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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 12/03/2021

30 anos de rimas, 25 anos de trabalho com Sagaz e DJ Assassino.

D-Mars: “Sentimos que existe espaço para veteranos como os Micro”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 12/03/2021

Enquanto no espaço há cada vez mais missões a Marte, e desfrutamos das imagens enviadas pela Perseverance, cá em baixo há um Marsiano perseverante que vive entre nós há 30 anos. Falamos de Marko Roca, mais conhecido como D-Mars ou Rocky Marsiano, que celebra em 2021 o 30º aniversário desde que anotou num caderno as suas primeiras rimas de rap.

Ao mesmo tempo, assinalam-se os 25 anos de Micro — trio que forma com Sagas e Nel’Assassin —, cuja história já contámos de forma detalhada em 2017. Desde essa altura, quando anteciparam um regresso e prometeram novidades, saíram alguns singles enquanto preparavam coisas nos bastidores. O primeiro resultado mais consistente pode ser conhecido esta sexta-feira, 12 de Março. Trata-se da parte 1 do EP Crónicas Microlandesas. Este ano vai haver um segundo volume — e já se fala num terceiro.

A faixa que decidiram lançar como single é “Mudan”, tema produzido por Sam The Kid, com direito a videoclipe filmado entre Carcavelos (a zona dos Micro) e Amesterdão (onde D-Mars vive há vários anos). A edição, contudo, foi feita em Londres, onde mora Don Vivi, antigo membro da crew da Microlândia que tem feito nome como filmmaker na comunidade afrodescendente oriunda de Portugal no Reino Unido. O vídeo vai ficar disponível durante esta sexta-feira na TV Chelas.

A solo, Marko Roca tem outros tantos projetos entre mãos. Há pouco mais de um mês foi lançada a edição digital de Gingando na MPC, com samples de música brasileira (herança que vem da sua mãe), e que teve quatro remisturas feitas por produtores que foram convidados depois de terem comprado o disco na plataforma Bandcamp. São eles DarkSunn, Fradinho, Marlow Diggs e Minus & MRDolly.

O MC e podutor veterano lançou também um projecto instrumental chamado Basketball Beats — a sua nova série de beatapes (a primeira já se encontra disponível) — que pretende homenagear os seus ídolos do basquetebol. E este ano também está previsto sair um projeto intitulado James Marsiano, que vai juntar Marko ao músico americano Bruce James. São muitos os projetos que se vão criando em casa (e em estúdios mais ou menos artesanais) enquanto a indústria ao vivo está totalmente parada, com os clubes e salas de espetáculos encerrados. O Rimas e Batidas esteve à conversa com D-Mars sobre tudo isto (e outras coisas que surgiram pelo meio).



Vêm aí pelo menos dois EPs de Micro. Como é que pensaram nestes projetos e como é que eles surgem na sequência dos singles que lançaram nos últimos anos?

Basicamente, o primeiro EP vai ser uma compilação de alguns desses singles, mais uns novos. O tema mais forte no nosso entender é o “Mudan”, com o beat do Sam. Nós nos Micro basicamente nunca tivemos ninguém a produzir um tema para nós, tirando um do SP e este do Sam. Este beat já tem muitos anos, para aí uns 10. Fizemos o tema a partir de uma ideia antiga que o Sagas tinha para o beat. E tivemos a ideia de fazer a cena das “Crónicas” porque crónicas são precisamente isso. São, vá lá, capítulos. Nestes últimos anos pudemos fazer música juntos pontualmente, porque a nossa vida é assim, eu vivo fora, etc. Mas, sempre que pude estar em Lisboa e juntarmo-nos, a vontade foi sempre maior e maior. Às vezes gravávamos no meu laptop, com uma placa de som e até trazia o microfone daqui. E alguns desses temas foram gravados numa sala de ensaios. Mas depois com a experiência que tenho a fazer misturas não dás por ela. Foi, seja lá como for, tentar gravar. Curtimos bué os temas e este primeiro EP é tipo um apanhar disso. E agora já temos uma boa parte do que será a parte 2 das Crónicas Microlandesas. Já está gravado, pré-produzido. Em termos sonoros estamos a seguir a nossa linha, a nossa cena sempre foi misturar um pouco diferentes estilos de beats. E agora, eu como MC, o Sagas como MC, o Nel como DJ, todos temos 20 e tal anos em cima, então cada um cimentou ainda mais o seu estilo. Fizemos coisas a solo, coisas em conjunto nos projetos uns dos outros, e também a fórmula de eu e o Sagas estarmos num beat a rimar agora ainda ganha mais… porque não há muitas duplas na cena nacional. Continua a ser como era no início, somos bué diferentes como MCs, na maneira como cada um aborda essa arte, mas quando estamos juntos no beat e com um refrão a servir de elo, mais os cuts do Nel, é Micro. Basicamente é isso. Quando estamos juntos soa diferente, pelo menos para nós.

