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Fotografia: Afonso Marques
Publicado a: 28/04/2023

A LÍBIDA vai às Damas.

Dakoi: “O meu trabalho é com as girls”

Fotografia: Afonso Marques
Publicado a: 28/04/2023

A produtora, DJ e, porque não dizê-lo, compositora de música electrónica/electroacústica que se apresenta como Dakoi, nome artístico de Tânia Caldeira, leva a Lisboa o seu projecto LÍBIDA. Será a 5 de Maio, nas Damas, e muito promete. Para quem ainda não a conhece, imaginem uma música extensiva dos princípios do DJing, com muito corta-e-cola e muitos samples, para além dos expectáveis beats a convidar para a dança e ainda que haja quem prefira ouvi-la com atenção do que mexer com os corpos. Como não podia deixar de ser, a Rimas e Batidas conversou com esta figura única na cena do clubbing e das suas margens mais experimentais.



Começaste por organizar a LÍBIDA em Caldas da Rainha, com concertos e DJ sets de convidados teus como Odete e King Kami, entre muitos outros, e agora a série (ou a “festa”, para utilizar a tua terminologia) apresenta-se em Lisboa, com uma actuação tua nas Damas. Entendes isso como uma subida de escala ou simplesmente como uma ramificação do conceito de programação que está por detrás? E a LÍBIDA és tu, para todos os efeitos e acima do mais que possa ser e peço que expliques. Como entendes, também, a tua paralela evolução em termos de percurso musical?

Há uns anos comecei a programar e produzir eventos num bar das Caldas chamado Déjà Vu, que infelizmente fechou na pandemia, e na verdade foi aí que convidei a King Kami e também a Odete para fazer b2b comigo.  A LÍBIDA é um projeto mais maturado, que comecei no início do ano passado e nasceu da necessidade de chamar mais girls e queer DJs para tocar e incentivar a criação de um ambiente mais feminino. Com isto não quero dizer que é exclusivo para mulheres cis, obviamente, mas sim dar prioridade a uma presença/energia feminina, já que o universo club é muito masculino.
O vir da festa para Lisboa é apenas uma ramificação. Acho que faz todo o sentido trazer. Só não tinha acontecido ainda porque não surgira o timing e o espaço certo para a acolher. A LÍBIDA não sou só eu. Apesar de ter sido uma ideia minha, comecei-a com Filipa Combo. Durante o processo apareceram pessoas que acreditam no projecto e me ajudam imenso para colocar a festa de pé e que esta aconteça da melhor maneira. O GRÉMIO é a minha família e, apesar de eu já não estar a viver nas Caldas da Rainha, eles vão ser sempre um colectivo pelo qual tenho muito carinho e que me inspira imenso.
Em termos de produção musical, sou a típica produtora que tem tudo no baú e só aproveito para lançar em compilações porque é um compromisso que tenho com outres e não só comigo própria [risos]. Mas este ano estou com uns projectos na manga, nos quais estou a trabalhar agora. Acho que vai ser um bom ano, para produzir e para lançar.

Apresentas-te como produtora e DJ, estando na intersecção da música electrónica de tua própria criação e do DJing, com, igualmente, um bom número de remixes no teu currículo. O que te motivou para este hibridismo? Como te defines no meio destes modos de estar, de ser e de fazer?

Desde que me vejo como gente que sempre quis fazer música e ter uma banda. Como nunca consegui arranjar uma banda — porque gerir vidas, personalidades e vontades é complexo e não depende só de mim (e odeio que não dependa só de mim) — eu kinda desisti dessa ideia e arranjei outra forma de começar a trabalhar sozinha, a aprender a mixar e a produzir e no processo apaixonei-me por isso, mas nunca foi uma cena que pensei em criança, tipo “vou ser DJ” [risos]. Agora, por acaso, está a voltar-me a vontade e a obsessão de querer ter uma banda hardcore e trabalhar em conjunto e não tão isolada. Estou à procura de pessoas que dêem match – é um processo.

A tua abordagem à música é desconstrutiva e experimental, como se estivesses a reordenar os órgãos de um corpo, passando – e redefinindo – linguagens como o techno, o reggaeton, o kuduro e outras. Nesse sentido, é trans-idiomática, iludindo quaisquer diferenciações dessas tendências musicais da chamada “club music”. Isto é o que eu oiço, mas seria mais importante que nos transmitisses a tua própria visão (audição), os teus propósitos, o que pretendes alcançar, o que queres dar a ouvir…

Gosto sempre muito da tua descrição sobre o meu trabalho, és a pessoa que melhor o descreve. Concordo com a tua visão: é um trabalho que passa por, e tem como referência, vários géneros, como esses que mencionaste e, no fundo, transformá-los em música mais pesada. Às vezes fica num limbo, entre encaixar-se ou não num club. Adoro coisas não óbvias e o inesperado – não que eu ache que estou a trazer uma sonoridade nova. Não tem que ver com ser novo ou não, estou só a ser eu própria, e então as coisas fluem assim. Tenho muitas referências diferentes, o que me dá vontade de passar por várias estradas, mas ao mesmo tempo tem de fazer sentido para mim mesmo, mesmo que seja mais difícil de ser compreendido.

