Digital

Dada Garbeck

The Ever Coming - Cosmophonia

Discos de Platão / 2021

Texto de Gonçalo Tavares

Publicado a: 19/02/2021

pub

Cosmophonia abre com “Waltz for an Empty Space“, que chega com uma aragem primaveril de aromas jazzísticos. A melodia, encorpada no saxofone de João Mortágua e no trompete de Ricardo Formoso, faz tranças à harmonia com apontamentos espaciais dos sintetizadores. O single transmite felicidade e sabe receber-nos, pintando-nos um primeiro retrato musical do que iremos ouvir mais à frente, mas é modesto a representar a ambição de Dada Garbeck.

Estamos perante a terceira parte de uma tetralogia de álbuns, The Ever Coming, uma elaborada operação de som e repetição que pretende levar o ouvinte numa viagem interior. Cada lançamento faz uso de um diferente instrumento para o guiar. Em Cosmophonia são os sopros, que tanto se assumem como o lead (“My Dog is an Alien”) como dialogam com as vozes (“Dead Detuned”). A melodia passa por entre eles em cima do groove, o trote da bateria de Pedro Gonçalves Oliveira, que acompanha o balanço da mente dando balanço ao corpo. Com estes elementos, mais os seus sintetizadores, Rui Souza compõe peças que tanto se desenvolvem no tempo como se petrificam nele. Por vezes, a sua duração não permite uma hipnose demorada, mas deixa a porta entreaberta para a meditação.

“Time does not exist”, declara-nos em “Waltz for an Empty Space”. É com esta sensação de circularidade, onde a música tanto avança como se retêm num movimento de marés, que as referências e intuições de Dada Garbeck espumam. Em “Labrador do Minho”, o centro do palco é um field recording de um lavrador. Este momento etnográfico remete-nos para o que Rui Souza já nos confessara antes: “a maior riqueza que ainda temos são estas tradições orais.”

Para além de serem um instrumento musical e espiritual, as vozes fazem a ponte lírica com o universo explorado. Em “Alien Assembly”, no final de um episódio free de João Mortágua e Ricardo Formoso, irrompe uma passagem de spoken word, sincopada com o ritmo:unbearable to acknowledge our existence to be a gift we fail to be, we fail to see”. The Ever Coming pede-nos disponibilidade para, através da música, ouvirmos outras, que ecoam na nossa cabeça e se despertam nos nossos sentidos. “O resto é conversa e as conversas, ainda que muito importantes, são levadas pelo vento”, disse-nos Rui, sendo o resto tudo o que não envolva amor, prazer e arte.

“Washam pt2” é um final meloso, convidando gentilmente o público a sair do loop. É possível ouvir Cosmophonia como álbum, assente na conjugação plástica dos sopros, vozes e sintetizadores, ou como mantra. Em ambos os casos, os ouvintes encontram-se no final da viagem. O outro percussivo aponta-nos para a próxima paragem, o quarto tomo da saga de Dada Garbeck.


pub

Últimos da categoria: Críticas

RBTV

Últimos artigos