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Texto: Vera Brito
Fotografia: Arlindo Camacho
Publicado a: 10/03/2020

Teresa Sousa editou recentemente o seu novo álbum pela Discotexas.

Da Chick: “Eu nem sabia que conseguia fazer isto”

Texto: Vera Brito
Fotografia: Arlindo Camacho
Publicado a: 10/03/2020

Foi num final de tarde deste Março ameno que nos encontrámos com Da Chick ou Teresa de Sousa; a própria é a primeira a dizer que ambas são a mesma pessoa, e essa foi uma maneira de começarmos a falar sobre o seu novo disco: conversations with the beat, acabado de editar.

O encontro aconteceu na Cinemateca, no seu pátio tranquilo e resguardado do burburinho em pleno centro de Lisboa, um segredo relativamente bem guardado, que permite uma conversa descontraída, onde apenas a rota interminável dos aviões rumo à Portela nos abafa, por vezes, a voz. Falámos de crescimento, solitude e desafios, e o brilho nos olhos de Da Chick não esconde o entusiasmo de quem está a viver um período de descobertas, em que todas as possibilidades são infinitas.

conversations with the beat, uma conversa a dois agora partilhada com o mundo, acabou por ser um dos frutos dessa auto-descoberta (outros estão a caminho) e é o tema maior desta entrevista, até mesmo quando se fala de Quentin Tarantino.



Aproveitando que estamos aqui na Cinemateca, penso ter lido que és fã de cinema e que o nome Da Chick terá tido origens nisso, não é?

Sou, mas não sou nada aquela pessoa que sabe o nome de toda a gente e de todos os filmes. Da Chick vem de um filme, talvez o meu filme preferido do [Quentin] Tarantino, o Death Proof, uma das músicas do soundtrack é a “Chick Habit” e não sei porquê, mas aquele filme inspirou-me muito, tanto que me ajudou a criar um nome. Não me recordo de que ano é o Death Proof mas sei que é anterior a 2009 e na altura não sei qual era a rede social do momento. Mas acabei por criar o meu perfil com esse nome e depois houve toda uma ligação e ficou o Da Chick. Mas sim, a inspiração veio dessa música da April March. Sou fã de cinema, sou muito fã do Tarantino, é das pessoas com quem me identifico mais e se Da Chick fosse um filme seria certamente um filme do Tarantino. Mas gosto de tantas outras coisas… gosto de filmes maus também, enfim há quem ache os filmes do Tarantino maus…

Há quem não tenha gostado nada do último [Once Upon a Time… in Hollywood]

Eu! E até já dei uma segunda tentativa. [Risos] Não é não gostar, porque é impossível não se gostar da fotografia, soundtrack, etc. Mas não adorei o argumento, não achei dos melhores, acho que é uma história que já toda a gente conhece. A Netflix, por exemplo, está cheia de séries sobre isso, e eu estava à espera de mais. Não adorei. E o que é que eu te posso dizer mais? Sim, é uma coincidência estarmos aqui [Cinemateca] mas eu não sou nada croma de cinema. Tenho amigos que são e estou sempre rodeada de pessoas que estão sempre a falar de cinema, mas eu depois sou sempre aquela que pergunta “Quem é? Ah… exacto!”. Agora tenho uma paixão e sou muito atenta e curiosa por todas estas questões visuais, que também se transmitem na minha música. É óbvio que a essência e a base é música mas eu dou muita importância a toda a imagem e gosto que Da Chick seja uma coisa bem visual e conceptual na cabeça das pessoas. Portanto sou muito atenta a todo esse lado e depois é óbvio que há pessoas que te chamam mais à atenção que outras, com quem te identificas mais, e o Tarantino é uma dessas pessoas.

Já tinha lido que eras fã do Tarantino e quis começar por aqui porque também já pude ouvir o conversations with the beat e deu-me a sensação de que é um disco com algumas faixas que poderiam encaixar na banda sonora de um filme. Estou a pensar por exemplo na “mustang”, de que gostei bastante, e na qual consigo imaginar toda uma fotografia sempre que a oiço. Achei que este disco tinha por vezes esse lado meio cinematográfico, talvez também por ser também mais instrumental. Não sei se concordas ou se isso te passou pela cabeça quando estavas a compor?

