Dave East cresceu no Harlem, bairro de Nova Iorque na ilha de Manhattan, onde as pontes sempre fizeram parte da sua história e dia a dia — para atravessar o Hudson em direcção a Nova Jérsia ou para passar o East River e ir para Brooklyn ou Queens.
Aos 31 anos e com uma carreira firmada, pontes é o que Dave East continua a fazer todos os dias. O rapper nova-iorquino carrega a bagagem de uma escola clássica do hip hop e cruza-a com apontamentos sonoros mais actuais, numa mistura que é altamente benéfica e essencial para o seu bom momento.
Lançou em Novembro o primeiro álbum de originais, dez anos depois de ter começado o seu percurso no rap, e após inúmeras
mixtapes editadas e provas de qualidade dadas. O disco intitula-se
Survival e relata essencialmente a história de Dave East, a difícil vida nas ruas e o
hustle necessário para superar as dificuldades e chegar a um novo patamar.
Dave East faz a ponte entre a tradição do rap — tem
Nas e
DJ Premier no álbum — e as tendências mais modernas, ao ter
Gunna ou
Lil Baby, entre outros nomes ligados ao trap, a colaborar consigo no disco. Tanto há instrumentais de
Timbaland como de
Murda Beatz,
AraabMuzik e
Swizz Beatz. Os temas soam frescos embora a preocupação e consciência lírica seja uma constante.
Foi precisamente isso que se viu esta sexta-feira, 20 de Dezembro, na estreia de East em Portugal. O rapper actuou para um lotado Musicbox, em Lisboa, no último concerto da tour europeia que serviu para apresentar o longa-duração.
O formato é o mais convencional. DJ atrás a disparar
beats,
hype man na frente de palco,
crew na retaguarda a mostrar apoio e a fazer a festa, e Dave East a comandar a plateia ao centro. Tanto há
bangers para abanarmos o corpo — noutro ambiente poderia até ter chegado ao
moshpit — como Dave East interrompe de forma constante os instrumentais para rimar
acapella para prestarmos bem atenção às rimas internas que faz e à mensagem que pretende transmitir.
O público é aquele que nos habituámos a encontrar nos eventos da produtora Versus, responsável por trazer Dave East a Portugal. Uma geração mais madura de ouvintes, na casa dos 30 anos (ou 20 e muitos), que cresceu a ouvir nomes como o padrinho Nas e que recebeu de braços abertos o afilhado Dave East quando este começou a aparecer e assinou pela Mass Appeal e pela Def Jam Recordings. Tudo bom gosto, portanto.
É notório que não existe uma preocupação enorme em que tudo soe bem — há várias faixas cortadas a meio, fade-outs pouco trabalhados de
beats e nem todas as muitas rimas são ditas de forma 100% correta por cima da
backing track.
Mas isso é assumido: é um concerto competente de rap à séria, uma festa enérgica em cima do palco, a puxar pelo público seja para a multidão se mexer ou colocar as luzes dos telemóveis e isqueiros lá em cima, no ar. Mais do que excelência musical, o que interessa é a
vibe e Dave East e companhia conseguem entregá-la ao vivo, seja de casaco desportivo ou em tronco nu, numa actuação que durou perto de uma hora e meia (com direito a
warm-up do
hype man Kiing Shooter).
É pena que Dave East não tenha conseguido uma sala maior em Portugal e os bilhetes só tenham esgotado no dia anterior — o artista merecia mais interesse por parte do público português — mas quem estava tratou bem de East e o americano só teve de retribuir e puxar por esse carinho.