O espaço que ocupas é o de uma música queer e que tem como foco as mulheres e em especial as mulheres queer, aliás com um convite preciso: “Let’s go lesbians”. É uma projecção tua ou uma especificação do tipo de público que pretendes atingir e que queres ter nas pistas de dança, sabendo que, muitas vezes, as pessoas preferem ficar paradas para simplesmente te ouvir?

Acho que é uma mistura dos dois. Sinto que o meu trabalho é com as girls. Quero dar-lhes mais espaço, porque sei o que é sentires-te desconfortável, às vezes, ou mais para trás por não estares à vontade quando a front são só gajos. A LÍBIDA é para reverter um bocado as coisas e tentar criar esse à-vontade.

O que diferencias entre as tuas performances musicais e o que passaste no teu programa radiofónico na Quântica, o DESKUNEKSU? É nessa altura em que surges menos compositora/produtora e executante de música electrónica e mais DJ?

Na verdade, ultimamente não ando a conseguir gerir a vida pessoal/profissional mais o programa de rádio, mas quero voltar. Gosto muito da Quântica. O DESKUNEKSU é mais sobre mixes como DJ e convidar outres DJs de que gosto para fazerem mix para o programa. Não há muita diferença entre os mixes que gravo para o programa de rádio e os que eu faço nas datas em que vou tocar; sou eu a ser DJ. É pretty much the same.

Mais do que trabalhares sobre (e dentro) das músicas de terceiros, utilizas samples, e em particular samples de vozes distorcidas, numa amálgama de sons teus, sobretudo sínteses, e de beats impactantes injectados por ti. Qual é o teu método criativo? Como nasce uma peça tua?

Quando estou a produzir beats, não costumo usar samples de ninguém. Faço field recording; adoro gravar para sampling. Tenho bué sons gravados ainda dos primeiros anos que vivi nas Caldas. É engraçado porque é história – esse processo de usar gravador e as memórias que tenho dessa recolha de sons faz muito parte da personalidade das minhas músicas até hoje. Depois é meter tudo no Ableton e eu trabalho muito corte-e-cola na composição. Sou muito crua a trabalhar, gosto dos defaults do Ableton e não sou uma nerd dos plugins [risos]. Gosto de plugins e de ficar a brincar com eles, mas a minha maneira de trabalhar para Dakoi é diferente e os defaults são suficientes porque o objectivo é outro. É mais sobre o banco de sons que eu tenho, a crueza dos mesmos, a composição e a maneira como comunicam entre eles. No DJing uso muito samples e loops de outres artistas.

A tua música tem, geralmente, um carácter sombrio e negro, mais sombra do que arco-íris. Porquê? É uma opção estética ou um mero feeling? É uma construção premeditada ou um enquadramento ditado pelo momento?

Ya, consigo compreender que tenha um carácter mais sombrio, mas, na verdade, é usar essa parte sombria de maneira irónica e dançar por cima disso. Dá-me pica música mais pesada porque sempre fui eléctrica, irrequieta e barulhenta [risos]; é a maneira de me expressar. Adoro raves [risos].

Estás muito dirigida para situações live, mas a natureza da tua música remete-nos para a necessidade de te ouvirmos igualmente em disco. Algumas intenções a propósito? E se sim, quando e como?

Já estava à espera desta pergunta, berros [risos]! Sim, tenho intenções disso há anos [risos]. É sempre um processo bué grande o de aceitar algo como um projecto final e concluído, mas vai ser este ano e vou aceitar tudo como está porque estou farta de esperar e quero ser uma rockstar [risos].

Cultivas uma imagem cyberpunk, no palco como nas tuas fotos de promoção, que é como que um prolongamento da tua música, uma extensão, uma encenação. Até que ponto se trata de uma mise-en-scéne assim pretendida? Ou trata-se de um espelho do que tu és, ampliando o que és?

Ai period, amei o termo cyberpunk. Estou só a ser eu, não penso muito nisso. Claro que o que as pessoas vêem na Internet é super reduzido. As pessoas não podem achar que me conhecem por causa dessa imagem cyberpunk. Tenho mais, há mais sobre mim.

A habitual última pergunta: o que vai acontecer no futuro próximo e no longínquo além do que já adiantaste? Queres uma continuidade, ainda que mutante como habitualmente, ou um corte radical com o que tens feito nos vários planos da tua intervenção? O que vai ser a tua persona daqui por diante? Com certeza que pensas sobre isso.

Quero e estou a trabalhar há bué tempo para lançar a Dakoi produtora e vocalista e lançar videoclipes. Quero continuar com o DJing e com a LÍBIDA porque adoro mixar e adoro fazer coisas com um point. Enquanto houver point está tudo bem. Quando este deixar de existir todas as outras coisas deixam de existir e eu aceito, mas para mim faz todo o sentido continuar com isto. E quero ter uma banda. Pode ser só mais uma pessoa, sermos uma dupla, para não gerir tantas vidas. Estou à procura da pessoa ideal e que queira dar 100% ao projecto, porque já comecei isto e já tive uma pessoa que estava para levar a cena para a frente comigo, mas entretanto as coisas mudaram. Está tudo na minha cabeça, já tenho estrutura, composição, mas agora é encontrar alguém baterista/feminista/queer ou queer friendly que entenda as coisas que eu quero berrar sobre, e que acompanhe o projecto.


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