Curioso, porque começando pela “mustang” — eu não costumo ter malhas preferidas — mas foi uma música que fiz muito rápido e que foi muito especial porque foi toda composta em guitarra. E para mim foi o meu primeiro achievement em guitarra, porque ainda é uma coisa muito nova para mim, apesar de o álbum não ter assim tanta guitarra (vai ter mais ao vivo) ainda é uma coisa muito exploratória, portanto fiquei mesmo feliz em conseguir compor uma música inteira em guitarra. Isso nunca tinha acontecido. E depois é uma música que também mexe muito comigo, não querendo destacar uma em especial, essa diria que se calhar é a mais sensível do disco, é muito pessoal. Tenho uma amiga que pergunta constantemente: “quando é que sai a mustang?”, porque era para ter sido o primeiro single e entretanto não foi. Há-de sair, tenho até um vídeo guardado para ela com uma ideia bastante visual e específica que vou ter de realizar.

O álbum é muito instrumental como disseste, mas era para ser mais ainda do que acabou por sair. A verdade é que eu comecei a ouvir tanto as músicas e os beats que começaram-me a sair palavras. Não considero o álbum mais liricista de sempre mas tem muitas mensagens importantes que são quase um mantra, que anda muito à volta da repetição, o próprio som, o delay… tenho essa noção e o objectivo era esse mesmo: são ideias muito específicas que acho que era importante interiorizar e as pessoas sentirem. Mas eu percebo esse lado que dizes, eu não adoro a expressão música ambiente, mas este álbum tem essa vibe de que tanto podes estar atenta e soar poderoso, como ao mesmo tempo estando lá atrás, discretamente, também completa. Não sei se daria uma banda sonora mas é um álbum, de certa forma, ambiental.

Talvez seja um álbum que ficaria muito bem complementado por um filme visual, como de resto alguns artistas já o têm feito…

Adorava, adorava… não é fácil! Já não é nada fácil fazer tudo o que eu já fiz e por mim fazia mesmo muito mais, mas é difícil. Mas sim, claramente essa ideia passou-me pela cabeça.

conversations with the beat é um disco, como já falámos e em relação ao anterior Chick to Chick, com muito menos voz, mais downtempo, menos festivo, que parece beber de outras referências. Existiu uma intenção clara em fazer diferente?

A verdade é que não foi uma intenção… eu nem sabia que conseguia fazer isto. Não havia um objectivo em fazer um álbum deste género até eu ter algumas músicas e perceber que isto poderia dar em alguma coisa. Até eu ir à Discotexas e dizer, “eu tenho aqui estas músicas, quero-vos mostrar mas não é para editarmos pela Discotexas, quero apenas a vossa opinião”. Porque também andava um bocado confusa se devia criar um nome novo para apresentar isto ou não… até que cheguei à conclusão que, como saiu aí há pouco tempo, “Da Chick é o que eu quiser”! [Risos] Ou seja, eu tenho noção que a coisa é diferente, mas não o fiz com esse propósito, simplesmente comecei a produzir, sozinha, e a sonoridade que saiu de mim foi esta. Versus a sonoridade que tinha vindo a fazer com outros produtores, que saiu em Chick to Chick, nos EPs e singles que lancei a seguir. Ou seja, a conclusão que tiro daqui é que eu a produzir sozinha vou muito mais ao interior do que é Da Chick. Estou muito mais perto das raízes que verdadeiramente me inspiraram também a fazer o Chick to Chick, mas que depois acabou por sair uma coisa muito mais pop e aqui acho que me mantive mais nessas raízes. Eu oiço muito mais este tipo de som que fiz agora, do que propriamente aquele que fiz em Chick to Chick. E acho que foi também não ter ninguém a dizer-me, “olha, isto ficava bem agora, etc”, ou seja, é tudo feito a partir do meu imaginário e daquilo que eu sentia no momento. Acho que é uma fase em que eu me encontro também, mas não havia essa intenção de fazer um álbum assim. 

Passaram-se também alguns anos entre estes dois discos…

Passaram alguns anos, passou toda uma vida! [Risos] Passou-se todo um período também nos Estados Unidos, este é o primeiro ano em três em que eu não estou lá nesta altura, ou no South By Southwest, ou em tour, ou quando estive também quatro meses lá a viver. Este álbum foi muito mais feito cá, mas, inicialmente, os beats, esta vontade de querer explorar, foi criada lá nesses quatro meses em L.A., porque tinha muito tempo também e andava a consumir muitos concertos, a conhecer pessoas novas e a lidar com realidades diferentes. Acabei, nesse período, por compor basicamente dois álbuns, um deles é este. Foram cinco anos em que cresci e acho que isso depois, sendo artista, a cena representa-se, não é?

