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Publicado a: 06/02/2017

David Axelrod: o produtor dos produtores

Publicado a: 06/02/2017

[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTO] Direitos Reservados

 

David Axelrod é o sobrevivente de uma época em que a palavra “produtor” tinha um peso muito diferente daquele que se lhe atribui nos dias de hoje. Ser produtor discográfico na Los Angeles dos anos 60 significava várias coisas: ser um mestre diplomata com uma bem recheada agenda de contactos – porque um produtor era tão bom quanto os músicos que conseguia levar para cada sessão; ser um entendido nos mistérios do som capaz de dialogar com os engenheiros de estúdio; ser um orquestrador capaz de ditar ao director musical as características dominantes de um arranjo; e ser um A&R capaz de iluminar a direcção pessoal de um músico, convencendo-o a seguir determinado caminho com a sua obra. Axelrod foi tudo isso e muito mais. E a compilação editada no final do ano passado na Blue Note retrata de forma intensa o seu prolífico período ao serviço da Capitol, quando gravou gente como Cannonball Adderley, Lou Rawls ou Letta Mbulu.

 



Não deixa de ser curioso que a pesquisa para The Edge tenha sido efectuada por Eothen “Egon” Alapatt, um reconhecido especialista de funk que é igualmente sócio numa das mais respeitadas etiquetas actuais de hip hop – a Stones Throw. São factos pertinentes tendo em conta que o “renascimento” de David Axelrod aconteceu às mãos de uma nova geração muito por via da familiaridade com a sua música induzida pelo abundante sampling dos discos em que se envolveu. Gente de reconhecido talento dentro do hip hop, como DJ Shadow ou Dr. Dre, samplou de forma notória a obra de Axelrod e isso abriu caminho para que em 2001 a editora Mo’ Wax (que lançou os trabalhos seminais de Shadow) permitisse o regresso ao activo de Axelrod, que assim pode terminar um álbum iniciado 30 anos antes. Através de um fervoroso circuito de coleccionismo de vinil e de uma cultura de apropriação de pedaços significantes do passado, a música que Axelrod espalhou ao longo de dezenas de álbuns – seus e de outros artistas – manteve toda a sua pertinência no presente.

 



Sem grandes surpresas, numa entrevista do ano passado publicada na revista Waxpoetics (que precedeu a edição de The Edge), Axelrod explicava que uma das características dominantes do seu som na década de 60 – o gosto pelo silêncio e por arranjos que privilegiavam a respiração dos instrumentos – tinha sido herdada de um gigante do jazz: “Isso aconteceu por influência de Gil Evans. Ele arrasou-me, simplesmente arrasou-me. Foi em 1964. O álbum tinha por título Out of the Cool. Foi o primeiro álbum que ele fez depois de ter trabalhado com o Miles. E este álbum mudou tudo.” Assumindo o jazz como a sua principal linguagem (“A minha vida como ouvinte fazia-se com setenta e cinco por cento de jazz…”), Axe estabeleceu pontes com outros géneros, investindo em bateristas como o lendário Earl Palmer, com uma linguagem mais próxima das raízes do r&b. E isso permitiu-lhe assinar estrondosos sucessos como foi o caso de Mercy, Mercy, Mercy! – Live at The Club do Quinteto de Cannonball Adderley que elevou o jazz a um estatuto bem próximo da pop em termos de vendas. Mas Axe também insuflou alguma sofisticação do jazz nas baladas do crooner Soul Lou Rawls e transformou o rock psicadélico dos Electric Prunes numa visão pessoal do mundo nos fabulosos Mass in F Minor e Release of an Oath. Axelrod gravou igualmente a solo – Songs of Innocence, Songs of Experience e Earth Rot são três álbuns fundamentais representados em The Edge – mostrando na sua música uma inteligência e uma liberdade inauditas para alguém da sua época e na sua posição. Verdadeiro maverick da indústria, David Axelrod nunca sacrificou a sua visão a pressões mercantis de espécie alguma. Esse inconformismo é um dos pilares em que se apoia a longevidade da sua obra que partiu do jazz para o psicadelismo mantendo os pés fincados na terra do R&B primordial.

 


 

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Texto de RMA originalmente publicado em jazz.pt

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