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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 24/07/2019

Dreaming Is Dead Now marca a estreia de Doya Beardmore no registo longa-duração.

Da dor de ter perdido o pai à questão do racismo e preconceito: o “sonho” de Skinny Pelembe só agora começou

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 24/07/2019

Dreaming Is Dead Now, álbum de estreia de Skinny Pelembe, artista que integra o repertório da Brownswood Recordings, não é imediato – leva o seu tempo a colar-se ao ouvido. E isso poderá dever-se ao facto de ser uma obra bastante heterogénea, algo indefinida, que belisca vários universos sem escolher um em específico e sem procurar um alicerce estilístico que a sustenha de forma isolada.

Há de tudo no disco. Ambientes que parecem ter sido resgatados à selva, corroborados pela própria capa do disco (inspirada nos álbuns White Blood Cells, dos The White Stripes, e Journey to Satchidananda, de Alice Coltrane); percussões que nos ligam directamente a África; coros próximos de um imaginário religioso, numa toada quase de evocação; ritmos que não andam muito longe dos BPMs do drum’n’bass, com a própria textura das baterias utilizadas a fazer jus ao estilo que se desenvolveu em Inglaterra (o artista trabalhou com o duo The Bleeding Edge no tema-título); Pelembe a dividir o seu esforço entre canto e rap, evidenciando o seu carácter todo-o-terreno, e, por fim, guitarras articuladas em progressão rock.



É normal que estes elementos soltos provoquem alguma estranheza ou até confusão, principalmente se estas palavras estão a ser lidas antes da audição ao álbum ter sido feita, mas a verdade é que acabam por fazer sentido na conjuntura final. E quanto maior for o número de reproduções, mais sentido a obra faz.

Skinny Pelembe nasceu na África do Sul mas emigrou muito cedo para Doncaster, condado de South Yorkshire, Inglaterra. De Doncaster mudou-se para Londres, onde actualmente reside. Em 2017, lançou o seu primeiro EP, 7 Year Curse, com edição em nome próprio, seguindo-se, em 2018, o EP Sleep More, Make More Friends, com o selo da Brownswood Recordings, pertencente ao DJ, coleccionador de discos e radialista Gilles Peterson. Sleep More, Make More Friends cruza o groove do rock psicadélico com as técnicas clássicas de corte e colagem do hip hop, e conta com a participação de nomes como Yazmin Lacey, Hejira e Emma-Jean Thackray.



Editado no passado dia 24 de Maio, Dreaming Is Dead Now é um álbum com um cariz muito pessoal. Demorou cerca de quatro meses a ser construído mas há canções que começaram a ser escritas há nove anos. “Todos os temas estão relacionados com período que se seguiu à morte do meu pai”, pode ler-se numa entrevista para o site Another Man. “Mas também está ligado a escrever letras através do sonho. Daí o nome. Tem a ver com toda essa fase: como a dinâmica da tua família muda depois disso; conhecer pessoas, perder pessoas”.

Apesar de ter nascido na África do Sul, Doya Beardmore, nome civil, sente que este álbum é bastante influenciado por Moçambique. “A minha mãe é moçambicana, o meu pai de Birmingham. Ele fugiu de Inglaterra por altura do Mundial de Futebol, por não aguentar o fanatismo futebolístico. Mudou-se para o Irão e depois África do Sul, onde a minha mãe trabalhava derivado à guerra civil em Moçambique. Foi lá que conheceu o meu pai e foi lá que eu nasci. Esta é a única ligação que tenho”, conclui, acrescentando, “conheço tão bem Moçambique como conheço Doncaster”.

Dreaming Is Dead Now belisca também questões raciais. “No Black, No Dog, No Irish”, segunda faixa do disco, é sobre o racismo que ainda prevalece na sociedade britânica. “A canção foi escrita quando um soldado, cujo nome não vou referir por uma questão de respeito, foi decapitado na rua [referindo-se provavelmente ao assassinato de Lee Rigby em Woolwich, 2013]. Eu estava a viver em Leeds e a trabalhar em Doncaster, por isso tinha que apanhar um comboio muito lento que atravessava todas as pequenas aldeias dessa área, e nas semanas que se seguiram toda a gente no seu caminho para o trabalho atirava para o ar comentários como ‘volta para o teu país’”, partilha.