E agora aventuraste-te na guitarra e isso também te ajuda a encarar a música e a composição numa outra perspectiva?

Completamente! Eu jamais teria feito uma “mustang” se não tivesse comprado uma guitarra e começado a fazer barulhos com ela. E isso deixa-me muito feliz! Tenho vindo a mandar umas dicas ultimamente que acho que quem me segue atentamente percebe que de repente não estou a produzir música. Quem me segue e tem vindo aos últimos concertos, sabe que estou bastante envolvida na minha música, não sou propriamente uma intérprete. Não sei se tiveste oportunidade de ver algum concerto meu antigo? Mas fazia intros, covers que não eram bem covers, a que chamava interlúdios e fazia finais de concertos que eram produzidos por mim, não eram músicas originais, mas temas para dar algumas referências ao público. 

Pretendes aprender outros instrumentos ou continuar a aperfeiçoar a guitarra?

Eu já andava em alguns concertos a tocar teclados, pormenores só, mas agora vou estar a tocar guitarra e teclados, a controlar toda a máquina mas tem de haver um foco. Já tinha comprado uma guitarra há algum tempo e tentei começar a aprender e desisti, porque é a coisa mais frustrante de sempre, sobretudo quando estás tão dentro da música e sabes o que é que queres fazer, o que queres tocar e não és propriamente um miúdo de 10 anos que vai aprender guitarra. Desisti nessa altura e entretanto voltei de L.A. e comprei outra guitarra, fiz questão de comprar uma relativamente melhor, para me sentir mal em ter investido tanto dinheiro, do género: “Agora vais ter de aprender!” [Risos] e assim foi. Mas é tough… Mas estou bué feliz e sinto que estou a crescer e que começo a apanhar coisas que agora fazem sentido e que antes nem prestava atenção. Hei-de aprender mais instrumentos certamente, mas agora a guitarra está-me a ocupar bastante tempo e eu preciso de foco, porque já há tanta coisa na minha vida que não o tem.

Conhecemos-te pelo teu trabalho a solo mas também em colaborações. Tens dois lados muito equilibrados e mostras estar bastante confortável com outros músicos e produtores. Por isso provavelmente teria sido fácil trazeres para este conversations with the beat as colaborações que quisesses e talvez conhecesses até muita gente que estaria interessada nisso. No entanto este disco estava destinado a ser uma conversa a dois, entre ti e o beat?

Sabes que eu ainda pensei em colaborações e, como dizes, falta de pessoas não havia e nem era preciso sair de Portugal, e na verdade acabei por ter algumas colaborações de músicos. Mas este álbum foi-se desenvolvendo sozinho e às tantas quando percebi que já tinha músicas e que aquilo poderia ser um álbum, embora ainda houvesse espaço para incluir alguém a cantar ou o que fosse, sobretudo nas músicas instrumentais, não me fez sentido. Se o Chick to Chick, foi bastante pessoal, este foi ainda mais. Basicamente produzi este álbum sem saber notas, acordes ou o que quer que fosse, foi mesmo uma conversa em que não sabia o que estava a fazer, e trazer pessoas para uma coisa em que eu não sabia o que é que estava a fazer também não me deixa muito confortável. Senti que é uma coisa tão incerta que também não consigo meter mais ninguém aqui, percebes? Mas claramente que há bué colaborações para vir, há bué colaborações paradas, certamente o próximo álbum vai ter algumas, mas sinto que aqui não conseguia, se calhar com algum egoísmo, partilhar ou deixar espaços em aberto para outras pessoas.

Percebo e esta minha pergunta também não foi inocente. Também senti que mesmo sendo um álbum de poucas palavras, sobretudo se compararmos com o Chick to Chick, é um disco altamente confessional e íntimo, fico com a sensação de estar a ouvir uma conversa alheia, com algumas private jokes, mas também com algumas mensagens que chegam a todos nós. Quando estavas a compor pensaste nas pessoas que iriam ouvir ou foi mesmo uma conversa a sós com o beat?