Porque é que decidiram separar as músicas em dois EPs e não fazer um álbum, por exemplo?

Em princípio, em formato físico estamos a pensar em juntar os EPs e talvez meter mais coisas inéditas, juntar com algum merchandise, whatever. Nós queríamos lançar o primeiro no ano passado, porque queríamos voltar aos palcos, que sempre foi o sítio onde nos exprimimos melhor. Sempre tivemos super à vontade desde o início. E fez agora 24 anos desde que demos o nosso primeiro concerto assim mais a sério, que foi no antigo Johnny Guitar. O concerto foi muito fixe e o pessoal que esteve lá ainda se lembra. Foi no dia dos meus anos, lembro-me de estar a fumar um charuto no palco [risos]. Tinha feito 20 anos nesse dia. Agora fiz 44. A nossa maneira de escrever ao longo dos anos mudou, não tanto em termos de estilo, mas de conteúdo. Acho que é quase normal.

Tem a ver com a maturidade, também.

E com a maturidade da própria escrita. Eu já não sinto a necessidade de estar a provar cenas, cada um já fez tanto ao longo dos anos, que basta olhares para as cenas que fizeste há muitos anos e “ya, já fiz aquilo”. Portanto estamos muito mais à vontade. Desde que gostemos, é o que nos interessa. Obviamente, o hip hop é um meio competitivo, mas sempre foi. Na nossa altura também era. O que sentimos agora é que existe espaço para uns veteranos como nós, na boa. Nós sempre estivemos ligados, directa ou indirectamente, ao movimento, porque o movimento somos nós. E também quisemos fazer o EP em duas partes porque quando o pessoal ouvir, a nível sonoro, este primeiro, tirando o do SP, todos os beats foram feitos por mim e foram misturados de uma maneira como fazíamos antigamente. O beat saía directamente da MPC, as vozes do computador, para a minha mesa de mistura — e era uma mistura bué raw, old school. Não é muito limada, e é um bocado contra-corrente em relação ao hip hop muito limpo que se faz hoje. Mas não é de propósito, simplesmente é o nosso tipo de som.

E o segundo EP?

O tipo de sampling que fizemos, etc., faz mais sentido ser uma segunda parte das crónicas. A nível de beats, o corpo é um bocado mais boom bap do que a primeira parte. Mas a diferença também é nas rimas. No primeiro são rimas que foram escritas ao longo dos últimos cinco anos, vá. E no segundo são rimas escritas a partir de meados de 2020. Existe um pouco mais de coesão, há muito egotrip, um bocado de rimas de battle em que nos estamos a batalhar a nós mesmos. Um pouco mais sujo. 

E já têm previsão de quando sai o segundo EP?

Se tudo correr bem e continuarmos com a cena de ser um EP, deve sair logo no início ou durante o Verão. Talvez até haja um terceiro. Eu duvido que se possa fazer concertos já este Verão, tenho muitas dúvidas sobre isso. Espero bem que sim, a nossa ideia é dar alguns concertos, mas à nossa frente a lista de espera é enorme. Nós não somos tão relevantes neste momento, e dada a conjuntura toda duvido que alguém que possa fazer concertos vá convidar Micro. Vão convidar o Piruka ou alguém que esteja na moda, porque o mercado é assim. Talvez façamos a primeira parte de alguém, vamos ver. Eu não me importo mesmo nada, quero é voltar aos palcos.

É disso que têm mais saudades enquanto Micro?

Temos bué saudades até porque queríamos fazer uma cena diferente do que tínhamos feito, queríamos introduzir uma vertente mais visual no concerto. Temos ideias concretas, já as tínhamos no ano passado, mas foi tudo por água baixa. Mas ao contrário de muito outro pessoal, estamos aqui e felizmente isto não é o nosso ganha-pão. Então podemos estar aqui a curtir, a fazer música que nós curtimos, a partilhar com quem nos curte, e felizmente ainda muita gente curte de Micro. E isso é 50% da razão por estarmos a fazer isto. É sabermos que há pessoas que ainda nos querem ouvir, há pessoal que ainda está agarrado à cena do início dos Micro. E mesmo pessoal de uma segunda geração, não é pessoal da nossa idade. É pessoal que foi quase educado pelos tios que ouviam Micro na altura.

