LP / CD / Cassete / Digital

Daft Punk

Discovery

Daft Life / Parlophone Records / 2001

Texto de Vasco Completo

Publicado a: 12/03/2021

pub

Discovery, para lá de ser a grande afirmação dos Daft Punk, é um álbum de transformação de dois humanos em dois robôs, desprovidos de identidade, humanidade, mas nunca de memória. O sucessor de Homework (a estreia marcante que lançou o duo francês como grandes nomes da música electrónica) é uma odisseia pop que coloca novamente disco e house (mãe e filha, basicamente) na mesma sala.

De todos os trabalhos da dupla, Discovery é, muito provavelmente, o mais memorável: por um lado existem hits mais radiofónicos, por outro encontramos técnicas e estéticas que têm marcado a música nas duas décadas que se lhe seguiram, revolucionando a pop e carimbando a inovação do toque francês sob a sua impressão digital. Nem só de “One More Time” e “Harder, Better, Faster, Stronger” é feito o álbum, mas estes (como outros) perduram como temas intemporais que têm tanto poder de crossover estilístico como de crossover geracional. O seu impacto ainda é sentido em 2021, 20 anos depois.

Em Kanye West, uma das estrelas mais cintilantes pós-2004 – e na altura de Discovery ainda em período de gestação enquanto artista –, veríamos florescer repercussões deste trabalho como em poucos. Levou ao hip hop o mundo dos Daft Punk: samplou-os a papel vegetal em “Stronger”; recorreu ao auto-tune para a fantasia quebra-corações de 808s & Heartbreak, numa altura em que auto-tune e vocoder ainda eram ligações directas à estética Daft Punk; e ainda fez o duo francês assinar créditos em Yeezus.



Tal como Yeezy, os robôs franceses foram várias vezes alvo de crítica pelo uso de excertos excessivamente longos na sua abordagem sampladélica, acusando-os de alguma falta de criatividade nisso mesmo. Embora Mr. West tenha sofrido mais com isso pela época em que o fez, as alusões mais óbvias a Giorgio Moroder (e outras influências) foram também sentidas e faladas nos meios mais underground da música electrónica. No entanto, fazer música que soe ao presente tem tanto de revivalismo como de futurismo, e a influência e singularidade de Discovery – e do resto da sua carreira, na verdade – não pode ser refutada por essas críticas.

Os baixos possantes do primeiro disco são sentidos em “Short Circuit” ou em “Voyager”, além de que a apologia house e techno não desvanece. Quem ganha espaço são as canções melodiosas, carregadas de vocoders e de emoção nostálgica (também pelas vozes de Romanthony e Todd Eddwards), não fosse Discovery uma redescoberta dos anos 70 e 80, para bem do saudosismo de Bangalter e Homem-Christo, que cresceram nessas mesmas décadas. Além disso, o tão falado toque francês — que aperfeiçoam aqui –, traz consigo o uso e abuso da compressão side-chain, aliada ao four-to-the-floor. Para enriquecer toda a viagem do álbum, Interstella 5555, o seu acompanhamento visual, pinta o quadro em formato anime pela mão de Kazuhisa Takenouchi. Não nos esqueçamos que estamos a falar de um dos grupos musicais (humanos ou robóticos) mais preocupados com a imagem e as suas propriedades especiais para complementar o som.

Os robôs também têm memória. A sua identidade, a partir de Discovery, é somente aquilo que a sua música deixa revelar.


pub

Últimos da categoria: Críticas

RBTV

Últimos artigos