Não, não pensei. Na verdade era para ter sido um álbum quase instrumental mas depois comecei a ouvir tanto as músicas que começaram-me a sair letras. E o que essas letras transmitem são os sentimentos puros e crus que eu tinha em relação a ter composto um álbum. E aquilo que eu sentia era, “pá… não acredito que consigo fazer isto!” e a importância que é nós descobrirmos o que é a nossa cena, porque eu durante bué tempo andei perdida, e ainda ando, mas agora tenho um foco que é a música, mas até eu descobrir isso andava mesmo perdida, não fazia ideia de qual era a minha missão. Portanto quis partilhar com as pessoas o quão importante é de facto encontrarmos a nossa cena e sermos nós mesmos, sermos reais e sermos quem somos. E de certeza que sendo o que somos é aí que está a nossa qualidade ou a nossa razão, e todas estas coisas que tenho passado e as mensagens que de certa forma a vida me tem dado é um bocado aquilo que me saiu nas letras deste álbum. E daí eu achar que é um álbum muito motivante. Gostava que as pessoas se sentissem ofendidas com este álbum, que se sentissem tocadas, não no sentido triste, mas no sentido de que estou a falar para elas. Sorry, qual era mesmo a pergunta? [Risos]

Era por aí, queria perceber se essas mensagens que vais debitando ao longo deste disco, se foram coisas do momento ou se tiveste consciência que estarias também a falar para um público? 

Ah exacto.. pois, não. Essa questão do mais tarde vai haver um público é aquela cena em que eu não penso mesmo em nenhum momento e em nenhuma parte de tudo o que isto envolve, nem a produzir, a compor, a escrever ou ao vivo. Se calhar é egoísmo, mas eu não faço mesmo música para pessoas, eu faço música porque encontrei esta coisa que gosto mesmo de fazer e sinto-me sortuda por haver pessoas que gostam daquilo que faço. Agora pensar no que é que o público vai achar — acho óptimo que existam pessoas a fazer isso — mas eu não faço música para os outros. É óbvio que sei que estou a falar para pessoas e que quando digo “do your thing“, sei que estou a falar para mim própria, mas sei que há pessoas que espero que se sintam incentivadas com isso e sei que já houve, porque já recebi mensagens a dizerem-me que sentiram isso ao verem-me fazer a minha cena — é das melhores coisas que posso ouvir.

Antecipaste a minha próxima pergunta porque era sobre a “do your thang” que queria falar. Sobretudo este excerto de que gosto muito: “always been lost, I still don’t know what the fuck I’m doing… but I mean I’m doing something”, porque é um sentimento que me é próximo e acho que é preciso coragem para conseguirmos assumir que a maior parte das vezes se calhar andamos todos bastante perdidos e que fazer qualquer coisa, seja ela qual for, é meio caminho para nos encontrarmos.

O importante é mesmo fazer e eu acho que, para além de fazer, é preciso explorarmos muito e acho que é mesmo importante sairmos da nossa zona de conforto e tentar ver outras coisas, crescer e evoluir. Eu falo muito em evoluir neste álbum, é uma mutação. Tens o Chick to Chick e de repente tens este. Continuo a ser a mesma pessoa mas sinto que houve uma mutação, estou-me a desenvolver e isso traz mudança, traz uma nova pessoa de certa forma. Hoje em dia também se fala muito nisto, não é assim uma novidade tão grande, se calhar devia haver mais pessoas a dizê-lo, mas para mim é um dado adquirido. Para mim não faz sentido ser uma coisa que não sou e acho que hoje em dia cada vez mais, e com tudo o que se está a passar no mundo, as pessoas começam a ter menos medo de ser elas mesmas. Mas para mim isso nunca foi uma questão e quando Da Chick começou e me diziam, “girl power!” ou “como é que te sentes num mundo de homens?”, eu, sinceramente, sempre me senti eu, porque sempre fui eu. A mesma coisa com o inglês; “porque é que não cantas em português?” Eu não tenho problema nenhum em responder a isso mas a verdade é que eu sou assim, eu expresso-me assim e acho que as pessoas se ouvirem bem percebem que não é falso. Acho que é muito importante não ouvirmos o que é que as pessoas acham sobre nós, porque não é relevante, só é relevante de amigos, de familiares e de pessoas a quem damos valor, agora o resto não interessa. Bué para dizer nada! [Risos]



Nada disso, entendo onde queres chegar. Começaste o projecto Da Chick em 2009, uma década já, parece pouco mas não é. Ou seja, acho que ainda és muito jovem e tens muitos anos de carreira pela frente…

Dão-me 16 ainda… [Risos]

Acredito que sim! Mas dizia que 10 anos já dá para fazer um balanço, até já falaste um pouco sobre isso. Já consegues ter esse distanciamento, olhar para este período e perceber o teu percurso? Por onde começaste e onde estás agora? Mudavas alguma coisa?