Mas estavas a dizer que estão a trabalhar em músicas e que até é possível que haja um terceiro EP. Ainda não está definido, é isso?

Sim. Nós agora reencontrámos um irmão nosso, lá perto da nossa zona, que antigamente chamávamos de Dourado — e ainda chamamos —, ele é membro da nossa crew Microlândia, era o puto da crew. E quando começou a rimar ele entrou naquela compilação TPC, com os Ofício, e estava sempre com eles. Ele era muito fodido como MC e ao longo dos anos foi trabalhando com áudio e fazendo beats. Mas pronto, ele tem um spot dele, uma espécie de estúdio, e agora nós temos um sítio onde nos sentimos… porque nós nunca curtimos de alugar um estúdio, eu e o Sagas quase somos um casal, temos uma química, quando estamos a gravar já sabemos. Ele nem precisa de dizer uma cena e eu já sei. Porque são muitos anos.

Claro, têm muita experiência juntos.

E temos aquele feedback um para o outro que é super importante, quando sabes que o outro consegue fazer melhor e whatever. Agora temos um spot assim, com uma qualidade de som fixe, perto da zona. Portanto, os temas novos vão rolando e desde que tenham qualidade é capaz de se juntarem temas suficientes para uma terceira parte.

Significa que estão a ser bastantes produtivos.

Sim, sim. A parte da escrita é bué engraçada porque oiço as rimas dos primeiros dois álbuns de Micro — aliás, os únicos — e no meu entender tenho lá algumas das minhas rimas preferidas. Só que eu tinha 20, 22 anos, escrevia muito metaforicamente, só que era uma cena quase de estilo. E agora é diferente. Também posso escrever de uma maneira coiso, mas as barras que estão a surgir têm o significado de alguém que já viveu muita merda, estás a ver? É um bocado diferente. Depois tens as rimas de egotrip, punchlines, aí pode ser um puto de 10 anos ou um cota de 100, as punchlines ou são fodidas ou não são, não há nada a fazer. É diferente de uma rima com conteúdo.

Passando para o teu percurso a solo, sempre que é um ano de aniversário redondo para os Micro também é de D-Mars. E estás a preparar uma série de projetos. Um deles é um conjunto de singles para celebrar os teus 30 anos de rimas. Vem na mesma linha do álbum que lançaste há 10 anos, quando foram os 20 anos de D-Mars? São temas isolados, é um disco que vais lançar faixa a faixa?

Tenho dois temas que já gravei, curto bué, e vou lançando ao longo do ano, basicamente. Só singles. Fazer um álbum… simplesmente não tenho tempo. Porque prefiro dedicar-me mais à cena de Rocky Marsiano e a Micro. A solo quero festejar o facto de estar a rimar há 30 anos de uma maneira que me apetece. Não quero estar com grandes… sem pretensões nenhumas. O 20 Anos também foi assim, fiz os CD, basicamente dei a bué amigos, quase não esteve à venda na altura e é um disco que ainda curto bué. Mas era uma celebração egocêntrica, fiz um disco inteiro que curto e depois o pessoal logo curte ou não, não me interessa.

E tens outros projetos entre mãos. Um deles é a série de beatapes Basketball Beats, para homenageares os teus jogadores de basquetebol favoritos. Como é que pensaste neste projeto?

A primeira beatape já saiu e é dedicada aos postes. Eu cresci num país onde o basket era o desporto número um. E na altura tínhamos jogadores que eram do melhor que havia na Europa. E no final dos anos 80 e início dos 90 eu curtia bué os postes, era uma altura em que eram bué dominantes. E o basket é, para mim, o desporto que mais consigo associar ao hip hop como cultura. Porque o basket é uma cena que une as pessoas, o skill é o que interessa, mas também há a táctica e o knowhow. E durante este último ano foi muito importante na minha vida pessoal eu poder ter espaço e tempo para jogar basket. Porque é um desporto que consegues jogar sozinho, desde que haja uma tabela ou um aro pendurado algures, numa garagem, podes estar a curtir horas e horas. E depois fui pensando nesse projeto e tinha beats que pensava mesmo: este sample de flauta faz-me lembrar o Arvydas Sabonis, um gajo lituano que foi uma lenda do basket europeu e depois foi para a NBA. Ou o Hakeem Olajuwon, nigeriano, que foi para os states jogar, vou fazer um beat mais afrobeat, tipo Fela Kuti. Basicamente é uma homenagem instrumental a esses gajos. E em princípio o volume dois vai ser para os bases daquela altura e por aí fora.