E é mesmo das origens que Pelembe fala no final da entrevista. “Existe uma enorme tensão racial lá [África do Sul], mas quando passas a fronteira para Moçambique, os teus ombros descontraem e podes relaxar. É maravilhoso. Fernando Luís, que foi um cantor e guitarrista, conhecia a minha tia. Quando lá estive, ele levou-me para aulas de guitarra e gravações de televisão, e acabámos na praia com os elementos da sua banda a tocar, foi muito importante para mim ver as pessoas a viver assim”.

As intenções musicais de Beardmore sempre foram variadas: inicialmente, quis fazer parte de uma banda de surf rock; depois, já na universidade, centrou as suas atenções no drum’n’bass. Só depois, em idade mais avançada, decidiu somar as influências todas, rumando, sempre que possível, contra a maré. “Eu acho que sou um pouco idiota com estas coisas”, confessou em conversa com a revista Clash. “Quando toda a gente escolhe uma direcção, eu escolho a oposta. Mudei-me para Londres quando todos andavam na cena fixe do jazz, e eu era do estilo ‘não é isso que quero fazer’”.

Quando chegou a Londres, Pelembe juntou-se à Future Bubblers, uma espécie de incubadora de novos talentos pertencente a Gilles Peterson. “A Future Bubblers é tudo. A razão principal pela qual a minha música soa desta forma deve-se – parcialmente – a ouvir o programa do Gilles; ele passa literalmente tudo. Comecei a segui-lo com apenas 15 anos. Eu lembro-me que, na altura em que comecei a ouvir o programa, o Gilles estava a atravessar uma fase punk e passou a ‘Bela Lugosi’s Dead’ dos Bauhaus e eu fiquei maravilhado com o que estava a ouvir”.



Skinny Pelembe consegue ao mesmo tempo ser apreciador de universos e carreiras tão distintas como as de Madlib e Neil Young – e talvez isso nos ajude a perceber o cariz ecléctico de Dreaming Is Dead Now, onde boa parte das músicas são construídas com base no sampling. Para Pelembe, samplar não é apenas uma técnica mas sim um modo de vida. “Eu não posso coleccionar coisas”, explica o artista ainda no mesmo artigo. “Estás a ver aquela ideia de ter tudo o que precisas numa única mala? Organizei a minha vida em função disso, porque gosto da sensação de poder ir para qualquer lado, não gosto de ficar preso num sítio para sempre. Por isso, não colecciono discos a não ser que alguém me os ofereça e tenham um bom significado ou tenham boas memórias associadas a eles. Eu samplo as coisas que as pessoas me oferecem ou o que apanho em lojas de caridade. Não gosto de ir a lojas de discos fazer digging porque acaba toda a gente por ter a mesma coisa, vão todos soar ao mesmo”.

Do ponto de vista estético, Dreaming Is Dead Now explora mais a voz de Pelembe do que os trabalhos prévios, evidenciando por isso mais confiança nesse campo – anteriormente, a voz de Doya surgia ofuscada na mistura, por este não se sentir à vontade com a faceta cantada. “Lançar o teu primeiro álbum é como chegar a uma festa onde toda a gente já se encontra há várias horas”, explica com humor para a Earmilk. “Podes decidir entrar na sala a gritar, ser realmente barulhento, e talvez isso te corra bem. Mas eu não sou assim. Eu provavelmente entro e fico no canto sossegado durante algumas horas antes de dizer uma palavra que seja a alguém. Sou o tipo de pessoa que entra sorrateiramente, conhece algumas pessoas e começa aos poucos a fazer barulho até se tornar realmente irritante”.


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