Continuo perdida, como diz a música. [Risos] Não mudava nada. Não mudava nada em Da Chick e não mudava nada em Teresa. Agora sim, não tem nada a ver o que Da Chick era em 2009 com o que é agora e há uma razão para isso, para além de que a pessoa é diferente, eu também considero que estou uma pessoa mais crescida. Basicamente comecei a fazer música com amigos meus com quem andava na escola, um deles é o Mike El Nite, que começaram a fazer beats de música electrónica, numa altura em que o electro era vida! Quintas-feiras no Lux, sextas no MiniMercado, que já não existe infelizmente, mas o electro era key. Já desde essa altura gostava dos filmes do Tarantino, de blaxploitation, de toda uma cultura americana, não sei bem explicar o porquê, mas sempre falei muito inglês desde miúda, não é de agora, e sou capaz de sair desta entrevista e vou estar a pensar em inglês, acontece naturalmente. E basicamente tudo começou com um “escreve aí uma música” e eu “what?”, porque nesta altura já andava a escrever, antes da música fui copywriter em publicidade, e escrevia músicas que não eram bem músicas, eram pensamentos e ideias que eu anotava. E eu, “ok, bora! Mas o que é que eu vou escrever? Não sei… vou escrever sobre o meu rabo”, que sempre foi alvo de gozo e então foi assim que nasceu o “My Booty”. Essa foi a primeira música, metemos no MySpace e tive de criar um nome — daí a urgência Da Chick — e de repente o pessoal começou a curtir bué e eu própria fiquei motivada com a reacção das pessoas e foi do género, “bora fazer mais uma e mais outra”. Nesta altura, electro, eu tinha uma atitude bué trashy, collants rasgadas… não sei o que é que se passava comigo, mas a minha mãe andava preocupada, era uma cena assim bem punk em que eu vivia Peaches, para teres uma referência de uma das impulsionadoras para eu fazer música. Entretanto alguns produtores vieram falar comigo até que em 2011, mandei um email ao Moullinex e ao Xinobi, que eram para mim eram a referência daquilo que eu queria fazer.  E desde 2009 até se calhar ir falar com a Discotexas, eu comecei a descobrir que “espera aí… o que eu curto mesmo fazer é disco!” e uma das últimas malhas que fiz, antes de falar com a Discotexas, foi a “Disco Freako” e foi aí que eu disse, “disco é a minha cena!”. Eu já ouvia soul, funk mas disco nem era uma coisa que eu ouvisse muito, que nem existia sequer por cá…

A tua cena acabou por ser muito à margem daquilo que toda a gente andava a fazer?

Pois, por acaso há pouco tempo disseram-me, “parece que nunca estás na moda daquilo que se está a passar”. Ainda hoje se tu me perguntares quem são os artistas com quem eu gostava de colaborar ou que realmente me influenciam, são tudo cenas do passado. Na minha playlist 80 por cento são coisas de pessoal que já morreu, entendes? E na altura quando Da Chick começou eu ainda nem cantava, só rappava. Comecei a cantar com a “Cocktail” e foi estranho, porque antes já tinha feito quase 10 malhas, nesta cena mais trashy, hip hop e electro. Portanto acho que se fizesse um álbum agora, quer dizer eu fiz um álbum agora [risos], já não teria nada a ver, percebes?

Sim, eu também noto essa influência disco muito mais presente no Chick to Chick do que neste último, que me parece até bastante contemporâneo…

Sim, mas repara eu acho que isto é toda a vivência e todas as coisas a que se está sujeito, eu acho que isto não se revela só na letra, acho que se revela em tudo. É uma evolução e por isso é que estou com medo onde é que isto vai parar. Estou com muito medo, então esta cena da guitarra vocês não estão bem a ver! [risos]

Até porque agora está na altura de levar este conversations with the beat para os palcos? Já falaste da guitarra, qual vai ser o maior desafio?

Olha o maior desafio já aconteceu que foi, “ok, agora vou ter de tocar isto que fiz”. E eu não sabia o que tinha feito, portanto tive de reaprender tudo aquilo que já tinha gravado. Ensaiei sozinha antes e tentei, mas às tantas quando tivemos os primeiros ensaios com a banda toda tive de lhes pedir ajuda: “Olha, o que é que eu fiz aqui?”, tipo acordes e coisas porque eu não sabia, porque há cenas que vais lá de ouvido mas há outras que é super complexo. Tive de reaprender tudo e isso foi o maior desafio. Mas sinto que estou a crescer e que já sei um bocadinho mais de piano e de guitarra, e estou com vontade de produzir mais coisas, de compor com instrumentos, porque até começar a tocar, basicamente, eu compunha com melodias e fazia alguns beats – mas tudo coisas muito más! [Risos]

Quer dizer que muito possivelmente vamos ter novo disco em breve?