E há também o projeto de James Marsiano, uma nova identidade artística que se vai criar.

Isso quando sair é que vai ser bué fixe. É um projeto que durou anos para fazer. O Bruce James na altura estava a fazer uma digressão ininterrupta pela Europa com a mulher dele. Sempre que passava por Amesterdão encontrávamo-nos no meu spot para gravar um ou dois temas. São beats muito west coast, synth hip hop, muito funky. No início as versões eram vocais, mas ultimamente deixou de fazer sentido, a parte vocal ficou um bocado desatualizada, mas os beats estão muito fixes. Vai ser um EP, talvez com oito temas, mas curto bué, está muito diferente de tudo o que fiz até agora.

E esse projecto está em que fase?

A música está feita, só precisa de ser misturada e falta limar as arestas. E depois ver como é que vamos lançar o projeto. Se vai ser só mais uma gota no oceano, como a maioria das coisas que saem hoje em dia, ou se vamos tentar fazer um 10 polegadas ou algo assim. Deve estar acabado antes, mas devemos lançar depois do Verão.

E conheceste o Bruce James durante essa tour que ele fez?

Foi há muitos anos. Ele é um dos artistas da plataforma para a qual trabalho, a Tribe of Noise. Eu na altura descobri que ele estava em Amesterdão a dar um concerto e fui encontrar-me com ele e tivemos um clique do caraças. Ele é uma pessoa fantástica. Ele é um bocado um Joe Cocker mas do Texas, um soulman branco que toca bué piano e teclas, com uma mulher afro-americana com uma voz enorme, quase uma Nina Simone. Eles juntos dão concertos, só que agora mudaram-se para os states. Eu convidei-o para entrar num tema de Rocky Marsiano que saiu num álbum meu há muitos anos e ele também entrou num tema dos Micro que sai no Crónicas Microlandesas parte 1

E recentemente também saiu a edição digital do Gingando na MPC. Já tinhas esta ideia de teres uma edição com remixes? Ou foi algo que surgiu depois de aqueles produtores comprarem o álbum?

A versão original, em vinil, queria… já fiz isso com as edições de Meu Kamba, em que a digital é diferente do vinil. Para quem comprou o vinil e me apoiou dessa maneira, é ter uma cena única. Há temas que só estão na versão vinil e não estão em nenhum outro lado. E durante as pré-vendas do vinil, reparei que produtores que curto da tuga compraram — porque dá para ver no BandCamp. Fogo, isto é mesmo o Minus & MRDolly, ou o Fradinho. Então convidei-os, eles escolheram um dos temas e depois foi bué orgânico. Cada um deles fez um remix a sério, não foi dar uns toques. Cada um fez um tema seu a partir de elementos de um beat meu. E eu adorei essa experiência. Infelizmente não vou lançar isto em vinil, porque como as lojas estão fechadas em todo o lado, o mercado está muito em baixo.

E além de tudo isto que já falámos, estás a preparar mais coisas enquanto Rocky Marsiano, ou não há tempo?

2020 ia ser um ano muito forte para mim enquanto Rocky Marsiano DJ. A primeira data que foi com o caraças foi Paris, era uma data que estava há três anos a marcar e nunca conseguia por uma ou outra razão… e por causa dessa data é que fiz o Gingando na MPC, porque era uma festa onde só se tocava música brasileira de qualidade, e eu queria fazer um live set com a MPC e por isso comecei a fazer beats. Voltei aos discos da minha mãe que me acompanharam desde que nasci, porque viajaram com ela entre o Brasil e a Europa, e quando a data foi abaixo, continuei a fazer e curti bué e também foi um disco em homenagem à herança brasileira cultural na minha família, que é muito forte. Mas pronto, estou a pensar muito num formato diferente, quando as coisas voltarem, para poder fazer DJ e live sets de Rocky Marsiano de uma forma diferente, para não ser igual ao que era antes. Estou a focar-me nisso e de vez em quando vou fazendo temas.

Mas nada de concreto ainda?

O que é concreto é que não vou repetir a fórmula do Meu Kamba, porque já fiz tudo o que havia para fazer aí e não curto… há artistas que fazem disso a sua carreira, eu não. Foi uma experiência, e fiz uma cena com música brasileira, portanto o próximo show ao vivo vai ser uma mistura, uma cena afro-brasileira.

