das colunas.


E tens produções audiovisuais da tua autoria juntamente com os teus beats?

 Tenho dois videoclipes online dos quais fiz parte na concepção. O primeiro chama-se “Sugar Green Skunk”, no qual tive o prazer de trabalhar com vários amigos que compreenderam a minha visão e a superaram com ideias frescas e com muita dedicação, fazendo um excelente trabalho do qual me orgulho muito. O segundo chama-se “Jungle” e é única e exclusivamente da minha autoria, mas sempre acompanhado e aconselhado pelo meu irmão e um amigo. Quis fazer um video art experimental com uma mensagem subliminar e que, acima de tudo, representasse a selva segundo a minha visão.

O que é que a vitória no Urban Beat Battle 2011 trouxe de novo para a tua carreira?

O Urban Beat Battle foi uma excelente experiência. Nunca tinha levado a minha música para fora do meu quarto. O que mais me encantou nesse evento foi a relação com o público quando este vibrava e curtia o som que produzia quarto, isso foi algo especial que me marcou, que nunca esqueço e que espero repetir em breve. Adorei a oportunidade de poder mostrar a minha música ao público, ainda por cima ao vivo, conheci muita gente boa numa competição saudável, senti o meu trabalho valorizado e isso ajudou ao meu crescimento e ajudou também ao reconhecimento e a chegar a mais e mais pessoas ao longo do tempo. Tomara que houvesse mais eventos assim em Portugal, que dinamizam a cultura e ajudam os artistas mais desconhecidos e sem grandes apoios.

Vi que tiveste o apoio de GIJoe aka Sickonce na masterização de Space Bass and The Green Bakery. Fora essa apoio, já trabalhaste com mais produtores? Com quem gostarias de colaborar?

Sim, já colaborei em faixas com o Bruno Alison e com o Holly e pretendo daqui para a frente ir colaborando com mais e mais produtores, seja de que género forem, porque é algo que gosto muito, poder partilhar conhecimentos e juntar visões diferentes. O meu sonho era colaborar com o Kanye West (ahahah), mas de volta à realidade, um dia gostava de colaborar com produtores e músicos reconhecidos no panorama nacional como Sam The Kid, Rodrigo Leão, DJ Ride, Moullinex, DJ Vibe, Fred, Marfox, Nigga Fox, etc. São tantos que é impossível nomeá-los a todos.


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Os filmes transportam-me para outros universos e fazem-me viajar e essa influência acaba por se reflectir na minha música.


Que beats teus pudemos escutar com MCs a rimar por cima?

Fiz poucas colaborações com rappers, mas, por exemplo, o Smile e o Raptruista usaram alguns beats meus para a mixtape deles; fiz uma remix para a faixa do Blasph chamada “Chipalas”; e acabei agora uma remix para o Mike El Nite. Irei colaborar em breve em projetos do Blasph, Real Punch e InZtynto e espero começar a colaborar cada vez mais com MCs. Penso que os artistas estão cada vez mais abertos a novas sonoridades e isso possibilita novas colaborações e procurar inovar.

Como é que vês a cena trap em Portugal? O estilo já faz parte do hip hop nacional ou ainda há muito por onde explorar?

O trap é um estilo que tem pouca expressão por cá e podes facilmente encontrar no SoundCloud produtores de trap portugueses, completamente desconhecidos do público português, mas que têm milhares e milhares de visualizações pelo estrangeiro fora e isso reflete a falta de expressividade que esse género de música tem no nosso país. O que acontece é que muitas das tendências que surgem lá fora demoram algum tempo a implementar-se em Portugal, ou isso até nunca chega a acontecer por falta de promoção e de aposta em novas sonoridades. Espero que isso mude no futuro, mesmo com outros estilos de música, embora ache que ainda há muito caminho a percorrer e muito por onde explorar e experimentar. A música é o que nós quisermos que ela seja.

Diz-nos cinco nomes de produtores dentro da cena trap que constituam referências para ti.

Nem todos se consideram trap, mas encaixam de certa maneira nas minhas influências dentro desta onda: Hudson Mohawke, Lunice, Flosstradamus, Mr. Carmack e Loudpvck.


Podes facilmente encontrar no SoundCloud produtores de trap portugueses, completamente desconhecidos do público português, mas que têm milhares e milhares de visualizações pelo estrangeiro fora.


Que planos tens para o futuro? O que aí vem?

Quero produzir mais, adquirir mais conhecimentos e melhorar as técnicas. Espero lançar mais música este ano, colaborar com mais artistas e, principalmente, começar a tocar ao vivo em clubs e levar a minha música a mais pessoas.

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