Vamos, mas por acaso estou a produzi-lo com um produtor. Não vai ser sozinha. O objectivo de ter feito este disco sozinha, não significa que quero trabalhar sozinha para sempre, porque é solitário e não é fixe. Assim como houve também a hipótese de apresentar este disco em palco a solo e acho eu seria capaz de o fazer, já actuei mil vezes sozinha, mas sinto que precisava mesmo de companhia.

Quem é que vais levar?

Vou levar baixista, trompetista e percussão e vai ser incrível. No outro dia comecei a tocar guitarra para uns amigos e juro-te que fiquei envergonhada, que é uma coisa que eu nunca senti.

Mas para os amigos acho que é sempre mais difícil…

Achas? Por acaso não sei…

Pelo menos já ouvi algumas pessoas dizer isso, que os amigos por nos conhecerem melhor, podem por isso ser o público mais difícil…

Consigo compreender mas não era o caso. Senti mesmo, “pá, eu estou a tocar! Isto é bué estranho…” [Risos] Portanto acho que pela primeira vez vou entrar em palco e vou estar nervosa, o que é assustador. Agora sim eu percebo quando me perguntam, “Tu não ficas nervosa antes de entrar em palco? – Não! – Enervas-me!” [Risos] 

Até porque estamos muito habituados a ver-te em palco sempre muito energética e agora parece que vai ser diferente. Achas que vais surpreender o teu público?

Não sei, mas espero que o pessoal acompanhe a situação. Ou seja, vai ser uma coisa muito mais calma, provavelmente não vai haver “biatches” ou se calhar vai ser só para uma retrospectiva. É um espectáculo diferente, porque a música também é diferente.

Também pensaste por isso em espaços e salas diferentes para os concertos?

Sim, queria o máximo possível de salas de espectáculo, porque vou ter toda uma direcção de luzes, há todo um conceito e queria marcar também a diferença com isso porque Da Chick não estava habituada a isso. Fiz alguns teatros, etc, mas não era o meu meio. Toco mais em clubes e bares, por isso o objectivo era exactamente dar essa mudança. Quero tocar em sítios onde ainda não toquei e com uma vibe diferente. Se antigamente eu ficava nervosa com cadeiras, agora deixem ficar as cadeiras. Vai continuar a ser música de dança mas é outra vibe. É difícil para mim explicar porque também ainda não aconteceu. Mas sei que vai continuar a ter muita energia e que eu vou continuar a ter muita energia mas vai ser diferente, é uma apresentação diferente.

Só para terminar, já percebi que estás muito empolgada em tudo o que estás a descobrir, na composição, na guitarra, e que já estás até a trabalhar noutro disco. Por isso talvez esta pergunta seja até um pouco redundante, mas esta conversa com o beat é para continuar? Ficou alguma coisa por dizer ou sentiste que disseste tudo o que querias?

Fica sempre tanta coisa por dizer… Eu já pensei até em volumes [risos] mas para isso já tinha de ter posto Volume 1 neste, não é? Mas a conversa com o beat vai sempre existir. Não sei bem como é que te hei-de responder a isso. Agora foi uma coisa tão solitária, que também teve a ver com uma fase da minha vida que foi de certa forma solitária e nas muitas aprendizagens que tive. Acho que é dos 30, em que começas apanhar bué mensagens. Não sei se é uma questão de estar mais atenta a coisas, mas começas a tirar tantas conclusões de questões que tu tinhas na cabeça que agora começam finalmente a fazer sentido. Eu acho que disse tudo o que queria para esta altura, mas acho que há tanto ainda mais para vir. E o facto de ter estado solitária, foi uma coisa que aconteceu e provavelmente irá acontecer outra vez mas é fixe partilhar música com pessoal, também. Por isso conversas a um com o beat acho que vai acabar por haver diariamente, agora conversas boas o suficiente para pôr cá fora agora preciso de um tempinho… mas fica sempre alguma coisa por dizer. Mas depois vai ser dito nos concertos também! [Risos]


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