E os temas que tens feito são ainda numa terceira direção, é isso?

Sim, e estive muito a pensar em fazer cenas com folclore português. Só que é muito difícil encontrar material para samplar que tenha boa qualidade sonora. De certeza que existem, mas nas minhas mãos ainda não parou. E também o meu principal suporte nesses aspectos, o Rui Miguel [Abreu], não tem muitos discos de folclore português. Eu curtia bué tentar, fazer beats com cenas mesmo folclore tradicional. Existem bué ritmos em Portugal. E todos os países que são assim [faz o formato de um rectângulo estreito com as mãos] a diferença entre uma ponta e outra é enorme. São quase países diferentes.

E nunca pensaste em fazer nada do género com música croata? Ou não é algo que te atraia muito?

Atrai, sim, a Croácia também tem música muito diferente, mas não… É como: porque é que não escreves um rap em croata? Não estou muito ligado à cena, basicamente. Existe música da Croácia que já samplei, tipo o Carlos do Carmo da Croácia, porque eram instrumentais que não tinham um toque muito étnico.

Mas coisas mais étnicas da Croácia não te atraem muito?

Já fiz alguns beats com cenas, há muitos anos, fui buscar umas vozes. Na costa croata há uma cena tradicional que é Património da UNESCO que se canta em coro, é uma cena muito específica de uma parte da costa croata e às vezes samplava uma ou outra cena de voz. Em Portugal ainda não sei como é que ninguém pegou naquele ritmo dos tambores do norte, aqueles ritmos que dão para rimar na boa. É só pegar em quatro daqueles gajos e não precisas de mais nada, só umas gaitas ou whatever, e fazer uma cena ethno-rap, que já se fez bué em Espanha e França. Se calhar iam achar que era um bocado… se calhar o pessoal quando vai experimentar coisas novas são coisas muito seguras. “Ah, vou começar a cantar com uma guitarra acústica”. Ok, fixe, é uma cena nova, mas no fundo é segura. E também não vi muito espaço, por exemplo, para o rap cómico no rap tuga. Existem cenas tipo os Tribruto, que para mim têm cenas muito engraçadas, existem coisas como o Conjunto Corona, que vejo como cómico. Mas uma cena de gajos mesmo goofy, mas que não sejam a gozar com o rap, porque isso já foi feito… Estou a falar de assumidamente MC, que vivem a cultura, mas que fazem uma cena de palhaçada, quase.

Era algo que gostavas de ver?

Não me lembro assim de nenhum grupo que tenha feito isso. E uma cena que vi há dois anos, quando foi a História do Hip Hop Tuga no Pavilhão Atlântico, eu estava a ver e os temas que batem mais, as cenas mais novas que os putos curtem, faz-me lembrar fado. Não fado como música, mas como feeling. Porque é uma cena melancólica, triste, “eu sou fodido, estou fodido”, uma cena pesada, é o que sempre bateu em Portugal. Obviamente que também há os temas lúdicos. 

Já disseste que 2020 ia ser um ano forte de actuações mas que infelizmente não foi possível, e não achas que seja muito provável retomar esse caminho em 2021, mas pelo menos promete ser um ano muito forte de lançamentos para ti.

Sim, já que não dá para tocar ao vivo, como tenho que trabalhar no sítio onde também faço música, tem-me ajudado bué e tenho feito muito mais música do que nos anos anteriores, quando também ia muito para o escritório. E os fins de semana — antigamente estava fora algures a tocar — agora passo em casa e também tenho mais espaço mental para fazer música nova. Na altura era procurar música para fazer o pessoal dançar, enquanto DJ. E agora já posso fazer DJ sets só com música que eu produzi. Posso levar quatro ou cinco vinis meus e fazer um DJ set de duas horas na boa, com o pessoal a dançar. Isso só em si já é fantástico, é tipo um sonho, quando chegas a um ponto em que vês que já lancei tantos vinis que posso chegar a qualquer lado, e quando alguém perguntar o que estou a tocar “ah, isto é um vinil meu”. E a seguir: “ah, isto também é um vinil meu”. E assim durante uma ou duas horas.

E cada vez mais consegues fazer isso.

Sim, e vou lançando a título próprio, pelo amor à cena. Desde que não perca dinheiro… E a razão pela qual também lanças é porque te dá credibilidade e espalha o teu nome e eu nos últimos dois anos quase nunca fui atrás de um booking, foram sempre pessoas que curtem a minha música, têm festas e convidaram-me para tocar — e isso é bué importante para mim.


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